As fobias e as manias estão entre as perturbações de ansiedade mais comuns da atualidade, apesar de frequentemente não receberem um diagnóstico formal. São experiências profundamente pessoais e, na maioria dos casos, irracionais. Kate Summerscale, escritora e jornalista inglesa, mergulhou no mundo das fobias e manias para nos trazer estudos de caso com o objetivo de descobrir a origem das obsessões humanas, desenterrando histórias de estranheza desde a pré-história até aos nossos dias. N´O Livro das Fobias & Manias (edição Vogais), a autora inclui perturbações tão estranhas como a fobia a barbas, botões, dentistas, silêncio e oceanos e manias que se expressam na procura de demónios, mentira, dinheiro, fogo, cabelo e sexo.
Contas feitas, o livro apresenta-nos 99 perturbações, detalha-as e fundamenta-as num convite ao leitor a compreender-se melhor e aos que o rodeiam. Não obstante as fobias e manias incluídas no livro se apresentarem por ordem alfabética, Kate Summerscale convida-nos a organizá-las por temas como, por exemplo, animais (zoofobia, cinofobia ou musofobia), texturas (bambakomallofobia), novas tecnologias (siderodromofobia), comida e bebida (ovofobia e emetofobia), manias compulsivas (abulomania, cleptomania, clazomania), entre muitas outras.
“As fobias e manias revelam as nossas paisagens interiores – aquilo de que fugimos ou que nos atrai, o que não conseguimos tirar da cabeça”, refere a autora na introdução ao livro.
D’ O Livro das Fobias & Manias publicamos um excerto.
Gerascofobia
(Envelhecer)
Gerascofobia – da palavra grega gerasko, “envelhecer” – descreve por vezes o horror da velhice e outras vezes o horror de crescer. Em 2014, três psicólogos no México relataram o caso de um rapaz de 14 anos que tinham tratado devido a este problema. Depois de fazer 12 anos, o rapaz ficara alarmado com as mudanças que estavam a ocorrer no seu corpo. Em reação, começou a comer menos, a curvar-se para disfarçar a altura e a falar num sussurro esganiçado. Procurou na Internet os pormenores de cirurgias que pudesse reverter os efeitos da puberdade.
Os pais levaram-no a uma clínica em Monterrey, no norte do México, onde ele foi entrevistado por psicólogos. O rapaz concordou com eles que o seu medo de envelhecer era excessivo, mas disse que os fardos de um adulto lhe pareciam terríveis: não conseguia enfrentar a ideia de encontrar uma parceira ou um parceiro, de cuidar de uma casa e de manter um emprego. Crescer, comentou, só o levaria para mais perto da doença da morte. Disse aos psicólogos que admirava tudo o que era americano e que gostaria de parecer uma estrela de Hollywood.
Os psicólogos repararam que a mãe tendia a infantilizá-lo (cantava-lhe canções de embalar, penteava-lhe o cabelo) e que o pai tinha tendência para o tratar com brusquidão (numa tentativa de corrigir a sua postura curvada, costumava amarrá-lo com um cinto postural e apertar-lhe a coluna com força com as duas mãos). Os psicólogos recomendaram que o rapaz tomasse medicação antidepressiva e que tivesse duas ou três sessões de psicoterapia por semana. Além disso, recomendaram que os pais frequentassem um curso de três meses de terapia familiar.
Ao longo do ano seguinte, os psicólogos conversaram com o rapaz acerca da sua aversão a crescer. Ficaram a saber que ele tinha sido tratado por ansiedade de separação aos cinco anos e que fora vítima de bullying na escola aos 11 anos. Mais significativamente descobrira que aos seis anos tinha sido alvo de abusos sexuais em diversas ocasiões por um vizinho de 16 anos. Sugeriram que a experiência de abuso lhe tinha sido provocado um terror de maturidade sexual. À medida que os psicólogos o foram ajudando a encontrar as causas que estavam na base dos seus sentimentos, ele começou a adotar uma postura mais direita, a falar e a comer normalmente e a estar menos preocupado em tornar-se um homem.
O medo de envelhecer de uma criança é retratado na peça de teatro de J. M. Barrie Peter Pan ou o Rapaz que não Crescia (1904), em que Peter tenta convencer Wendy s segui-lo para a Terra do Nunca. “Vem comigo”, diz-lhe ele, “para onde nunca, jamais, terás de voltar a preocupar-te com coisas de adultos”. E o medo adulto da velhice é retratado no romance O Retrato de Dorian Gray (1891), de Oscar Wilde, no qual um homem jovem inveja a frescura eterna do seu retrato a óleo. “Eu envelhecerei e ficarei horrível e pavoroso”, lamenta-se Dorian. “Mas esse retrato permanecerá jovem. Nunca será mais velho do que este dia específico de junho (…) se ao menos fosse ao contrário! Se fosse eu que ficava sempre jovem e o quadro que envelhecia! Por isso – por isso – daria tudo!”. O medo que Dorian tem de envelhecer não é apenas um medo de decadência física, mas um medo de responsabilidade moral. Durante algum tempo, ele consegue trocar o seu destino pelo do retrato. Embora se dedique ao deboche e ao crime, a sua pele mantém-se esticada, os lábios macios e os olhos brilhantes. Entretanto, o rosto no retrato a óleo descai, definha e sorri com desprezo.
Hipopotomonstrosesquipedaliofobia
(Palavras compridas)
“Hipopotomonstrosesquipedaliofobia” é uma palavra parcialmente disparatada que foi inventada, talvez na década de 1970, para descrever o medo de palavras compridas. “Sesquipedaliofobia” seria o bastante para transmitir a ideia – “sesquipedalialiana” é usada pelo menos desde o século XVIII para palavras com muitas sílabas –, mas o termo foi alargado para incluir “hipopoto” (uma trapalhona abreviatura de “hipopótamo) e “monstro” (monstrum em latim). A palavra usa uma criatura grande e ligeiramente cómica que descreve – uma palavra comprida e abstrusa – e troça dos nomes das fobias, que usam prefixos gregos e latinos para passar uma imagem de antiguidade e autoridade científica.
“Hipopotomonstrosesquipedaliofobia” parece ter sido registada pela primeira vez numa nota de rodapé em Introduction to Psychology (1980), de Dennis Coon e John O. Mitterer, e pode ter sido criada para ter mais letras do que “supercalifragilisticexpialidocius”, uma palavra famosamente comprida e extravagante popularidade em 1964 no filme Mary Poppins.
Koumpounofobia
(Botões)
Steve Jobs, o cofundador da Apple, tinha a fama de usar camisolas de gola alta porque sofria de Koumpounofobia, o medo de botões (koumpouno é a palavra do grego moderno para “botão”). Segundo o engenheiro de design Abraham Faraq, a fobia de Jobs estendia-se aos botões das máquinas. Na década de 1990, contou Faraq, Jobs passou pelo protótipo de um rato de computador em que os botões não tinham sido instalados. “Isto é genial”, exclamou. “Não queremos ter botões”. Ao ouvirem aquelas palavras, os engenheiros apressaram-se a criar uma versão sem botões. De igual modo, por vezes, diz-se que o ecrã tátil do iPhone foi inspirado na aversão de Jobs aos teclados com teclas.
Os Koumpounofóbicos detestam a ideia de tocar num botão. Lisa Cross, uma microbióloga de Devon, declarou ao jornal The Guardian que detestava botões desde criança. Sentia uma repugnância especial por botões de plástico escorregadios e por botões que se tinham soltado. “Não me importo com um botão de mola numa canadiana”, disse ela. “Os botões metálicos das calças de ganga são toleráveis, mas qualquer outra coisa numa camisa ou noutra peça de roupa é horrível. Pior do que isso só um botão no chão, sem estar ligado a uma peça de roupa – e pior ainda se tiver um pedaço de algodão agarrado”.
Alguns Koumpounofóbicos conseguem identificar as circunstâncias que desencadearam a sua fobia. Uma mulher tinha sido repetidamente alertada para o perigo em relação aos botões pela mãe, mas uma costureira, que receava que a filha pusesse um na boca e sufocasse. Um homem que tinha fobia de botões lembrava-se de olhar para os botões da camisa do dentista quando era criança durante um doloroso tratamento dentário – talvez os botões lhe fizessem lembrar dentes, pendurados na gengiva em fibrosos filamentos ou a cair com um ruído seco no tabuleiro metálico do dentista. Os botões estão para as roupas como os dentes estão para os corpos: são partes que podem soltar-se e cair. E talvez um botão pendurado ou solto signifique não apenas perda, mas exposição, uma abertura inadvertida.
Um rapaz hispano-americano de nove anos que vivia em Miami atribuiu o início da sua fobia ao momento em que entornou acidentalmente uma taça de botões sobre si mesmo numa aula de arte no jardim de infância. Depois disso, começou a detestar usar as camisas com botões do uniforme escolar e recear qualquer objeto acionado por um botão. Os botões eram uma lembrança de uma terrível confusão, de perda de controlo, e também eram agentes de constrangimento: estar preso na camisa do uniforme escolar era estar novamente naquela sala de aulas que fora o cenário do seu horror. A sensação de que os botões são tóxicos ou que contaminam é comum entre os koumpounofóbicos. “Para mim, tocar num botão era como tocar numa barata”, contou Gilliam Linkins, uma rapariga de 22 anos de Hampshire, ao Metro de Londres em 2008. “Parece-me sujo, horrível, errado”.
Os psicólogos começaram a explorar a ligação entre fobia e o nojo de botões. Em 2020, investigadores da Universidade de Stanford estudaram uma mulher asiática-americana de 29 anos que tinha aversão a botões, sobretudo os que via pendurados numa peça de roupa ou caídos no chão. Ela referia sensações de nojo e de medo nesse tipo de cenários e apresentava uma reposta de “elevada atenção precoce” aos botões, uma consciência aumentada que é tipicamente desencadeada apenas por objetos “biologicamente relevantes” como baratas ou sangue. A equipa de Stanford queria saber se a koumpounofobia era uma forma de tripofobia, uma aversão relacionada com nojo de conjuntos de buracos, mas concluíram que a mulher ficava mais perturbada com os “clássicos” botões de plástico de quatro furos do que com botões de 20 furos muito próximos uns dos outros. A fobia estava relacionada como botão como um todo e não com as suas perfurações.
“Esta é a primeira demonstração”, escrevem os autores do estudo, “de que as mesmas propriedades das fobias biologicamente preparadas podem estar presentes na fobia a um objeto não ameaçador, sem qualquer risco de contaminação e não biologicamente preparado”. O koumpounofóbico sente repugnância por botões como se eles fosse uma doença.
Pogonofobia
(Barbas)
Em 2013, depois de surgir no ecrã com a barba por fazer, o irascível apresentador de televisão britânico Jeremy Paxman acusou a BBC de pogonofobia – do grego pogon, “barba”. Afirmou que a empresa era tão desfavorável a barbas como o ditador Enver Hoxha, que proibiu as barbas na Albânia em 1967.
O termo satírico “pogonofobia”, com o significado de “desagrado por barbas”, parece ter sido usado pela primeira vez num jornal presbiteriano em 1851. Durante a maior parte do século anterior, os pelos faciais tinham sido evitados pelas estruturas sociais britânica e americana por serem considerados de classe baixa e pouco higiénicos. Segundo The Toilette of Health, Beauty and Fashion (1834), um “queixo não aparado tem um aspeto degenerado e é apenas desculpável, no máximo, no operário e mecânico mais humilde”. As primeiras pinturas rupestres indicam que até os nossos antepassados Neandertais cortavam a barba, talvez para se livrarem de parasitas, usando conchas de amêijoas como pinças, ou pederneiras como navalhas.
No final da década de 1850, os pelos faciais tornaram-se moda na Grã-Bretanha graças aos soldados que regressavam da Guerra da Crimeia com grandes barbas e bigodes que tinham deixado crescer para se protegerem do frio. No entanto, no início do século XX os rostos bem barbeados voltaram a estar na moda e as barbas foram mais uma vez vilificadas. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, muitas organizações públicas e privadas, desde a Disneyland até ao Departamento da Polícia de Nova Iorque, proibiram os funcionários de usar barba. A United Parcel Service só levantou este veto em 2020.
O autor de livros infantis Roald Dahl detestava barbas e, nos seus livros, descrevia os homens barbudos como labregos imundos. O Sr. Twit em The Twits (1980) tem uma enorme barba escura cheia de flocos de milhos e restos de queijo Stilton e de sardinhas. “Ele punha a língua de fora e curvava-a de lado para explorar a peluda selva à volta da boca, escreveu Dahl, “e encontrava sempre uma saborosa migalha aqui e ali para mordiscar”. As barbas eram “peludas cortinas de fumo que são bons esconderijos”, disse Dahl num ensaio sobre o assunto. “São uma coisa repugnante”.
Oniomania
(Compras)
O psiquiatra francês Valentin Magnan criou o termo “oniomania” – do grego oninemi, “para venda” – em 1892 e o psiquiatra alemão Emil Kraepelin incluiu-o no seu influente manual psiquiátrico de 1909. A “mania de comprar”, como Kraepelin a descrever, foi desde então denominada “compras compulsivas”, “vício de gastar”, “vício de compras” e “transtorno de compras compulsivas”. Os primeiros estudos epidemiológicos, efetuados nos Estados Unidos na década de 1990, concluíram que entre 2 por cento e 8 por cento da população eram compradores compulsivos, a maioria jovens mulheres com rendimentos relativamente baixos. As compras online vieram facilitar ainda mais as compras compulsivas.
Mary, a mulher de Abraham Lincoln, era uma compradora compulsiva. Durante a presidência do marido, de 1861 a 1865, gastou tanto dinheiro a redecorar os aposentos públicos e privados da Casa Branca que o Congresso teve de aprovar duas leis para cobrir a despesa. Enquanto a guerra civil grassava entre os estados do norte e do sul da América do Norte, Mary Todd Lincoln contraiu avultadíssimas dívidas na sua joalharia preferida, a Galt & Brothers, a comprar pulseiras de ouro, anéis de diamantes e pregadeiras, leques e colheres de chá com pedras preciosas. Alguns historiadores especulam que a oniomania da primeira-dama fazia parte de uma doença psiquiátrica - ela sofria de enxaquecas e tinha alterações de humor e ataques de fúria que podiam ser sintomas de doença bipolar. Mary Lincoln sobreviveu a três dos quatro filhos e foi incapaz de trabalhar durante vários meses em 1862 após o falecimento do filho Willie, aos 12 anos.
Fazer compras pode afastar sentimentos de vazio e depressão. “Quando faço compras”, explica Becky Bloomwood no filme Louca por Compras (2009), “o mundo fica melhor, é melhor. Depois, deixa de ser. E tenho de fazer tudo de novo”. No momento da transação, um comprador expressa e gratifica ao mesmo tempo um desejo. A versão vulnerável e a versão vitoriosa de si mesmo coexistem fugazmente – o querer e o ter, a fome e a satisfação. O objetivo não é possuir uma coisa, é comprá-la. O psicanalista britânico Darian Leader descreveu uma paciente que gastou milhares de libras em roupas que nem sequer tirou dos sacos e das caixas. Eram “roupas para pessoas que eu podia ser”, disse-lhe, “um roupeiro de adereços não ativados”. Ao deixá-las nas embalagens, as roupas mantinham o seu poder; continuavam cheias da fantasia e da promessa daquele instante de compra.
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