Esta é uma conversa a um mundo de distância. O SAPO Lifestyle falou com a britânica Jane Mathews, atualmente a residir na Austrália. É a partir do país dos antípodas que a especialista em marketing, dá ao mundo um livro dedicado a todas as mulheres. Em extremo, podemos ver “A Arte de Viver Sozinha e Adorar” (edição Contraponto), como uma obra dedicada a todos os que optam por estar só.

Para Jane, estar só não é uma imposição social, antes uma escolha de cada mulher. Para a autora que, sublinhe-se, aprendeu a viver sozinha, estar só é diferente de solidão. Jane explica-nos a diferença, como também deixa a todas as mulheres que atravessam um momento menos bom, uma mensagem de força e de reconciliação consigo e com os outros.

Uma conversa onde se fala de homens, da forma como a sociedade encara de maneira diferente o estar sozinho no masculino e no feminino. “Nunca vê o cliché de homens a viverem com gatos, ou vê?!”, enfatiza a entrevistada que nos deixa uma mensagem sobre o viver só: “Devemos ser o ´novo normal`, embora nem sempre assim pareça”. De acordo com a autora, esta é uma realidade partilhada por 300 milhões de pessoas mundialmente, “um exército poderoso”.

Se a escolha é viver sozinha, então que se faça em grande, mesmo que isso signifique passar o Natal sem companhia. Seguindo os conselhos de Jane nunca ficamos a falar com os botões.

Jane, antes de falarmos do seu livro, “A Arte de Viver Sozinha e Adorar”, vamos falar um pouco de si. Quando e em que circunstâncias descobriu o prazer de viver sozinha?

Percebi que gostava de morar sozinha à medida que me mudei, ao longo da minha carreira, para Sydney, Chicago e Amsterdão. Sempre que chegava a uma nova cidade, levava uma mala cheia e um diário vazio. Não conhecia ninguém. Então, inicialmente, comecei a explorar cada cidade sozinha. Após algum tempo, fiz amigos e estabeleci-me. Contudo, tenho boas recordações dos dias em que fazia muitas coisas pela primeira vez. Algo que continuo a incorporar na minha vida presente.

Há alguns anos divorciei-me inesperadamente e simplesmente não me preparei para o que estava para vir. No entanto, descobri uma força interior que eu não sabia que possuía e aprendi muito desde então. Agora, sinceramente, sinto-me feliz por morar sozinha e não me vejo de outra forma. Mas, é preciso interiorizar isso e preparação para fazê-lo. E coragem. Algo que nós, os solitários, temos em grande quantidade.

“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”
“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”

Houve algum motivo em concreto que a tenha levado a escrever o livro?

Absolutamente. Inicialmente, procurei encontrar um livro que me ajudasse a navegar nas águas rasas, às vezes traiçoeiras, de viver sozinha. Não consegui encontrar um livro. Logo, eu mesma o escrevi. Em suma, escrevi a obra que queria ler. Eu aprendi o que funciona e não tem de ser pelo caminho mais difícil. Realmente, queria partilhar alguns conselhos e atalhos que funcionaram comigo. Isto, de uma maneira humorística, sem juízos de valor. Gostaria que este livro ajudasse as pessoas a olharem para o morar sozinhas de uma maneira diferente, oferecendo dicas realmente práticas e fazendo-as rir. Estou grata por perceber que parece estar a resultar junto dos leitores.

Nós que vivemos sozinhos, somos um exército poderoso. Existem trezentos milhões de pessoas como nós em todo o mundo. Somos o grupo demográfico que mais cresce à escala global. Devemos ser o "novo normal", embora nem sempre assim pareça.

Gostaria que este livro ajudasse as pessoas a olharem para o morar sozinhas de uma maneira diferente, oferecendo dicas realmente práticas e fazendo-as rir. Estou grata por perceber que parece estar a resultar junto dos leitores.

Porque é que a nossa sociedade insiste em conotar a mulher sozinha com a derrota, como refere no seu livro?

Julgo que uma mulher que viva sozinha, não é vista como uma derrotada, mas como a experienciar um caminho para o prémio final, com o casamento a ser a grande recompensa. Isso deve-se, simplesmente, a anos e anos de programação da sociedade para operar dessa forma, sustentada nos meios de comunicação que passam a imagem de mulheres solteiras como sendo excêntricas ou diferentes. Podemos encontrar muitos exemplos.

Enfrentando uma nova vida a morar sozinha, as minhas expectativas não foram reduzidas, mas foram revistas. Fixei os meus objetivos em metas muito maiores. Simplesmente, não pode viver a sua vida lamentando uma vida paralela que poderia ter tido, e fixar-se nisso, se não tivesse visto escorregar através dos dedos o “Pomo de Ouro” de Harry Potter [alusão à valiosa bola utilizada no “Quadribol”, referido no livro de J.K. Rowling). Em suma, tem controlo sobre a sua vida. Pode segurar a caneta e escrever a sua história.

“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”
“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”

É mais fácil para um homem viver sozinho? Ou se preferir, é encarado de outra forma pela sociedade?

Não, tendo falado com muitos homens que moram sozinhos, acho que eles consideram que lhes é mais difícil do que para as mulheres. Embora seja uma generalização, eles tendem a ser menos engenhosos e um pouco mais fechados na procura de coisas novas ou a sair da sua zona de conforto. Os homens prendem-se a rotinas muito rapidamente, e muitas vezes veem um relacionamento como a única maneira de sair da sua situação. Isto ao invés de colocarem a sua energia em projetar a vida que querem e vivê-la agora. Julgo que a sociedade encara a solidão masculina mais benevolamente do que quando se trata do sexo feminino. Nunca vê o cliché de homens a viverem com gatos, ou vê?!

Tendo falado com muitos homens que moram sozinhos, acho que eles consideram que lhes é mais difícil do que para as mulheres.

Considera-se uma feminista?

O "Feminismo" tornou-se numa palavra muito vincada, mas, no fundo, representa o desejo de alcançar a igualdade entre homens e mulheres. E, sim, acredito absolutamente nisso.

Nas dez coisas que aprendeu ao pesquisar para o seu livro, a Jane diz-nos que “algumas das pessoas mais fortes, mais capazes, mais sociáveis e amorosas vivem sozinhas”. Há nelas alguma condição prévia para este sucesso no estar sozinha?

Se me quer dizer que algumas pessoas têm traços de caráter específicos, o que significa que terão maior probabilidade de serem felizes morando sozinhas, a resposta provavelmente é sim. As pessoas que melhor vivem sozinhas aprenderam a gostar de si mesmas. Nunca pode ficar sozinha se gostar de estar com a pessoa com quem passa mais tempo. As mulheres que vivem sozinhas são curiosas, enérgicas, disciplinadas e abertas a novas experiências. Todas as características que indiquei podem ser desenvolvidas.

Observando cada aspeto da sua vida [relacionamentos, saúde, lar, finanças, espiritualidade, o seu trabalho e interesses], detalhadamente, elaborando o que realmente quer da sua existência e fixando pequenos objetivos, vai talhar o seu caminho para chegar às suas metas. Isto, independentemente de onde começa. Defina-se pelo que ama, não pelo que odeia.

“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”
“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”

Jane, estar sozinha equivale a estar na solidão?

A primeira é uma escolha positiva, enquanto que a solidão é-nos imposta. Quando mora sozinha, tem de fazer uma série de mudanças mentais conscientes. Nunca pense em viver sozinha como uma sentença que deve de ser cumprida. Mude a sua perspetiva. Deleite-se com isso, use-o com sabedoria. O estar a só vai recompensá-la se souber gerir-se.

Que resposta daria aos promotores dos estudos que afirmam que “a solidão mata”?

Existem muitos estudos que mostram que a solidão e a vida a só podem ser prejudiciais à sua saúde mental e física. Alguns afirmam que é tão ruim quanto fumar dez cigarros por dia, a obesidade ou o alcoolismo. Outros estudos revelam que viver sozinho pode aumentar o risco de mortalidade em 32%. Sinto muito. Tenho a certeza que são números fiáveis. Contudo, para aquelas de nós que moram sozinhas, estes estudos deixam-nos uma leitura muito deprimente. Os meus instintos dizem-me: “Que se lixe a pesquisa”. Na realidade, quando se trata da saúde, temos de ser nós os promotores da nossa rede de segurança. Certifique-se que vai ao médico assim que precisar, alimente-se bem, esforçe-se por ser ativa e participativa junto da rede de amigos, de ter uma equipa de apoio na retaguarda, um bom médico e especialistas.

a arte de viver sozinha
a arte de viver sozinha

Obviamente, a saúde mental é outra questão que há que considerar. Se acha que precisa de consultar um especialista ou conselheiro, ou se quer saber se está a sofrer de depressão, basta marcar a consulta. Em suma, há que ter um sentido de propósito para elevar o humor e bem-estar geral. Espero que este livro encoraje as leitoras a refletirem sobre estas questões.

Contudo, para aquelas de nós que moram sozinhas, estes estudos deixam-nos uma leitura muito deprimente. Os meus instintos dizem-me: ´Que se lixe a pesquisa`.

O que diria a Jane a uma mulher com dias menos bons e que vive só?

Junte-se ao clube. Em certos dias o seu farol estará apagado. Isso é normal, isso é a vida, e sempre haverá dias bons e ruins, more sozinha ou não. A diferença é que não temos ninguém ao lado que nos acompanhe. Todos nós somos diferentes e precisamos de desenvolver uma estratégia que funcione connosco. Deixo algumas ideias. Apelar a um amigo é óbvio, mas terá de ter a certeza de que é alguém que entende e é empático com a sua situação. Não terá de ser, necessariamente, outra solitária. Terá de ser alguém que "entenda".

Outras táticas para encarrilhar de novo é “reencontrar-se” com um livro ou filme favorito, aprender algo no Youtube, mergulhar na natureza - basta ir a um parque e colocar os pés no relvado -, organizar um fim de semana com uma amiga ou sozinha e passar algum tempo a planear a viagem, assistir a um vídeo humorístico, fazer algo em prol de alguém ou, simplesmente, fazer algo novo. Por tentativa e erro irá atingir os seus objetivos. Lembre-se, não quer viver a vida superficialmente.

“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”
“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”

Podemos estar sozinhas e sentimentalmente ligadas a uma pessoa?

Claro. Estudos revelam que pessoas que moram sozinhas são mais sociáveis do que pessoas que não moram sozinhas. Não é uma contradição vivermos sozinhas e alcançar o amor romântico. Sinto que um dos dons sobre morar sozinha é que minhas expectativas em relação aos outros aumentaram. Teria de ser uma pessoa muito especial para deixá-la compartilhar o meu espaço.

Viajar, ir jantar fora, o Natal a só podem, como nos diz, não ser momentos penosos. Qual é o segredo para os tornar um luxo, Jane?

Há quem afirme que "Jantar de Natal para um" são quatro das palavras mais tristes do mundo. Eu discordo, mas estaria mentindo se eu não admitisse a estranheza de se estar sozinha no dia de Natal, ou em viagem, ou num restaurante. No entanto, aprendi a gostar de cada um destes momentos e o truque, por mais óbvio que possa parecer, é simplesmente a preparação e a prática.

Um número crescente de pessoas viaja sozinhas. Se ainda não o fez, encorajo-a a fazer as malas, abrir asas e voar. Escolha sabiamente o seu destino no Google, veja as “dicas de especialistas” ou “dicas locais”, aprenda algumas palavras do idioma local, leia blogues de viajantes, no destino, vá a um café repetidamente e assim por diante.

Quando se trata de sair para jantar, vá antes ou depois do horário de ponta, reserve por telefone e explique que vai sozinha e gostaria de uma mesa onde possa ver a cozinha, por exemplo. Levo comigo adereços, como um livro, um lenço [para marcar o meu lugar, se você precisar de ir à casa de banho]. Tente não usar meu telemóvel à mesa. Mantenha um caderno de registo das suas expedições a escreva notas sobre as refeições.

Há quem afirme que ´Jantar de Natal para um´ são quatro das palavras mais tristes do mundo. Eu discordo

E o Natal, Jane?

Passei os últimos oito natais sozinha. Demorou um pouco para encontrar a fórmula certa, mas decifrei-a. Amigos amáveis convidaram-me a que me juntasse a eles, mas de alguma forma isso faz.me sentir mais sozinha. É apenas um dia e planeio-o cuidadosamente criando as minhas próprias tradições. Algumas delas: Um mergulho manhã cedo (moro em Sydney, na Austrália e dezembro é mês de verão), leio um bom livro ou revista, como alguns dos meus pratos favoritos, acompanhando com uma taça de champanhe, assisto a um filme ou programa de TV, tomo um banho à luz de velas, a qualquer hora do dia, escrevo no meu diário, ou convido alguns bons amigos.

“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”
“Uma mulher só não é uma derrotada, antes parte de um exército poderoso”

Vamos supor que uma leitora do seu livro pratica os seus princípios para viver sozinha. Consegue e vive feliz. Entretanto conhece alguém. Depois de experimentar o estar sozinha é fácil partilhar a vida?

É claro que é possível ter uma vida compartilhada muito feliz depois de se morar sozinha, e acho que o livro irá preparar as leitoras para essa jornada. Espero que as leitoras se tornem mais resilientes, mais independentes, mais abertas e capazes. Eu certamente sinto-me assim. O mais importante é que elas se amam, porque se isso não acontecer, nunca serão felizes, dentro de um relacionamento ou fora de um.