A praça soalheira convida a um deambular matinal que não esconde uma pontinha de preguiça. Uma indolência que tenta ser compensada pelo uso da objectiva. Na máquina fotográfica repousam quatro ou cinco instantâneos. Tudo ângulos infelizes, sem justiça pela harmonia e inspiração das arcadas e fachadas do coração arquitectónico de São João da Pesqueira.
A Praça da República é, toda ela, espaço urbano cuidado, de dimensão comedida, à proporção da sede de conselho. É uma escala de uma singeleza que nos faz, por impulso, querer enquadrar no plano o elemento humano. Apetece, por isso, ouvir histórias, dar uso às palavras, emoldurar narrativas no contexto do lugar. Falta, contudo, o mote. A praça vazia frustra as intenções. Resta esperar na esplanada, madrugadora, armada num dos recantos da praça.
As nove horas repicam num sino indeterminado. Próximo, duas portadas abrem-se à manhã. De dentro “salta” um par de cadeiras, com ares de longo uso. Breve, sobre as cadeiras, vão assentar dois cestos. Entre vime, um ninho de pano aconchega umas quantas mãos-cheias de pacotinhos rematados com laços. Arménia Jeitosa, como se apresenta, inicia uma vez mais a sua rotina diária, sintetizada num “adoçar a vida e a boca de quem por aqui passa”. Há, aqui, história com pretexto e contexto para a primeira fotografia com conteúdo do dia. Espicaça-se a conversa. Natural da Régua, Arménia Jeitosa assenta negócio há mais de três décadas em São João da Pesqueira. Frente à loja, verdadeiro empório de utilidades domésticas, apregoa os seus rebuçados caseiros da Régua.
A rebuçadeira aborda com discrição e sem grandes insistências: “vai uns rebuçadinhos caseiros? Dois euros o pacotinho”. Não é caro, considerando o labor na confecção e o cuidado extremoso colocado em cada embrulhinho. “É a senhora que faz?” – salta a pergunta. A resposta, espontânea, enfatiza o óbvio da afirmação: “com certeza. Há mais de 50 anos.” Nova pergunta: “E tem segredo?” - “Não há segredo nenhum. Junta-se à água o açúcar, para fazer ponto, as cascas de limão, mais a canela, uma colher de chá com mel e vai tudo a ponto. Depois vai à pedra com a manteiga, corta-se, rebola-se e embrulha-se como aqui vê”.
Numa assentada Arménia Jeitosa derruba mitos com ares de segredo e dá a receita. Não basta, contudo, ter a fórmula, é preciso ter mão, vontade para fazer e arte para vender. Diz-nos Arménia Jeitosa: “já há poucas rebuçadeiras. Com o tempo esta arte vai desaparecer”. E há clientela. “Não faltam clientes portugueses e os ingleses adoram estes doces”, conta Arménia Jeitosa que junta à venda na praça a distribuição dos rebuçados em pastelarias.
Arménia desafia a provar um dos rebuçados. O pacotinho branco desfolha-se com facilidade, revelando o coração doce, cor de mel. Prova-se, determinando sabores; procurando na pérola de doçura o mel, o limão, a canela. Baila uma dúvida. Há algo de indeterminado no rebuçado. Tem que haver segredo. Arménia Jeitosa sorri. Rebuçadeira que se preze tem sempre um trunfo guardado.
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