RETRATOS CONTADOS (R.C.): Os Retratos Contados apresentam-se como um projeto único, diferenciador e inovador uma vez que nos focamos numa área diferente do habitual. O nosso objetivo é falar das ligações entre avós e netos, a importância dos avós na vida dos netos e vice-versa. O que achas de um projeto destes?
ANABELA: Eu acho extraordinário, interessante e necessário porque de facto, não é muito usual falarmos dos nossos avós… Não se fala muito de onde viemos, nem da nossa ascendência. Portanto, acho bom e até engraçado a oportunidade para mim também de refletir um pouco sobre aquilo que representaram os meus avós para mim e recuar um pouco há minha infância!
R.C.: Fala-nos um pouco de onde nasceste e como era o convívio com os teus 2 irmãos, como eram vocês em crianças?
Anabela: Bom, eu nasci em casa, num apartamento na Cova da Piedade. Os meus irmãos (isto é curioso) são mais velhos, nasceram os dois em maternidades e eu não. Mas a minha mãe decidiu que eu nascia em casa e assim foi! A minha mãe sempre trabalhou em casa, era costureira e trabalhou quase até à hora do parto. E pronto e eu nasci no dia 22 de Setembro de 1976 na Cova da Piedade. Cresci lá, sempre no concelho de Almada, estudei lá, tive uma infância tranquila, sempre gostei das escolas onde andei. Em relação aos meus irmãos, eles são rapazes… Portanto, não havia grandes brincadeiras com eles, embora tenha brincado um pouco com o irmão do meio. Brincava muito mais com as amigas na escola. A eterna separação entre as princesas e os piratas.
R.C.: E o vosso relacionamento com os avós?
Anabela: Não tive aquela vivência de ter os avós em casa, de crescer com eles, de brincar com eles… isso não tive. Não conheci a minha avó materna nem o meu avô paterno, porque ambos morreram muito cedo. Tive muita pena porque sempre ouvi falar deles, sobretudo a minha mãe que sempre recorda a minha avó materna como uma mãe espetacular, uma mulher muito interessante, com uma personalidade muito forte e eu tenho essa imagem dela e tenho muita pena de não a ter conhecido porque acho que de facto deve ter sido uma mulher interessante, uma pessoa bonita. Depois, com quem eu contactei um pouco mais foi com o meu avô materno que vivia lá bem perto de mim e daí acho que vem esta minha veia mais artística. Embora ele nunca exercesse, nunca foi músico, era marceneiro, portanto a única coisa que eu me lembro dele, é que cantava, ou melhor, tinha a mania de cantar o fado, trauteava muito, inventava muitas coisas e estava sempre a cantar o fado. É uma coisa que recordo muitas vezes!
R.C.: Achas que herdaste do teu avô materno o gosto pelas artes?
Anabela: O meu avô era marceneiro, o que já de si é uma arte. Mas a arte de cantar não herdei dele. Ele gostava muito de cantar fado em casa e eu gostava muito de o ouvir. Anos mais tarde foi ele que gostava muito de me ouvir cantar, isto já aconteceu numa fase quase de final de vida, mas ele gostava muito de me ouvir cantar, porque adorava música e especialmente o fado.
R.C.: E recordações da tua avó?
Anabela: A minha avó paterna que estive algumas vezes com ela, eu gostava muito de ir lá comer a casa dela, ela também vivia onde eu nasci, na Cova da Piedade. Não era uma pessoa muito afetiva, de contacto físico, mas sempre foi muito querida para nós. Ela mostrava a sua ternura através da comida que nos fazia, através de um miminho ou outro que às vezes nos comprava. Era uma pessoa muito crente. Eu passava alguns fins-de-semana com ela e juntas íamos a uma casa onde ela fazia voluntariado com pessoas carenciadas. Recordo-me disso e de ela ser uma avó ligada um pouco à igreja. Eu acho que o meu lado mais religioso, mais cristão, de crer em Jesus e em Deus, também acho que herdei desta minha avó.
R.C.: E herdaste essa parte de querer ajudar o próximo, de olhar para os outros que precisam de nós?
Anabela: De alguma forma sim, embora não tenha tanto tempo para me dedicar a causas quanto eu gostaria. Não faço voluntariado, devia fazê-lo, mas ainda não faço. Sou sócia duma ou outra associação… mas acho que um dia irei fazer voluntariado e sinto que vou gostar mesmo de o fazer!
R.C.: Essa avó paterna tinha uma certa dificuldade com os afetos, mas tinha outra forma de transmitir os afetos?
Anabela: Precisamente! E esta era uma das formas em que ela demostrava a sua bondade.
R.C.: É um pouco típico daquela altura … Os afetos não se mostravam tanto quanto hoje, era raríssimo ver um pai beijar um filho…
Anabela.: Sim…completamente! Penso que a geração dos meus pais já é mais carinhosa e afetiva. Na geração dos meus avós era um modelo mais rígido, mais austero. Os casais também não eram tão afetuosos como os da geração seguinte e os de hoje em dia. Mas também não se pode generalizar, no entanto eram outros tempos, outra educação, outras dificuldades…
R.C.: Muitos avós viviam numa época em que as pessoas também não se interrogavam se eram felizes. Os sentimentos não eram pensados… Era a vida!
Anabela: Era a sina. Era aqui que as pessoas apelidavam “ É a minha Cruz” …Era assim… não se punha tanto em causa as coisas, não se pensava tanto nas formas de agir e de educar. Hoje em dia às vezes até é demais: “Ai meu Deus, será que eu estou a fazer bem?” É tudo muito pensado e não se deixa tanto também o instinto fazer.
R.C.: Algum dos teus avós assistiu ao início da tua carreira?
Anabela: Sim, ambos. O meu avô paterno morreu mais cedo. Mas percebeu que eu comecei a cantar com 8 anos e acho que ele assistiu mesmo ao meu início e gostava muito. Nunca me foi ver cantar (que eu me lembre). Mas como já era habitual estar com a minha mãe e as pessoas pedirem “ai canta lá, canta lá “ ele ouviu-me cantar imensas vezes, assistia e ficava muito contente.
R.C.: Hoje, passados alguns anos da morte dos teus avós, recorda–los de vez em quando?
Anabela: Sim, recordo sim, especialmente a minha avó Jaquelina. Foi com ela que eu tive mais contacto e tenho pena de não ter ao meu lado. Lembro-me muitas vezes dos meus avós, nos dias em que estou mais pensativa ou um pouco mais nostálgica. Assim como recordo frequentemente o meu avô Matias. Os meus avós tinham nomes giros.
R.C.: Os teus pais já são avós. O que é que mudou na vida deles desde que se tornaram avós?
Anabela: O meu pai estava sempre a dizer que quando fosse avô, não iria mudar nada! No entanto, noto que ele quando se fala do meu sobrinho fica com um olhar diferente. É notório que tem um carinho especial e que tem uma preocupação. Eu acho que ele dizia que não mudava e mudou. A minha mãe uma avó muito presente. É muito emocional, é muito carinhosa e muito afetiva.
R.C.: A tua mãe é costureira … faz vestidinhos para as netas?
Anabela: Faz claro! E em todos os Natais ela tem de fazer uma peça à mão, também faz tricot, faz os vestidos de casamento. Quando eu me casei a minha mãe foi fundamental.
R.C.: A tua mãe sempre esteve muito presente na tua vida. Foi fundamental no início da tua carreira, sempre te apoiou, sempre te impulsionou?
Anabela: Exatamente. Eu comecei muito miúda. A minha mãe sempre gostou muito de dançar e às vezes ia aos Alunos da Apolo. Por vezes eu acompanhava-a. Eu gostava de cantar e eles diziam-lhe “Olha tens de levar a tua filha a qualquer lado porque ela tem um dom, tem uma voz muito bonita.”
A minha mãe começou a perceber isso, e de facto ela é que começou a levar-me a certos concursos relacionados com a música. Começou por levar-me ao Jardim Zoológico quando havia lá uns espetáculos e eu comecei a ir e a cantar. Havia um amigo dela que era palhaço e fazia uns espetáculos de Natal para miúdos, precisavam duma miúda para cantar e eu comecei a cantar lá e as coisas foram acontecendo. Conheci uns compositores que começaram a escrever para mim, comecei a concorrer a vários festivais de norte a sul do pais e pronto, e comecei assim a carreira. Foi ela realmente a minha mãe que teve aquele olhar e pensou “Ok…ela tem jeito, então vamos ver!…”
R.C.: Começaste a cantar mais a sério com os teus 8 anos de idade participando em vários festivais infantis/juvenis, de norte a sul de Portugal. Com 11 anos de idade lançaste o teu primeiro single intitulado “Rock do Amor”. Que recordações é que tens dessa época?
Anabela: Muito boas! É fabuloso rever aquelas imagens de mim com 8/9 anos e ter uma alegria de estar em palco, um à vontade que não era muito normal para uma criança e não era só isso…era uma voz, uma voz…que não tinha aulas de canto nem nada e cantava, era muito afinada, muito profissional, muito espontânea e eu divertia-me muito e gostava muito daquilo. Portanto, tenho boas recordações e gosto imenso de olhar para aquilo e ver-me nessa altura.
R.C.: Olhas para ti com orgulho ou com nostalgia?
Anabela: Com orgulho! Não tenho saudades, tenho orgulho.
R.C.: E essa segurança foi-te ensinada ou é um dom natural?
Anabela: Foi uma coisa que eu sempre tive. Aliás, eu quando ganhei o Festival lembro-me perfeitamente de a Ana Bola estar lá e dizer “Mas como é que é possível?…tu tens 16 anos… oh filha mas tu não estás nervosa?” E eu nada nervosa.
R.C.: É mesmo natural.
Anabela: Natural! Eu só comecei a ficar nervosa passado uns tempos. Nós acabamos por crescer, o medo entra em nós, o medo de desapontar, o medo de não ser perfeita e esses medos … medos que são-nos impostos às vezes. Mas às vezes somos nós próprios que os criamos, não são os outros e é mau para nós, é mau porque acaba por nos tirar um pouco a segurança e o prazer de cantar e de se viver o momento.
R.C.: Com 12 anos representaste Portugal no Festival Internacional da Unicef que foi realizado nos Países Baixos e conheceste a …
Anabela: Audrey Hepburn
R.C.: Que tal?
Anabela: Oh foi fantástico! Devo dizer que eu na altura não sabia da dimensão. Quer dizer, eu não via os filmes dela, tinha 12 anos, mas eu sabia que ela era uma estrela. Lembro-me da imagem dela, do sorriso dela, do brilho dos olhos dela…Era maravilhosa! Eu fui representar Portugal no Festival UNICEF e foi o Júlio Iglésias como convidado musical- Tudo aquilo para mim foi maravilhoso, depois quando eu regressei vi realmente os filmes, começo a perceber ainda mais a dimensão de quem é que eu conheci realmente.
R.C.: De facto nada acontece por acaso…
Anabela: E nada acontece por acaso mesmo! Passados anos, nunca eu pensei fazer o “My fair lady”.
R.C.: Em 93 ganhas o Festival da Canção com a canção “A cidade até ser dia”. Que recordações tens desse dia?
Anabela: As melhores! É um marco muito importante na minha vida porque eu já cantava, já tinha ido representar Portugal a vários países, já tinha discos gravados, já tinha algum público em Portugal, mas eu queria muito ir ao Festival! Era um desejo muito grande! Quando ganho o Festival, não queria acreditar. Era um sonho concretizado. Foi outro dia em que tudo mudou para mim porque toda a gente me conhecia, toda a gente cantava a minha música, os jornais, as revistas queriam falar comigo, pronto…
Há um antes e um depois do Festival da Canção e a noite foi muito especial e tudo o que me aconteceu foi muito bom. Há muita coisa que eu acho que devo ao Festival, porque de facto me tornei muito e muito querida do público. Eu tinha 16 anos, era uma miúda e para as pessoas acho que isso também importou. As pessoas acompanharam-me sempre e ganharam um carinho por aquela menina, não é? Estava ali, era uma miúda de facto e tive concertos espetaculares e, foi óptimo!
R.C.: Mas o engraçado é que passados cerca de 23 anos a tua canção continua a ser a TOP de 10 do Festival. “A Cidade Até Ser Dia” passados estes anos todos, continua a ser uma canção que as pessoas ainda te pedem para cantar e recordam a letra da canção.
Anabela: É verdade.
R.C.: Ainda te conhecem como a menina do Festival?
Anabela: Não! Agora já não sou conhecida pela ”Menina do Festival”, sou conhecida pela “Menina do Lá Féria” (Risos)
R.C.: És uma pessoa muito deslumbrante e nada deslumbrada, muito profissional…
Anabela: Sempre preocupada e muito profissional. Ensaiar, fazer as coisas, sempre com uma postura positiva e humilde mas também de “bora lá”. Vamos fazer o meu melhor. Tudo isto são características inatas, não foram trabalhadas!
R.C.: Não foi herdado dos teus pais nem dos teus avós?
Anabela: A minha mãe é que é mais stressada, eu não sou! Quando me acompanhava ela era mais stressada que eu. Mas acho que não se aprende, também tem a ver com a minha maneira… Eu sou calma, a esse nível também saio um bocadinho ao meu pai, mais tranquilo, mais ponderado.
R.C.: Tens tido uma carreira multifacetada ligada à música e à representação. Gostas de ambas? Ambas fazem parte da tua zona de conforto?
Anabela: Gosto de ambas. Fiz recentemente uma novela e adorei. Eu acho que sou uma privilegiada porque gosto tanto daquilo que faço e acho que quando se consegue fazer aquilo que se gosta o resultado acaba por ser sempre bom. “Os Nossos Dias” foi a primeira novela em que fiz um papel do princípio ao fim da novela. A primeira novela que fiz foi “As Cinzas”, que já foi há muitos anos atrás em que entrei em meia dúzia de episódios. Neste ultimo projeto foram dois anos. Aprendi imenso porque nunca tinha tido este registo de televisão.
R.C.: Em que palco te sentes melhor?
Anabela: Cantar é a forma melhor que eu tenho de me exprimir. Mesmo que esteja a interpretar um personagem. Eu acho que não tenho melhor maneira de exprimir as minhas emoções do que através do canto. Sinto que estou completamente na minha praia. A representação é uma coisa que eu adoro, que me desafia. Eu realizo-me imenso em diversas áreas. Mas, sei que através do canto a minha alma fica completamente exposta.
R.C.: Em cima do palco do Politeama que recordações é que tu tens?
Anabela: Eu sinto o Politeama quase como uma segunda casa, porque já trabalho aqui há tanto tempo. Tenho tão boas recordações tenho memórias muito felizes. Trabalha-se muito aqui! Mas eu gosto de trabalhar, gosto de exigência. O resultado destes anos todos de trabalho no Politeama a média é de bastante felicidade porque tenho feito papéis incríveis aqui.
R.C.: Das peças todas que já fizeste no Politeama qual é que gostaste mais?
Anabela: “My fair lady”. Como atriz eu acho que o “My fair lady” foi mesmo como se tivesse ali uma pedra de diamante que ainda está em bruto, mas vais ter de trabalhá-la! Tive de descobrir muita coisa como atriz porque eu tinha feito pouca coisa e foram 3 meses e tal de trabalho. Foi uma peça difícil, desgastante. Eu cantava, representava e dançava muito! Estava em palco praticamente durante toda a peça. Eu saia do palco de rastos, pois era fisicamente extenuante. Mas sempre muito feliz pelo privilégio.
R.C.: Apesar de já teres feito imensas peças no Politeama, fala-nos da revista que está agora em cena, a “Republica das Bananas”.
Anabela: “Republica das Bananas “ é uma revista, como toda a gente sabe, à portuguesa. Eu curiosamente participei numa peça no Parque Mayer há muitos anos atrás que era “A Grande Festa” onde a Florbela Queirós era a protagonista e fui lá fazer umas substituição e adorei. Mas não foi representar, foi só cantar. O que é engraçado é que agora eu venho também para a revista pela primeira vez, mas venho cantar.
R.C.: É o registo a que tu estás habituada.
Anabela: É um espetáculo muito giro, muito divertido, que não pode acabar porque é muito nosso. É muito português, é muito atual! Fala dos portugueses, dos políticos e é certo que o teatro de revista é um espetáculo que não pode morrer. E a verdade é que se vê que não morre, pois o Filipe dá-lhe um glamour, dá-lhe uma dignidade, dá-lhe uma volta que o torna num grande espetáculo, num espetáculo único.
É fantástico, o Politeama está cheio desde Setembro! Vem gente de todo o lado e de todas as idades para ver a “República das Bananas”. Ao mesmo tempo, os projetos do Sr. Filipe Lá Féria são projetos que dão trabalho a muita gente, a muitas famílias e é uma segurança para os atores, que sabem que estão com trabalho durante um tempo duradoiro.
R.C.: Em relação à música, o teu último trabalho “Casa Alegre saiu em 2015?
Anabela: Saiu em Fevereiro 2015. Foi um disco que eu quis muito fazer, fui eu que gravei, fui eu que investi no disco. Não foi edição de autor porque depois tive o apoio da editora, mas fui eu que fiz tudo. Queria muito fazer um disco de originais e foi um disco que saiu na altura em que eu fiz 30 anos de carreira. Estou a projetar e a preparar fazer uma tournée com o disco “Casa Alegre” no próximo Verão.
O ano passado não fiz assim tantos espetáculos como gostaria de fazer, pois entretanto começaram o trabalho com a “República das Bananas”
R.C.: 30 anos de carreira são quase tantos anos de carreira como de idade. O que é que sentes ao seres tão nova e já ter 30 anos de carreira?
Anabela: Pois olha eu sinto-me muito bem. Sinto-me uma privilegiada. Com uma vida cheia. Tenho 8 discos gravados e outros com parcerias: um disco com o Carlos Guilherme e participei noutros discos. Eu acho que é uma vida de coisas muito boas. De concertos, de musicais e muito variada. Isto é o que eu sei fazer e o que eu gosto de fazer.
R.C.: – Existe algum sonho profissional que te falte realizar?
Anabela: Eu tirei Psicologia e fiz o Mestrado em 2012. Continuo a querer estudar e há outra coisa que eu quero fazer: musicoterapia, ou seja juntar a psicologia e a música. A música como forma terapêutica. Eu quero estar sempre neste mundo, seja na representação, no canto, na música e no meio da psicologia que também gosto muito. Nunca exerci mas que quero continuar sempre a fazer isto, que é o que gosto muito de fazer e acho que sei de alguma forma fazer.
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