“Criou, planeou e implementou programas de recuperação de funções cognitivas”, lemos na apresentação que lhe é feita no seu livro. Quer falar-nos sucintamente de alguns destes programas?
Estes programas são construídos à medida e apenas para uso em consultório e com pessoas vítimas de acidentes cerebrais; são feitos para ajudar na recuperação de sequelas de AVCs e traumatismos cranianos. Têm como objetivo estimular as funções do cérebro que foram afetadas pelos referidos acidentes (AVC e TCE). Foi a partir destes programas específicos que me surgiu a ideia de criar outros programas para a população em geral, que se materializaram nesta série de livros. O Exercícios para o Cérebro - Summer Edition é o quinto volume desta série.
Precisamente, acaba de lançar o seu quinto livro sobre o treino cerebral. Que critérios presidem à escolha dos exercícios que inclui nas suas obras?
Os exercícios são construídos por mim. O critério de escolha prende-se com o que são as áreas onde a população em geral sente mais dificuldade: memória, capacidade de focar atenção e agilidade mental (ou flexibilidade mental). Deste modo, o critério é o de construir exercícios que vão “obrigar” as células neuronais a executar as funções da memória, da capacidade de focar a atenção e da agilidade mental. Assim, estes neurónios passam a executar a sua função mais rápida e alargada, levando a um incremento das funções em causa. De notar que os exercícios são diferentes consoante a função a estimular: há exercícios para a memória, outros para a capacidade de atenção e outros para a agilidade mental.
Na capa do seu novo livro lemos: “tenha um cérebro poderoso sem esforço em 30 dias”. O que é um cérebro poderoso?
Rapidamente, podemos dizer que um cérebro poderoso é um cérebro que possui capacidades cognitivas acima do funcionamento mediano, no limite, capacidades excecionais. Mas também podemos referir que se trata de um cérebro capaz de processar e reter informação de forma eficiente, pensar criticamente, resolver problemas de forma criativa e de se adaptar a novas situações. Resumindo, um cérebro poderoso está associado a uma memória aprimorada, concentração, atenção e agilidade mental mais elevadas. Um cérebro assim permite que os indivíduos se destaquem em várias tarefas cognitivas, alcancem níveis elevados de produtividade e naveguem eficazmente pelos desafios da vida quotidiana.
É possível “nutrir” sem esforço o cérebro para que fique poderoso?
É possível estimular o nosso cérebro a fazer mais e melhor. Ele tem esse potencial. Basta que o estimulemos a realizar as sequências de ações que vão provocar o desenvolvimento dos neurónios que estão associados às diferentes funções cognitivas do cérebro. A forma mais rápida de o fazer é através de exercícios específicos criados para esse efeito. Se realizarmos diariamente estes exercícios durante, pelo menos, uns 15 a 20 minutos por dia eles já se farão sentir de forma consistente. Num dia de 24 horas, se ocuparmos 20 minutos para exercitar o cérebro, o que não é particularmente cansativo, podemos afirmar que é possível “nutrir” o cérebro sem esforço.
Porquê 30 dias?
Os 30 dias é um prazo suficiente para que se observem os resultados desta prática de exercícios. Os efeitos do exercício cerebral demoram um pouco a fazer-se sentir; não basta fazer uma vez e depois parar; é preciso manter uma certa regularidade para que o cérebro possa “entender” que esta é uma atividade frequente e que tem de reforçar-se com energia e neurónios para as funções exercitadas. É semelhante ao que acontece com o exercício físico; não basta fazer uma ou outra vez para se ficar em forma.
O que acontece ao nosso cérebro quando o exercitamos?
O que acontece no cérebro como consequência da prática do exercício cerebral é um maior desenvolvimento dos neurónios estimulados por esses exercícios. Podemos dizer que seguindo uma prática frequente e regular vamos observar uma melhoria das nossas funções cognitivas estimuladas. Se fizermos exercícios para a memória melhoramos a nossa memória. Se, por outro lado, fizermos exercícios de foco de atenção iremos obter uma maior capacidade de atenção. Se a isto juntarmos outros exercícios para outras funções (o que pode ser encontrado na série de livros de minha autoria) então teremos todo o cérebro a obter ganhos de performance generalizados.
A este respeito quero ainda acrescentar que o exercício cerebral leva a ganhos concretos tanto a nível funcional como estrutural: a nível funcional, sabemos que a estimulação repetida dos neurónios leva a que estes desenvolvam mais ligações a outros neurónios, o que é uma melhoria funcional garantida (quanto mais ligações um neurónio estabelece melhor se faz a função). No que se refere ao nível estrutural, é conhecido o efeito que a atividade de neurónios tem sobre os restantes neurónios do cérebro: ao fazermos exercício cerebral criamos atividade elétrica nos neurónios. Essa atividade tem o efeito de atrair neurónios das regiões contíguas, que se vão juntar à função que estamos a exercitar, passando a fazer parte dela e assim há um reforço estrutural da função.
O que torna o nosso cérebro indolente? Pode dar-nos alguns exemplos?
A falta de estimulação, ou se quisermos, a falta de atividade geral do cérebro, levam a uma espécie de estagnação. A atividade que fazemos quotidianamente, por ser rotineira e pouco estimulante para o cérebro, não tem potencial para fazer o cérebro passar a níveis superiores de desempenho. Se tivermos uma vida pouco desafiante ou com poucas atividades diversificadas estamos a dar pouco estímulo ao cérebro e a contribuir, na melhor das hipóteses, para uma estagnação. Na pior das hipóteses estamos a promover a degradação das funções cognitivas e aparecimento precoce de demências.
Os portugueses andam a exercitar pouco os seus cérebros?
Neste aspeto, penso que ainda temos espaço de progressão. Quando escrevi o primeiro livro, o Exercite o Seu Cérebro, em 2016, não havia livros criados para o público português. Podemos dizer que era uma atividade desconhecida e havia poucos praticantes da atividade. Posso dizer a este respeito, que na altura, os meus vídeos sobre estas exercícios para o cérebro recebiam mais visitas do Brasil do que Portugal (95% das visitas vinham do Brasil).
Hoje, o panorama mudou e acredito ter colaborado bastante para isso. Hoje, já há um público consumidor destes livros, um público entusiasta que espera pelas publicações e que divulga no Instagram e Tik Tok.
Assim, ainda que veja um caminho a trilhar para sermos cada vez mais a exercitar o cérebro, posso dizer que da série dos meus livros já somos mais de 30 mil.
Diz-nos que todo o edifício do treino cerebral assenta em dois fenómenos recentemente descobertos, a neurogénese e a neuroplasticidade”. Quer explicar-nos que fenómenos são estes?
A neurogénese e a neuroplasticidade são dois fenómenos que sustentam esta possibilidade, tanto na recuperação de acidentes que comprometem o cérebro como na melhoria das capacidades cognitivas do cidadão comum.
A neurogénese é o processo de formação de novos neurónios no cérebro. Trata-se de um processo contínuo de nascimento de novas células cerebrais. Depois de nascerem têm de se deslocar até a outras zonas do cérebro onde terão a sua utilidade. É que para que possam ser incluídos nas redes neuronais funcionais existentes eles têm de entrar em ação. Caso esta não exista, eles serão descartados (morrem) e perde-se o efeito benéfico da neurogénese. É por este motivo que o treino cognitivo regular, mais do que uma atividade recreativa, é quase uma obrigação, pelo menos para quem quer manter um cérebro competitivo.
A neuroplasticidade é o processo em que os neurónios existentes se deslocam para outras zonas do cérebro e desenvolvem maior número de ligações com outros neurónios. Nestes casos, as células existentes no cérebro vão deslocar-se para zonas contíguas às que sofreram perdas (ou às que exigem um aumento de população neuronal) e vão ligar-se às células que formam o grosso de cada função. Ao fazê-lo estão a reforçar a função. Porém, as células não têm uma “noção” exata de quais as funções e zonas do cérebro em que são necessárias. Temos de ser nós, cada um de nós, a educá-las neste sentido. E a forma exata de o fazer é fornecendo indicações de que é necessário um reforço de neurónios em determinada atividade. Mais concretamente, gerando atividade cerebral nas redes que queremos potenciar. Se queremos potenciar a memória, então temos de fazer exercícios que envolvam memorização e recordação. Se, por outro lado, queremos melhorar os nossos processos teremos de nos envolver em atividades que nos obriguem a focar a atenção em pontos definidos. E por aí adiante; sempre garantindo a atitude de exercitar cada função que nos interesse manter e melhorar.
É possível ter uma mente sã e um cérebro pouco estimulado?
É possível e acontece. É uma realidade. Aqui convém esclarecer os conceitos de mente e cérebro estimulado: a mente são os produtos espirituais do cérebro, como os sentimentos, emoções, a forma como nos relacionamos com os demais. Estes produtos cerebrais não dependem tanto das capacidades cognitivas (o cérebro estimulado), pelo que posso ter um cérebro cognitivamente pouco estimulado e ter uma boa capacidade de relacionamento e uma adequada vida emocional. O contrário também pode acontecer: uma pessoa pode ter excelentes capacidades cognitivas (inteligente, boa memória, capacidade de atenção apurada) e simultaneamente ser um desastre a relacionar-se com os demais, pode ser impulsiva, intolerante e emocionalmente descontrolada. Como vimos são dois aspetos da vida relativamente independentes. Todavia, a melhor das possibilidades (e que também é possível) é termos uma mente sã e um cérebro bem estimulado.
Há alimentos inimigos de um cérebro saudável? Pelo contrário, há alimentos que cooperam para um cérebro “em boa forma”?
É verdade. Enquanto uma dieta saudável e equilibrada é importante para manter a saúde do cérebro, alguns alimentos podem ser prejudiciais para a função do cérebro. Entre os piores encontram-se os alimentos processados e fritos, bebidas com alto teor de açúcar, álcool em excesso e gorduras transgénicas.
Todavia, existem alimentos que podem ser benéficos para a saúde do cérebro e ajudam a melhorar a sua função como as verduras de folhas verdes, como o espinafre, a couve e brócolos. São ricos em antioxidantes e protegem contra o declínio cognitivo da senescência. Também os peixes ricos em ómega-3, como o salmão, a sardinha e a cavala, propiciam efeitos positivos a nível da memória. De salientar, também, as frutas como os mirtilos, morangos e cerejas que estão entre as que mais contribuem para a saúde e função cerebral; os frutos secos, como as nozes, amêndoas, sementes de linhaça e os grãos integrais, como a aveia e a quinoa, são ricos em fibra e têm sido associados a um melhor funcionamento do cérebro.
No seu livro aborda uma questão importante no que toca à saúde do cérebro: um bom sono. De que forma o acumular de noites mal dormidas prejudica o cérebro?
O sono é uma necessidade homeostática, uma função orgânica do cérebro que existe para que possamos manter o equilíbrio do nosso sistema biológico. Do mesmo modo que precisamos de comer e beber, para nos mantermos vivos e a funcionar adequadamente, precisamos de dormir.
Estudos recentes demonstraram que durante o sono, uns «pequenos trabalhadores», chamados células da glia, exercem uma função de limpeza do material tóxico (desnecessário e prejudicial ao cérebro), incluindo o tipo de proteínas que se desenvolve nas pessoas com demência. O sono assume, então, uma importância maior do que apenas servir para descansar. Torna-se imperativo, uma vez que se o material tóxico se acumulasse no cérebro este viria a ser afetado por inflamações, morte neuronal excessiva e perda de capacidade para funcionar adequadamente, em última instância na morte do organismo. Isto pode ser observado, em pequena escala, quando uma pessoa fica um ou dois dias sem dormir e começa a ter dificuldade em tomar decisões, a pensar com pouca clareza e a dar mostras de pensamento confuso. Não é só por falta de descanso que tal acontece: é também porque no cérebro se acumula material tóxico.
Vivemos numa sociedade digitalizada. Os apelos são inúmeros e, aparentemente, estimulam o nosso cérebro. Mas, serão os estímulos de que o cérebro precisa? Como avalia esta questão?
O excesso de estímulos a que podemos estar expostos, em particular na sociedade digitalizada, obrigam-nos a um esforço de seleção. O cérebro tem uma boa capacidade para processar estímulos, mas esta não é ilimitada e torna-se necessário fazer uma seleção do que vamos prestar atenção. Caso contrário vamos ser “bombardeados” passivamente e vamos tirar pouco proveito desta estimulação. Pode-se dizer que em grande parte dos casos, se estamos só a consumir passivamente estímulos nas redes sociais ou televisão (apenas como espetadores) e não vamos utilizar nada desses estímulos para empreender alguma atividade, não são estes os estímulos de que o cérebro precisa. Na realidade os estímulos úteis para o cérebro são aqueles que obrigam a reforçar as funções cerebrais de que necessitamos para o nosso desempenho do dia a dia (incluindo o trabalho), tais como a memória, a capacidade de focar a atenção e manter a concentração, a agilidade mental, o raciocínio lógico, entre outras. Se queremos fazê-lo de modo mais eficaz devemos realizar atividades estruturadas para esse efeito, como é o caso dos exercícios especificamente construídos para cada uma das funções cerebrais (livros com exercícios para o cérebro).
Finalmente. Continua a exercitar o seu cérebro com a poesia que escreve?
Continuo a exercitar o meu cérebro realizando exercícios cerebrais dos meus livros, mas também através da poesia que escrevo. No que toca à poesia, eu escrevi um livro de haikus, o 350 mil anos e o Universo ainda não reparou em nós, e escrever este livro foi de certo modo um exercício de estimulação cerebral bastante poderoso no sentido em que os haikus são poemas de três versos com 5-7-5 sílabas em cada verso. Ora, isto obriga a um esforço de síntese muito acentuado. Cada um destes poemas de três versos deve contemplar uma ideia, que é também uma imagem, e torna-se necessário encontrar as palavras curtas certas para transmitir esta imagem e ideia sem ultrapassar as tais 5-7-5 sílabas.
Entrevista concedida por escrito em junho de 2023.
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