Karin Kuschik, a mais conhecida business coach alemã apercebeu-se, ao longo dos anos, do imenso poder das palavras (não só as que ouvimos, mas também as que dizemos – porque influenciam as respostas que nos dão), constatou que as pessoas a procuravam sobretudo por três motivos: queriam comunicar de forma clara; queriam definir fronteiras; queriam demonstrar apreço. E, para tal, precisavam de ferramentas…

Ferramentas que a autora inclui no seu livro de estreia, 50 Frases que Tornam a Sua Vida Mais Leve (edição Lua de Papel). Uma obra onde Karin Kuschik nos revela para que servem estras frases-chave e como as devemos usar. Parecem fáceis de usar, mas não são. Dizer “Não sei”, “Eu estava errado” ou “Mudei de ideias” exige coragem. Delimitar fronteiras é ainda mais difícil: “Parece-me que essa questão só a ti diz respeito” ou “Não quero gastar tempo com isso agora.” Usar essas frases exige treino e interiorização; temos de aprender a conviver com elas até que nos saiam automaticamente. Como uma arma. Ou como um abraço espontâneo.

Com histórias reais dos seus clientes, muito coaching e psicologia aplicada, a autora mostra-nos o caminho para conseguirmos dizer o que deve ser dito e afirmarmos a nossa independência e autoridade.

De 50 Frases que Tornam a Sua Vida Mais Leve, publicamos o excerto abaixo.

Simplesmente não combinamos bem

Radio B Zwei: See You Later – o programa para conhecer pessoas. Sábado à noite na frequência 92,4 com Karin Kuschik. Steffen está em linha. Tem 42 anos, é de Potsdam e gostaria de saborear o próximo inverno a dois. “Olá, Steffen.” “Olá, Karin.” “Conta lá, qual é a caraterística que te pode definir? Uma sobre a qual os teus amigos estejam todos de acordo: isto é mesmo típico do Steffen! Há algo assim?”, pergunto. “Incorruptível”, responde ele sem hesitar. Incorruptível? É a primeira vez que respondem assim a esta minha pergunta. “Parece empolgante. Podes dar‑me um exemplo?”, digo eu, e fico a saber que Steffen recentemente agradeceu mas recusou o convite para a festa de aniversário de uma colega com estas palavras: “Acho que não dá muito bem.” “Como, hum… a data?”, perguntou a colega, estranhando. “Não. Acho que nós não combinamos bem um com o outro.” Uau. Para já, deixou‑a desconcertada. Também não é coisa que se ouça todos os dias. Perplexa, a assistente do programa olha agora para mim através da janela de vidros duplos, o técnico de som deixa de folhear o jornal. “Com isso deves irritar as pessoas com frequência”, presumo eu. “Sim, acontece, muitos acham que é má educação, mas eu não meto emoção nisto”, diz o incorruptível Steffen. “É que às vezes as pessoas não combinam mesmo uma com a outra, não é? Não é o fim do mundo. Não quer dizer absolutamente nada sobre a outra pessoa”. “Não?”, pergunto eu, muito surpreendida. O técnico de som e a assistente trocam olhares atónitos. “De modo algum”, afirma o ouvinte. “Ninguém ia experimentar uma camisa se já achasse que não combinava bem consigo.” Achei a comparação interessante. De facto, diz menos sobre a camisa que sobre a pessoa que não a quer experimentar.

“Todos somos capazes de amar, mas algumas pessoas precisam de ajuda para encontrar o amor” – Anna Machin
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Essa é a beleza das emissões em direto. Sempre que uma pessoa está prestes a instalar‑se confortavelmente na sua rotina interna, aparece de súbito algo diferente, e a cabeça regressa ao alerta total. Apenas um olhar para o relógio me obriga neste momento a fazer o trabalho como é esperado: antes das sete e meia tem de haver ainda uma canção, além da publicidade e do trânsito, por isso é melhor chegar ao fim.

O que é realmente uma pena. “Simplesmente não combinamos bem.” Que sucinto pode soar quando o dizemos assim. Sem juízos de valor, mera constatação, absolutamente calmo e num tom relaxado. Quero realmente recomendar esta frase para recusar convites para festas de aniversário? Provavelmente não. Mas parece‑me que vale muito a pena incluí‑la como variante de jogo no grande arquivo das respostas possíveis.

Quantos casais teriam assim um caminho mais fácil? Enfim, provavelmente seria também mais curto. Porque muitas vezes tentamos convencer‑nos a adaptar‑nos a pessoas e circunstâncias, e esquecemo‑nos de nos ouvir a nós por uns instantes. De outro modo, poderíamos ouvi‑la, a voz baixa dentro de nós, que exprime com pena mas com clareza: “Não combinamos bem um com o outro. Não fazemos bem um ao outro. Mais vale desistir.” Mas quem terá coragem para isto? Muitas pessoas nunca aprenderam a dizer “Não”. No que diz respeito a este tema, uma instância em nós está permanentemente alerta sem ninguém lho pedir. “Não podes fazer isso!”, admoesta severamente o nosso censor interno. “Não podes recusar sem mais nem menos!” E é assim que nos forçamos a continuar a ir a encontros que não nos dão prazer nenhum, porque o nosso impulso de aceitar foi mais rápido que um olhar honesto para o que estava a acontecer.

Será que gosto realmente desta pessoa? Faz‑me bem encontrar‑me com ela? Depois dos nossos encontros sinto‑me cansado, desperto, enervado ou cheio de energia? Tudo isto são boas questões para conseguir uma vida preenchida, uma vez que nem todos combinam bem com todos.

Por isso, quem conseguir dizer com coração sincero “Agradeço muito a simpática intenção, mas acho que não combinamos bem” certamente poupará a si próprio muitos problemas. Com certeza que temos de ser capazes de aguentar isto, uma vez que um “Sim” é muito mais fácil para nós: uns, porque temem dececionar alguém; outros, por pura cortesia. Até o nosso ego adora um “Sim” – quem é convidado é desejado, e isso lisonjeia. E é assim que acabamos repetidamente a envolver‑nos com pessoas que nos custam tempo de vida sem enriquecer o nosso coração.

Também no que diz respeito a objetos temos dificuldade em manter uma atitude clara. Basta pensar em todas as garrafas de óleo de citronela, as jarras, os castiçais, os livros de culinária e as meias que recebemos com algum incómodo ao longo da nossa vida e nunca pusemos a uso. Já muitos agradeceram um lenço áspero, sabendo perfeitamente que nunca o usariam. Não queremos ofender ninguém, e para isso mentimos a nós próprios. Alegria fingida em vez de surpresa sincera parece‑nos o mais óbvio, porque a maioria de nós nunca aprendeu a dizer “Obrigado, mas não.”  No entanto, quem for capaz de se superar a si próprio, depressa perceberá que com a sinceridade acontece o mesmo que com uma sombra gigantesca. Quanto mais perto do gigante se chega, mais depressa se descobre tratar‑se afinal de um anão que projeta uma sombra muito comprida.

Por outras palavras: a sinceridade é mais fácil do que pensamos, e ultrapassar essa dificuldade vai recompensar‑nos muito rapidamente.

“Muito obrigado pela boa intenção, fico mesmo muito feliz. Infelizmente, não é de todo o meu gosto” pode parecer‑nos uma frase impossível de formular, mas é recebida frequentemente sem drama. “Gosto imenso desta pulseira, mas não estou habituada a usar pulseiras” é uma frase que, para quem oferece, provavelmente não vai parecer mal. Como também podemos considerar um quadro absolutamente fantástico, sem sentir necessidade de o levar para casa e pendurar na parede. Há coisas que até nos dão mais alegria à distância.

Recentemente, um cliente meu teve uma discussão acalorada com um colega. Os dois deviam começar um projeto juntos, mas em vez do esperado brain storming começaram a acusar‑se mutuamente aos gritos por serem tão diferentes um do outro. “Absolutamente infantil”, dizia‑me mais tarde o cliente. E tinha razão, penso eu, porque quem se sente incompreendido de facto resvala interiormente para a infantilidade. Para um adulto, uma diferença de caráter não seria motivo para se exaltar – sobretudo no contexto profissional.

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A dada altura, dizia o cliente, teve um flash de inspiração e interrompeu‑se imediatamente a si próprio: “Sabes que mais? Nós não combinamos bem um com o outro! É tão simples quanto isso”. Respirar fundo. Pausa. “Deixa‑nos antes olhar para os talentos que tu tens e me faltam a mim, e o que eu trago e tu não tens, para vermos como podemos avançar a partir daqui. De outro modo, não faz sentido.” A poeira assentou imediatamente e ambos começaram a navegar calma e tranquilamente, sem que nenhum quisesse atirar o outro para fora do barco. As coisas que acontecem!

“A vida dura seis anos, depois disso é tudo repetição”, disse‑me uma vez um homem sábio. Por outras palavras: nos primeiros seis anos fazemos tantas experiências, realizam‑se tantas sinapses e há tantas conexões nervosas que durante esse período se formam padrões importantes – desde crenças a comportamentos. A partir daí fazemos sobretudo a experiência de uma longa cadeia de repetições de padrões. Infelizmente, não nos damos conta disso. Por isso vale a pena, quando interagimos com os outros, manter um olhar analítico: o que está a acontecer aqui realmente? O problema é mesmo a outra pessoa, ou sinto‑me irritado por eu estar mais uma vez a passar por algo que já achei terrível nas cem vezes anteriores? Se for esse o caso: welcome to your own story.

“Nós não combinamos bem” pode ser um pensamento que lhe traz êxito em muitas situações, quer o diga em voz alta quer o guarde para si. Não temos de mudar a outra pessoa ou a nós próprios devido a isso. Mais vale que veja que comportamento pode resultar do reconhecimento deste facto, para que a sua vida se torne mais fácil. Esta frase é tão simples, tão clara, tão sucinta. Não pretende magoar, e não magoa. Se a disser de forma casual, pode até parecer inocente e, contudo, ser extremamente libertadora. As coisas que se aprendem em dating shows

A propósito: nunca cheguei a saber se conseguimos arranjar uma companheira para o Steffen de Potsdam por causa da sua participação em See You Later – mas, em todo o caso, ele conseguiu entrar para este livro 20 anos depois.