Farmácias Portuguesas
Era uma tarde de agosto como outra. O sol subia quente e Martim, então com dois anos e meio, refrescava-se na piscina quando a mãe, Rita Torres, de 32 anos, decidiu que era hora de voltar para casa. O pequeno Martim fez birra e uma cotovelada no peito fez soar um alarme. «Doeu-me bastante e o meu instinto foi levar a mão ao peito para aliviar a dor». Mas o alívio tornou-se, rapidamente, noutra coisa: a descoberta de um nódulo no seio esquerdo. «Liguei logo para a minha médica e, no dia seguinte, fiz os exames».
Confirmou-se o pior. «Até eu, que era leiga no assunto, percebi a gravidade: na ecografia vi uma mancha enorme, parecia um borrão de tinta atirado contra a parede». A primeira hora foi de desespero. «Fechei-me sozinha no carro e chorei, chorei muito. Depois, limpei as lágrimas e pensei: “Não vou morrer e deixar o meu filho e o meu marido, que adoro, sozinhos nesta vida”», conta-nos, com um ar confiante. Foi, aliás, a confiança e a auto-estima que a ajudaram nos piores momentos.
«Sempre tive um ego saudável, até um pouco elevado. Foi esse meu ego que me ajudou a não ir abaixo quando o corpo mudou depois da operação que me deixou sem uma mama, quando os tratamentos me arrasaram, quando o cabelo caiu», lembra. Sempre procurou alternativas, como umas aplicações para as sobrancelhas quando os pêlos desapareceram ou a peruca que ia arranjar ao cabeleireiro. «Não é por estar doente que deixo de me cuidar, certo?», argumenta, com as mãos bem abertas.
Foram dois anos e meio de tratamentos, primeiro quimioterapia, depois radioterapia e, por fim, imunoterapia. Um tempo que pareceu eterno.
Aumentar a família
Mas na mente de Rita havia ainda outro problema: «Nunca pensei em ter apenas um filho. Tenho uma família bastante grande e queria muito ter mais um bebé». Foi este desejo que a levou a Espanha, ao Instituto Valenciano de Infertilidade, para congelar dois terços do tecido ovárico, antes de iniciar os tratamentos que podiam pôr fim à sua fertilidade.
«Na altura, era um tratamento experimental. Sei que hoje já existe em Portugal mas, há dez anos, era algo inovador». Uma inovação que, no final, ficou atrás da natureza. «Numa consulta de rotina, depois de todos os tratamentos, a médica disse-me: “Está no período fértil. Se quer tentar engravidar, agora é o momento”. Nem hesitei», lembra, a sorrir, acrescentando: «Curiosamente, nunca deixei de ter menstruação».
Passados nove meses nasceu a Sara, hoje com seis anos. Um bebé sempre alimentado com o chamado leite em pó, não por obrigação, mas por receio de que a amamentação criasse novos problemas. «Há um preconceito muito grande em relação a este leite, mas é óptimo. A minha filha cresceu forte e saudável».
A reconstrução mamária
Só depois Rita Torres avançou para a última fase de um já longo processo, a reconstrução mamária. «Queria fazer a operação depois de todos os tratamentos e do nascimento da Sara», conta, admitindo: «Quem faz operações plásticas e diz que não dói está a mentir. Dói muito, mas é por um bem maior. Acabamos por esquecer as dores porque pensamos: “Isto vai ficar muito bem!”» e lança uma gargalhada, não fosse a Rita uma optimista ferrenha.
«Sempre vi o copo meio cheio e acredito que a força de vontade e a forma como encaramos as coisas influenciam bastante a cura. Há sempre alguém numa situação pior. Conheci pessoas que não conseguiram superar o cancro. Por isso, sinto-me uma felizarda e agradeço todos os dias o facto de estar viva e aquilo que tenho», confessa.
Dez anos depois, com dois filhos e uma vida saudável, Rita não esquece as horas de tratamentos, a revolta e o desespero que tantas vezes a assolaram, o apoio incondicional da família e as lições que o cancro lhe ensinou. «Nós, os doentes oncológicos, ficamos egoístas. Pensamos mais nas nossas necessidades e na importância de reservar um tempo só para nós. Antes, o meu dia não tinha apenas 24 horas, tinha muitas mais. Nunca recusava nada.
Agora, não engulo sapos, estou mais terra-a-terra e levo uma vida mais tranquila».
Além disso, e talvez o mais importante, Rita aprendeu a importância da prevenção, a medida mais combativa contra o cancro da mama. «Nem que seja a auto-avaliação feita no duche», apela. Algo que só começou a fazer depois do enorme susto. «Antes, não fazia nada. Era muito relaxada e, como não tinha antecedentes na família, não era de nenhum grupo de risco. Afinal, esta era uma doença para alguém mais velho, uma mãe ou tia, não para alguém com 32 anos».
Texto de Rita Leça
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