Redes sociais, jovens e saúde mental são os temas centrais do último estudo realizado pela marca Dove que quis perceber qual o impacto que os conteúdos publicados online têm na saúde mental das gerações mais novas. E os resultados são preocupantes: 78% dos jovens europeus admite estar viciado em plataformas como Instagram, Facebook ou TikTok.

Em Portugal a percentagem sobe para os 86%, sendo um dos oito países da União Europeia com a percentagem mais elevada. Assim que completam 13 anos, 9 em cada 10 dos jovens inquiridos já utiliza redes sociais, algo que revela que a utilização deste tipo de plataformas acontece de forma precoce.

Eduardo Sá considera que “as redes sociais não são um lugar para as crianças com menos de 12 anos” e que a supervisão parental não deve desaparecer à medida que vão crescendo, muito pelo contrário. “Mesmo depois dessa idade, elas devem ser monitorizadas pelos pais, atendendo à toxicidade que, em muitas circunstâncias acabam por ter. Doutra forma, estaremos a cuidar dos nossos filhos dando-lhes cuidados, recursos e oportunidade e, depois, deixando-os expostos a maus exemplos, notícias falsas e campanhas que os intoxicam e fazem delas uma espécie de ‘droga leve’ que se consome e da qual se fica dependente diante da distração dos pais”, explica o psicólogo.

Psicólogo Eduardo Sá
Eduardo Sá, psicólogo e especialista em Saúde Familiar e Educação Parental, durante a talk que teve lugar no CascaiShopping créditos: Sara Hawk

É o caso das duas filhas mais velhas de Catarina Raminhos – Maria Rita de 12 e Maria Inês de 10 anos – que, recentemente, criaram uma conta pessoal numa das redes sociais da moda. Mas para isso tiveram de ter a permissão da mãe que, para sua segurança, implementou algumas regras: têm o perfil privado e só podem aceitar pedidos de amizade de pessoas que fazem parte do seu círculo de amigos. Apesar da tenra idade, a produtora de conteúdos digitais sente-se tranquila com a decisão e justifica. “Senti que não valia mais a pena adiar, elas já tinham pedido antes e achei que proibir também não é sistema, então consegui negociar o perfil fechado e sinto-me mais segura com isso.”

Mesmo depois dessa idade [12 anos], elas devem ser monitorizadas pelos pais, atendendo à toxicidade que, em muitas circunstâncias acabam por ter

Enquanto educadora, realça a importância do diálogo na relação pais-filhos e como, desde cedo, este foi um grande aliado para explicar às filhas os perigos da Internet e das redes sociais e que todo o cuidado é pouco. “A melhor estratégia de todas que é conversar abertamente sobre tudo. Já ouviram falar de predadores sexuais, de pedofilia, de muitas coisas negativas que eu gostava imenso de nunca lhes falar sobre elas, mas que achei que devia deixar de protegê-las dando-lhes a conhecer que existem.”

Quando questionados sobre o impacto que os conteúdos que consomem online têm na sua saúde mental, 2 em cada 5 jovens admite que é negativo. A nível nacional a percentagem fixa-se nos 93% contra os 85% da média europeia. Aliás, 9 em cada 10 refere mesmo já ter sido exposto a conteúdos de beleza tóxicos online. Posts que incentivavam comportamentos de restrição ou distúrbio alimentar, a utilizar de forma excessiva filtros nas suas fotografias e vídeos, relacionados com automutilação ou que mostravam corpos irrealistas e perfeitos são outros exemplos que levam 3 em 4 jovens a admitir que as redes sociais têm o poder de os fazer querer mudar a sua aparência.

A melhor estratégia de todas que é conversar abertamente sobre tudo. Já ouviram falar de predadores sexuais, de pedofilia, de muitas coisas negativas

Algo que leva Catarina Raminhos a concluir que as redes sociais não se importam com a saúde mental dos jovens, descrevendo-as como “um negócio que se importa com números, não com pessoas”. A própria criadora de conteúdos é uma dos milhares de mulheres que, ao longo da sua vida, já foi exposta a inúmeros conteúdos nocivos sobre beleza nas redes sociais. Atualmente com 42 anos, recorda um dos episódios mais marcantes de que foi alvo e relata os impactos que teve na sua autoestima.

“Estava de férias, numa praia, publiquei uma foto em biquíni, e recebi uma série de mensagens - não comentários - de mulheres a sugerir que usasse antes fato de banho, porque era mais adequado ao meu corpo. Nessas mesmas férias, também houve quem achasse por bem, dizer que gostando de vestidos, devia usá-los compridos. Tendo em conta toda a luta que as mulheres foram fazendo pela sua emancipação, achei este comentário um passo atrás nas liberdades conquistadas e tive de responder.”

Catarina Raminhos Talk Dove
A escritora e produtora de conteúdos digitais catarina Raminhos foi a mediadora desta talk que abordou temas como redes sociais, jovens e saúde mental créditos: Sara Hawk

Tendo em conta o impacto negativo que as redes sociais têm na autoestima, aparência e corpo de muitas crianças, a que sinais de alerta é que os pais devem estar atentos?  Mudanças súbitas nos hábitos alimentares; alterações radicais do vestuário, das relações ou das rotinas; mais labilidade de humor; maior fuga ao acesso à palavra ou às relações familiares são alguns dos exemplos mencionados pelo também especialista em Saúde Familiar e Educação Parental e que devem ser tidos em conta pelos progenitores de forma a pedirem ajuda antes que isto se torne uma dependência grave.

“Ninguém pretende que os adolescentes sejam infoexcluídos. Mas viverem horas sobre horas dependentes das redes sociais - como, aliás, eles reconhecem - é o primeiro sinal de ausência de moderação a que, aliás, só se chega com regras claras trazidas pelos seus pais”

Estava de férias, numa praia, publiquei uma foto em biquíni, e recebi uma série de mensagens - não comentários - de mulheres a sugerir que usasse antes fato de banho, porque era mais adequado ao meu corpo

Uma vez que grande parte dos pais não consegue proteger os próprios filhos daquilo que consomem nas redes sociais, a culpa é o principal sentimento referido por 48% dos progenitores que participaram neste estudo realizado no âmbito do Projeto pela Autoestima da Dove e que contou com a participação de 1.200 inquiridos – 500 progenitores e 700 jovens entre os 10 e os 17 anos.

Muitos sentem-se assim porque têm perfeita consciência dos seus efeitos junto dos mais novos: 85% sabe que as redes podem causar problemas de saúde mental e 52% acredita que estas plataformas têm mais poder e autoridade para moldar a autoestima e confiança dos seus filhos do que eles próprios.

Apesar de Eduardo Sá considerar que o controlo parental e a monitorização da atividade online dos filhos são duas medidas essenciais para se preservar a saúde mental das gerações mais novas com presença online, a verdade é que isso não basta e dá exemplos. “Trazer os pais para um envolvimento mais participado na adolescência dos filhos. Capacitar as escolas para a formação a este nível. E, claro, validar a petição [internacional] da Dove, que está em curso [para levar o tema da segurança online dos jovens a discussão ao Parlamento Europeu], no sentido de criarmos regras que tornem as redes sociais em locais mais seguros para todos os adolescentes.”

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A maioria dos progenitores que participaram no estudo considera ser extremamente necessário uma mudança de paradigma: não só a nível de legislação de forma a responsabilizar as diferentes plataformas pelos danos que provocam na saúde mental dos jovens (85%) como uma publicação mais responsável por parte dos content creators e marcas daquilo que colocam online (9 em cada 10 pais).