“É um precipício no que é uma vida a dois, a vida de um casal cuja história é muito dramática porque avança pelo álcool até à autodestruição. É uma peça muito interessante para percebermos como nos matamos uns aos outros, não só com armas, mas com amor até”, disse à agência Lusa o encenador, Jorge Silva Melo.

Esta é a terceira versão de uma peça escrita em 1958 para televisão por J.P. Miller, que o ator norte-americano Jack Lemmon viu e cujos direitos para adaptação ao cinema comprou, protagonizando depois, juntamente com Lee Remick, o filme realizado por Blake Edwards.

Cinquenta anos depois da peça original, o irlandês de Belfast Owen McCafferty, nascido em 1961, escreveu uma nova peça, mais próxima da sua realidade geográfica – embora ambientada nos anos 1960 – a partir da relação destrutiva destas duas personagens solitárias.

Ela chama-se Mona (Maria João Falcão) e ele Donal (Ruben Gomes) e conhecem-se à nossa frente, no aeroporto de Belfast, quando se preparam ambos para embarcar – pela primeira vez e para ficar – com destino a Londres, ele devido a trabalho, ela porque um dia, quando ia para o trabalho, em Belfast, sentiu “que não queria morrer ali ou, se calhar, se ficasse ali ia morrer”.

“O que Owen McCafferty diz, com graça, é que a imagem que ficou de Londres dos anos 1960 é a Londres dos vitoriosos, a Londres dos ‘swinging sixties’, todos brilhantes e belos. E houve pessoas que perderam, houve ‘losers’, houve pessoas que foram destruídas. Nesta peça, acho que ele incidiu menos sobre o álcool e mais sobre a solidão da grande cidade”, opinou o encenador.

Para ilustrar “esta angústia da grande cidade”, são projetadas ao longo da peça imagens de gravuras do artista plástico Bartolomeu Cid dos Santos (1931-2008), que nela viveu a maior parte da sua vida.

“No fundo, eles só estão casados e só se destroem porque não conhecem mais ninguém. Ele faz a pergunta, a certa altura ‘se nós tivéssemos ficado em Belfast, se calhar nem sequer nos tínhamos casado, e estamos aqui – quem somos? Somos duas pessoas que cuidam uma da outra’, dizem no fim. E é o estarem perdidos na grande cidade aquilo que marca esta história”, resumiu.

Entre as cenas, ouve-se o som de um saxofone, tocado ao vivo por Paulo Curado, e a música é o tema original do filme, da autoria de Henry Mancini, que por ele ganhou um Óscar.

“Para mim – sublinhou Silva Melo –, foi uma grande aprendizagem, porque eu nunca tinha feito uma peça realista, com psicologia, com desenvolvimento das personagens, nada. Faço sempre coisas ou mais apalhaçadas ou mais míticas…”.

Segundo o diretor dos Artistas Unidos, a peça “tem sido feita em todo o mundo e é universal esta sensação da grande cidade e da destruição de duas pessoas que se amam”.

“O álcool é e não é um acessório. Esta não é uma peça sobre o alcoolismo, embora também seja. É sobre como nós procuramos subterfúgios ou fugas para as nossas incapacidades, é sobre a impossibilidade de viver”, observou.

O autor afirma que é uma história de amor, frisou, “insiste muito nisso, e diz que é por isso que ela é encenada de Tóquio a Madrid” – é essa parte, a do amor, a que se referem as rosas do título da peça.

“Dias de Vinho e Rosas” estará em cena no Teatro da Politécnica até 25 de fevereiro, às quartas-feiras às 19:00, quintas e sextas-feiras às 21:00 e sábados às 16:00 e 21:00, e o texto está publicado pela Cotovia na coleção Livrinhos de Teatro.

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