Foi semifinalista do prémio Man Booker International Prize 2016, a par de Orhan Pamuk, Raduan Nassar, entre outros nomes grandes da literatura, mas, quando escreve, nunca pensa nos prémios. José Eduardo Agualusa diz que a escrita para si foi sempre «a forma de entender o mundo e os outros», uma paixão que não esmorece. Do próximo livro ainda não consegue falar, mas deixa escapar que será editado lá para setembro e irá falar «de pessoas com diferentes relações com os sonhos».
Já os seus passam por ver uma Angola verdadeiramente democrata, um país onde as pessoas não tenham medo de expor as suas ideias, como ele próprio vai fazendo, sempre com algum receio, mas que a revolta não consegue calar. Ainda assim, acredita que o mundo pode ainda ser melhor. «Vivemos num momento de viragem», diz com esperança no futuro. Entrevista exclusiva.
Como vê a situação do mundo atual? O medo do terrorismo, o drama dos refugiados, a crise económica…
O mundo foi feito sempre de muito drama e, curiosamente, há pouco tempo, vi um gráfico sobre terrorismo que mostra que o número de vítimas de terrorismo na Europa diminuiu muito a partir dos anos 80 e 90. No entanto, nós não temos essa perceção e temos a ideia de que o mundo nunca esteve tão mal. Também recentemente, li o livro «Otimista Racional», de Matt Ridley, que mostra como o mundo está muito melhor.
Mostra que, por exemplo, nunca houve tão poucas guerras como agora. Já pensaram que é a primeira vez na história que todos os territórios em língua portuguesa estão em paz? Quando eu nasci, penso que nenhum país africano vivia em democracia, o mesmo sucedia na América Latina, em Portugal e Espanha.
Acredita, então, que vivemos num mundo melhor, apesar de todos os problemas?
Claro. Hoje em dia, a maioria dos países vive em democracias formais e nem sequer consigo explicar à minha filha o que foi o Apartheid, um regime tão absurdo que só terminou em 1994. Quando andei a pesquisar para o livro «A Rainha Ginga (E de como os Africanos Inventaram o Mundo)», percebi o quão cruel era o mundo no século XVII, a crueldade era a norma.
Mas ainda há muita crueldade por esse mundo fora…
Sim, ainda há muitas guerras, dramas e coisas horríveis a acontecer, que são difíceis de explicar. No entanto, esta violência não é inédita e é menor hoje do que já foi. Por exemplo, a violência do estado islâmico é arcaica, envolve escravatura e sacrifícios, mas a grande diferença é que no século XVII o mundo inteiro era o estado Islâmico, agora não. Além disso, acho que estamos a viver um momento de viragem.
E o que faz pensar assim?
Por exemplo, estas denúncias todas de corrupção. Sempre houve corrupção, o que nunca houve foi tanta gente presa por corrupção. As novas tecnologias têm permitido um maior combate à corrupção e isso agita o mundo.
Hoje é mais difícil esconder a corrupção. É isso?
Sim é mais difícil ser corrupto hoje. A justiça está mais atenta e aprimorou os seus métodos com a ajuda da nova tecnologia.
Veja na página seguinte: As recordações de infância do escritor
Também vê o estado atual de Angola como um ponto de viragem?
Sim. O país está a viver um momento extremamente dramático, mas o facto de não haver guerra já é um avanço enorme. A guerra é um somatório de atrocidades e justifica-as. Falta democratizar e conseguir uma maior justiça social.
E a crise económica?
A economia está caótica, porque as decisões foram todas erradas e as potencialidades do país não foram desenvolvidas. Todo o desenvolvimento económico dos últimos anos foi um falso crescimento, porque estava assente no petróleo.
A partir do momento em que este caiu, desabou tudo. Angola está numa situação deplorável e em rutura absoluta, mas acho que o tal momento de viragem vai acontecer, e acho que nos próximos meses vamos a assistir a novidades.
Receia uma nova guerra?
Nova guerra não creio, mas pode haver conflitos.
É uma voz crítica do regime angolano, já sentiu medo?
Já senti medo, claro, mas tenho mais revolta do que medo.
De forma geral, a população de angolana tem medo?
Claro que sim.
E essa viragem de que falou pode alterar isso?
Tem de alterar, pelo menos espero que sim. Numa democracia as pessoas não têm medo de expor as suas ideias.
Que recordações tem da sua infância?
Tenho boas recordações, mas, de uma forma geral, acho que tendemos um pouco a mitificar a infância. Uma vez, a minha filha disse uma coisa engraçada. Disse «Detesto ser criança porque toda a gente manda em nós». E acho que ela tem um pouco razão. Idealizamos um pouco a infância, mas vendo mais de perto nunca é tão feliz como nós pensamos que foi, porque não temos muita independência.
Ser escritor era um sonho de infância?
Na altura, nem sabia que era possível. Foi algo que foi acontecendo, pois até determinada altura achava que iria ser veterinário e depois acabei por estudar agronomia.
Quando olha para a sua obra, o que sente? Era desta forma que queria conduzir a sua carreira ou tem-se surpreendido?
É bom que continue a surpreender-me e os livros têm-me trazido constantemente muitas surpresas, sobretudo, pessoas. Alguns dos meus melhores amigos apareceram na minha vida por causa dos livros. Caso de Mia Couto, que é um dos meus melhores amigos.
Veja na página seguinte: O tipo de livros que José Eduardo Agualusa mais gosta de escrever
O que gosta mais de escrever, romances, peças de teatro, poesia, romances históricos?
Tudo. Cada livro é um desafio diferente e os livros que mais prazer me dão escrever são os mais difíceis. Aqueles que inicialmente parecem impossíveis.
E é muito diferente escrever um romance e uma peça de teatro?
Sim, o romance ocupa muito mais tempo, é uma maratona. Numa peça de teatro, há prazos para cumprir e as minhas mais recentes experiências de teatro têm sido escritas a quatro mãos, em concreto com o Mia Couto, e é uma experiência muitíssimo agradável. Escrever com outra pessoa é mais divertido do que estar sozinho, como estou agora, a escrever.
Já pensou fazer isso para um romance?
Eu e o Mia Couto já pensámos nisso, mas precisávamos de muito tempo...
Já passou temporadas em vários países, estadias essas que deram origem a livros. Viajar para si é uma forma de se inspirar para escrever?
Viajar, no fundo, é encontrar pessoas, é descobrir histórias, ou seja, a mim ajuda-me a contar histórias. Cada viagem traz-me coisas diferentes. Por exemplo, quando escrevi «Um Estranho em Goa», passei quatro meses naquele estado indiano e também estive um ano em Berlim a escrever «O Ano em que Zumbi Tomou o Rio».
Gosta dessa forma de trabalhar em residência literária?
As residências literárias são importantes, mas prefiro escrever em casa.
Podemos dizer que os seus livros mostram Angola e que são uma espécie de ponte de Angola para o mundo?
Claro. Todos os livros são pontes e fazem-nos construir pontes e trazem-nos para outra realidade.
Veja na página seguinte: Os escritores de que o escritor mais gosta
O que significou, para si, ser semifinalista do Man Booker International Prize?
Os prémios são uma lotaria. Se acontecer, aconteceu, mas não penso nisso.
Mas um prémio destes é importante para o reconhecimento?
Mais do que reconhecimento, ajuda na venda dos livros em língua inglesa e ajuda, sobretudo, nos direitos de autor. É importante para a minha agente, que irá trabalhar mais.
Quais são os escritores que mais gosta?
É impossível de dizer, porque vou-me apaixonando por vários autores ao logo dos anos e espero que isso continue a acontecer. Mas os que mais me marcaram no início foram Eça de Queirós, Jorge Luis Borges, Garcia Marques e Ruben de Fonseca.
É habitual ser interpelado por jovens escritores para dar a sua opinião sobre o que escrevem?
Acontece muito e tenho pena não ter muita disponibilidade para ler e poder responder a todos.
E já aconteceu ser surpreendido?
Sim e no livro «Teoria Geral do Esquecimento» publiquei dois poemas, feitos de propósito para uma personagem, que são de uma poetisa brasileira que eu conheci no lançamento de um livro. Ela veio ter comigo e entregou-me uma folhinha, com um hakui muito bonito, que tinha o endereço do seu blogue e, como era muito bom, entrei em contacto com ela. Mas é raro acontecer.
O que se deve fazer para as crianças lerem mais?
Depende muito da forma como são criadas, se têm acesso a livros e se os pais lhes lêem livros.
E as novas tecnologias estão a pôr em perigo a leitura?
Não. Temos jovens que são grandes leitores. Uma criança de 10 ou 11 anos que lê a colecção do Harry Potter, que são livros grandes, vai ser um grande leitor.
O que é para si saber viver?
É saber não ter e fruir. É não ter o barco, mas ter a viagem, é poder ler sem ter de ter os livros. É poder ouvir música sem ter os discos e as novas tecnologias ajudam a isso. A desmaterialização é muito interessante e as pessoas realmente felizes não são as que tem muito, mas as que sabem não ter…
Texto: Rita Caetano com Artur (fotografia)
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