No filme Os Salteadores da Arca Perdida, de Steven Spielberg, estava prevista uma cena onde Harrison Ford lutaria contra vários espadachins. Era uma coreografia complicada e o ator treinou durante semanas. Só que no dia das filmagens adoeceu e, incapaz de combater, sugeriu ao realizador uma alternativa: quando o espadachim ameaçador brande a sua imensa espada, Indiana Jones limita-se a suspirar, puxa da arma e dispara sobre ele. É uma das cenas clássicas da história do cinema. E um exemplo absolutamente brilhante de como transformar um problema numa oportunidade.

Berthold Gunster explora no seu livro Pensar ao Contrário (edição Lua de Papel) as 15 estratégias que usa para resolver qualquer problema. É todo um curso que leva o leitor a esquecer o que deveria ser e a focar-se antes no que poderia ser.

Com exemplos, histórias, imagens e muita ciência, o autor mostra como aprender a aceitar os problemas, desconstruí-los e aplicar a cada um deles a estratégia mais adequada. A filosofia não é necessariamente fácil, exige prática: mas é muito mais fácil do que não fazer nada. Esse modo de pensar, uma vez integrado no dia a dia, tem resultados espantosos: em vez de reagir aos problemas com o típico "Sim, mas…", começará a usar o "Sim, e…", dando respostas muito mais criativas, otimistas e eficazes, na vida pessoal ou profissional.

Depois de estudar na Academia de Teatro de Utrecht, Berthold Gunster foi encenador e dramaturgo durante largos anos. A partir de 2001, ele e a sua equipa têm oferecido formação, workshops e eventos em Omdenken, para empresas e particulares. Berthold publicou 13 bestsellers sobre a teoria Pensar ao Contrário.

Pensamento bloqueado - Como tendemos a transformar um problema num desastre

Nunca aceitaria pertencer a um clube que estivesse disposto a aceitar‑me como membro.
Groucho Marx

Imagine que tem muito trabalho para fazer; na verdade, demasiado. Um problema. Por isso, redobra a produtividade e faz tudo em menos tempo do que aquele que deveria ter demorado. Parece excelente. Problema resolvido, poderia pensar. Mas o seu chefe provavelmente pensará: “Excelente empregada, vou dar‑lhe mais trabalho.”

É isso que acontece com o que eu chamo pensamento bloqueado, que é o oposto de pensar ao contrário. Enquanto pensar ao contrário transforma um problema numa oportunidade, o pensamento bloqueado transforma um problema num desastre. Quanto mais trabalhamos para “resolver” um problema, maior ele se torna. É como quando o seu carro fica preso na lama e você carrega no acelerador com mais força. Quanto mais as rodas aceleram, mais o carro se enterra.

Outros exemplos são tentar apagar um fogo soprando para cima dele; puxar furiosamente uma linha de pesca emaranhada; debater‑se violentamente para tentar sair de areias movediças; tentar limpar a água de um aquário que está cheio de areia, empurrando a areia para baixo; tentar livrar‑se de piolhos, lavando o cabelo com maior frequência (os piolhos adoram cabelos limpos); coçar onde se tem comichão; beber uns copos para relaxar numa situação social  (geralmente, isso leva à embriaguez, a situações embaraçosas e, por isso, a mais ansiedade perante um evento social futuro).

“Se há coisa que a história nos mostrou é que precisamos de pessoas rebeldes e contestatárias” - Todd Kashdan, psicólogo clínico
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Mas, porque estamos a incomodar‑nos com isto do pensamento bloqueado? Porque não nos limitamos a pensar ao contrário? Bem, por duas razões importantes. Primeira, temos de estar alerta para a tendência para o pensamento bloqueado, de maneira a evitarmos as suas armadilhas. Como quando se põe o carro à frente dos bois, temos primeiro de tirar o carro do caminho. Se estivermos presos no pensamento bloqueado, não vale a pena tentarmos pensar ao contrário.

Segunda, o pensamento bloqueado não se limita a perpetuar problemas que simplesmente nos acontecem; é muitas vezes a causa dos nossos problemas. Por força da lógica, de maneira a pensar ao contrário esses problemas, temos primeiro de saber como parar os pensamentos bloqueados. Digamos que um patrão rigoroso e severo espera a perfeição da parte dos seus empregados e fica furioso quando eles cometem erros. Qual é o resultado? O stresse leva‑os a cometerem ainda mais erros. Digamos agora que o patrão continua a querer a perfeição, mas deixa de se enfurecer. Os empregados ficam mais descontraídos e cometem menos erros. Estará o patrão a pensar ao contrário? Não, ainda não. Ele ainda não está a criar uma oportunidade a partir de um problema. Mas agora que tirou as algemas do pensamento bloqueado, ele e a sua equipa podem relaxar e dar uma oportunidade ao pensar ao contrário. Então, como é que podemos perceber que estamos a pensar com bloqueios? A maior parte de nós já tem bem noção da nossa tendência natural para o pensamento bloqueado. Já lemos muita coisa sobre o assunto, sabemos como as pessoas se deixam apanhar em círculos viciosos. Os nutricionistas deram a conhecer o efeito ioiô, que tanto afeta quem faz dietas para emagrecer. Os políticos lançam injúrias contra os “criminosos reincidentes”. Os economistas alertam contra as vagas de compra e venda de ações.

Pré-publicação. Livro “Pensar ao Contrário”. Como tendemos a transformar um problema num desastre (e como resolver estas situações)
créditos: Olav Ahrens Røtne/Unsplash

A nossa linguagem está também cheia de frases alusivas ao pensamento bloqueado – “não atires brasas para a fogueira” e “bater com a cabeça na parede” são exemplos notáveis. Todos nós já passámos pela ironia de repetirmos precisamente o mesmo tipo de comportamento que estamos a tentar evitar. Como reagem os atores ao realizador que lhes grita, furioso, “sejam espontâneos!”? Ficam ainda mais rígidos. Se uma mulher disser ao marido, “adoraria que, por uma vez que fosse, me trouxesses flores num impulso do momento”, está a condenar‑se a um descontentamento continuado. A partir dessa altura, ela nunca mais achará que o marido teve espontaneamente a ideia de lhe comprar flores; ficará sempre a pensar que ele agiu por iniciativa dela. E o que pensar de uma mãe que diz ao filho, “tens de ser independente” (impondo‑lhe, dessa forma, uma falta de independência sobre… a independência); ou de um patrão que suspira, para os empregados, “têm de ter mais iniciativa e ousar cometerem erros” (dessa forma retirando‑lhes a autonomia para decidirem arriscar mais). Pensemos nos órgãos de comunicação social que exibem debates sobre como uma questão sem importância está a receber demasiada atenção. Ou pense‑se no professor que tagarela sobre a importância do diálogo interativo num monólogo de duas horas.

Apesar de tudo isto, a tragédia é que, com muita frequência, não percebemos que estamos presos no pensamento bloqueado quando estamos bem no meio dele. Como na história do peixe que, quando lhe perguntam como está a água onde está a nadar, responde “O que é água?”, nós geralmente não temos muita consciência do nosso próprio comportamento. Por isso, acabamos muitas vezes encurralados devido à forma como pensamos. Se tentarmos controlar os nossos pensamentos dizendo a nós mesmos, “não posso pensar nisso”, ruminamos ainda mais sobre essa coisa. E o que é que acontece se disser a si mesmo, “quando fizer a minha exposição tenho de estar descontraído”? Fica ainda mais ansioso. Após horas a voltar‑se para um lado e para o outro enquanto tenta dormir, ajuda alguma coisa se continuar a recriminar‑se e a dizer a si mesmo: “Tens mesmo de adormecer agora!” Pense na conclusão completamente paradoxal de que está tão ocupado que não tem tempo para o burnout.

pensar ao contrário
"Pensar ao Contrário", de Berthold Gunster conta com edição da Lua de Papel e chega aos escaparates a 16 de maio, com o preço de 17,9 euros.

Por fim, e se estiver convencido de que as pessoas que o amam não o veem como a pessoa que realmente é? Como isso é autodestrutivo! Quer então dizer que as pessoas que não amam veem corretamente? Essa maneira de pensar não poderia ser mais perniciosa. Mas, deixem‑me sublinhar, para aprendermos a pensar ao contrário é importante não encararmos essa forma de pensar como “má” ou “errada” em si mesma. Todos nós a usamos. Constantemente. De forma inevitável. Não somos maus nem estamos errados quando o fazemos; essa é, tão só, a forma como os nossos cérebros funcionam. Temos de aprender a não nos submetermos a uma caça às bruxas por causa disso. Conhece, por certo, os testes de afogamento, nos quais, se uma suspeita de bruxaria flutuasse era confirmada como sendo bruxa e era condenada à morte, mas, se se afogasse, não era bruxa. Infelizmente, o resultado era o mesmo, pois ela morria afogada. Se nos martirizarmos por causa do pensamento bloqueado, afundamo-nos ainda mais. O truque é conseguirmos lembrar-nos da tendência natural para o pensamento bloqueado, de maneira a podermos intervir e depois escolhermos substituir isso pelo pensar ao contrário.

Apesar de o pensamento bloqueado ser fácil de definir – tornar um problema num desastre – é muito mais difícil apanharmo‑nos a usá‑lo. Duas razões para isso merecem atenção especial: o feedback compensatório e as reações retardadas. Comecemos pela primeira. Muitas vezes as nossas formas de lidar com os problemas seriam perfeitamente lógicas se não provocassem efeitos de repulsão. Veja‑se o caso de um professor primário que tenta chamar a atenção de uma turma de crianças falando mais alto. As crianças podem responder falando também mais alto. Um professor principiante poderia tentar resolver isso falando de novo ainda mais alto, ao que as crianças respondem outra vez na mesma moeda, e o caos instala‑se na turma.

O professor e as crianças formam um sistema com um ciclo de feedback negativo de causa, efeito e causa, um ciclo vicioso, como uma serpente a morder a própria cauda. A teoria dos sistemas tem um excelente nome para este tipo de repulsão: feedback compensatório. Por vezes, o feedback compensatório escala e torna‑se um problema, e outras vezes traz somente um problema de volta ao seu estado original, como quando amolgamos uma garrafa de plástico e pouco depois o plástico volta ao seu lugar. Nestes casos, uma solução pretendida para um problema é neutralizada pela reação oposta.

Estamos de volta à casa de partida. Aprender a reconhecer que fomos apanhados num sistema de feedback compensatório é bagagem crucial para o pensar ao contrário. A palavra “sistema” pode causar alguma confusão, em parte porque os sistemas podem assumir todos os tipos de formas. Os sistemas sociais, por exemplo, são compostos por pessoas que interagem, mas um sistema pode também existir entre uma pessoa e uma coisa. O condutor de um carro forma um sistema com um airbag. Como? Bom, a segurança aumentada devido ao uso de airbags leva ao feedback compensatório de condução mais imprudente. De forma similar, pavimentar caminhos de terra batida em áreas de montanha leva a um aumento de acidentes nessas estradas. Pessoas que compram lâmpadas de baixo consumo tendem a deixa‑las mais vezes ligadas e pessoas que tenham máquinas de lavar roupa de consumo económico têm maior probabilidade de lavar pequenas cargas de roupa.

O feedback compensatório pode ser muito traiçoeiro. Digamos que o CEO de uma empresa diz aos seus empregados que não devem matar‑se a trabalhar, mas eles sabem que ele trabalha sessenta horas por semana. As palavras dele serão anuladas pelo exemplo negativo que dá. Eis um exemplo realmente traiçoeiro. Uma companhia ocidental em África fez grandes lucros num determinado ano e decidiu recompensar os empregados com um aumento generalizado dos salários na empresa. Qual foi o efeito disso? Vários empregados demitiram‑se. Porquê? Porque na cultura deles, quando se ganha mais dinheiro espera‑se das pessoas que sustentem mais gente, como uma família alargada, e aqueles empregados não queriam ter de fazer isso.

“A sociedade banalizou a palavra génio. A maioria dos prodígios não são génios e nunca serão” - Craig Wright, professor emérito em Yale
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Uma das razões por que pode ser difícil reconhecer quando estamos num sistema de feedback desses é o facto de o efeito de repulsão ser muitas vezes retardado. Pensemos uma vez mais na garrafa de plástico. Por vezes, uma amolgadela não volta ao lugar imediatamente, mas, decorrido algum tempo, ouvimos subitamente um pequeno plop e eis que a garrafa volta à sua forma original. Ou pensemos num fabricante de automóveis que incentiva as vendas no final do ano oferecendo descontos fantásticos. Excelente, as vendas do ano recebem um grande estímulo. A empresa celebra um grande ano; as rolhas do champanhe saltam e toda a gente vai para as férias de fim de ano com um grande sentimento de orgulho. Mas então as vendas caem no primeiro quarto do novo ano. Mais ainda, à medida que o tempo passa o efeito positivo dos descontos é ainda mais neutralizado porque os compradores antecipam os bons negócios do final do ano e adiam a compra até essa altura. As soluções de hoje causam muitas vezes os problemas de amanhã.

Por vezes, o efeito de feedback demora anos até se tornar evidente. O caso da proibição da venda de bebidas alcoólicas nos EUA é um bom exemplo disto. Pouco depois da Guerra Civil, o álcool mostrou “fazer mais mal do que bem”, causando acidentes, violência doméstica, perda de empregos. O movimento pela temperança começou por lutar apenas pelo encerramento de saloons, mas, à medida que foi ganhando força, aumentaram os apelos a uma interdição generalizada. A 16 de janeiro de 1920, entrou em vigor a Décima Oitava Emenda da Constituição, banindo o fabrico e a venda de bebidas alcoólicas. O consumo caiu para menos de um terço dos níveis anteriores. O crime diminuiu e a economia melhorou. Até mesmo os mais fervorosos opositores, os chamados “Wets”, admitiram que a lei era um sucesso retumbante. Depois, a maré mudou. Os efeitos negativos começaram a surgir. Drogarias e farmácias receberam autorização para vender álcool com receita médica. Resultado? Milhões de dólares de vendas fraudulentas. Além disso, um mercado negro tornou‑se o motor de uma explosão no crime organizado, enchendo os bolsos da máfia. Quando veio a público que até entre crianças em idade escolar se tinham formado prósperas redes de tráfico de álcool, começaram a ganhar apoio os apelos ao fim da proibição. Os “Wets” aumentaram os seus números enquanto os “Dries” perderam terreno e, em 1933, a Proibição foi revogada.

Pré-publicação. Livro “Pensar ao Contrário”. Como tendemos a transformar um problema num desastre (e como resolver estas situações)
créditos: Hans-Peter Gauster/Unsplash

Vivemos num mundo complicado, que se torna rapidamente ainda mais complexo, com a tecnologia a ligar tudo com tudo o resto. Ao comentar as complexidades dos sistemas no mundo dos negócios, o biólogo Lewis Thomas disse: “Quando lidamos com um sistema social complexo… não podemos simplesmente intervir e começar a corrigir as coisas, esperando seriamente dar uma grande ajuda. Esta constatação é uma das mais dolorosas desilusões do nosso século”.

Perceber como evitar efeitos indesejados requer a compreensão de muitos erros clássicos de raciocínio. O primeiro deles é tentar solucionar um problema pondo‑lhe simplesmente fim. A nossa reação mais básica a um problema é, com frequência, pura e simplesmente não querermos que ele exista. Por vezes, podemos elimina‑lo, mas, particularmente em sistemas complexos, os nossos esforços resultarão no geral em resistência e serão contraproducentes.

Muitas vezes, o que parece ser a solução torna‑se um novo problema. E a tragédia é que os envolvidos neste drama autoencenado habitualmente não veem o padrão. Digamos que uma mulher considera que o parceiro romântico está muito alheado. A solução que arranja? Proximidade. Ela quer que se aninhem juntos no sofá e conversem mais. Mas, quanto mais consegue alcançar a solução desejada, tanto maior se torna um novo problema criado por ela: o parceiro começa a vê‑la, cada vez mais, como excessivamente apegada e dependente. Sente que ela não lhe dá espaço. Por isso, responde com a sua própria solução brilhante, a saber: manter distâncias ao sair com mais frequência para ir jogar bilhar. Talvez ambos entendam que acharam uma boa solução; mas muito depressa, digamos, algures entre os seis e os doze meses, os seus “arranjos” já não serão muito satisfatórios. Ela começará a protestar por causa do tempo que ele passa fora de casa e ele vai considera‑la ainda mais carente. Em algumas relações, este ciclo não para de se repetir e, ironicamente, quanto mais tempo persiste este padrão, mais difícil pode ser deteta‑lo.

Essa pode ser uma das razões pelas quais as pessoas tantas vezes acabam envolvidas em padrões semelhantes em novas relações. Na base deste erro de raciocínio está um método de resolução de problemas que pode ser tremendamente eficaz; raios, pode mesmo dizer‑se que nos trouxe a Revolução Industrial e todos os seus benefícios – esse método mais não é do que o mecanicismo de causa e efeito. Esta forma de pensar parte do princípio de que existe uma linha reta entre causa e efeito, razão pela qual é também conhecido como pensamento linear. Uma premissa essencial é que cada problema tem uma causa e que se pode encontrar essa causa mediante um diagnóstico. Se o diagnóstico estiver correto, podemos então resolver o problema com um plano de tratamento bem formulado.

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créditos: Rohan Makhecha/Unsplash

Com problemas reais de uma só causa – como um furo num pneu – o processo funciona muito bem. Deteta‑se o furo. Remenda‑se. Está feito. Nós, seres humanos, resolvemos tantos problemas dessa maneira. Perna partida? Gesso! Bactérias? Antibióticos! Inundações? Construam‑se diques. Este método tem tido um sucesso esmagador. Pode dizer‑se que construímos com ele toda a civilização. Mas esta forma de pensar tem limites, ou é mesmo contraproducente, quando estão em causa sistemas mais complexos. Basta pensar num casamento; tantas variáveis o afetam – ambições de carreira, sentimentos sobre ter filhos, ideias sobre felicidade e respeito mútuo, relações com família e amigos. Por isso, se um casamento está em crise, pode ser quase impossível indicar exatamente qual é “a causa”. Existe, quase de certeza, uma combinação bem complexa de fatores. Mas preferimos, tantas vezes, descobrir “a causa”. “Ele encontrou outra pessoa.” “Estavam fartos um do outro.” “As nossas personalidades entravam em choque.” Um bom conselheiro de casais sabe que não é assim e irá referir que o problema não reside num ou noutro dos parceiros, mas nos padrões complexos de comportamento que desenvolveram em conjunto. Desvendar esses padrões, tecidos ao longo dos anos, requer um processo de análise muito mais complexo do que acontece com o mero descobrir “da causa”. A infelicidade da nossa época é que enfrentamos problemas cada vez mais complexos, com múltiplas causas, como é o caso do aquecimento global.

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Muitos outros erros de raciocínio contribuem para o pensamento bloqueado. É o caso da tendência para tratar os sintomas em vez da causa. Uma metáfora para isto seria desligar a máquina para resolver o horrível bip de um monitor cardíaco numa unidade de cuidados intensivos. Temos, também, a ideia de que uma punição irá impedir maus comportamentos. Quando os responsáveis de um infantário israelita decidiram multar os pais que se atrasassem a ir buscar os filhos, qual foi o resultado? Muitos outros pais começaram a ir buscar os filhos mais tarde. Como assim? A multa deu legitimidade aos atrasos: os pais interpretaram isso como uma forma de pagamento. Outra coisa comum é deixarmos que o nosso medo de que um problema ocorra nos leve a provoca‑lo – algo conhecido como profecia autorrealizada. Suponhamos que um casal receia que o filho descarrile na vida. Estão constantemente a controla‑lo, a perguntar‑lhe se já estudou e o que esteve a fazer. Ele fica muito ressentido e o que acontece? Isso mesmo. Ele acaba por descarrilar.

Os resultados irónicos das nossas abordagens de pensamento bloqueado para a resolução de problemas nunca deixam de surpreender. Um último caso. Um potencial comprador de casa faz ao vendedor uma lista de todos os aspetos negativos de uma propriedade, na esperança de fazer o preço baixar. O que acontece? O vendedor volta com uma proposta de preço ainda mais elevada. Hã!? O agente imobiliário ao serviço do vendedor sabe que só uma pessoa realmente interessada em comprar uma propriedade se daria a todo aquele trabalho.

Portanto, que informações úteis sobre o pensamento bloqueado podemos retirar de tudo isto? Bom, umas quantas. Primeiro, temos de ser cuidadosos e não celebrarmos demasiado depressa certas soluções como bem‑sucedidas. Há elevadas probabilidades de persistirem problemas subjacentes, de termos apenas tratado os sintomas e de, com o tempo, encontrarmos algum tipo de resistência. Além disso, por vezes, tentarmos mais intensamente resolver um problema só o torna pior, porque a nossa solução é parte do problema. Se sentir que está a carregar um rochedo por uma colina acima, ou a bater com a cabeça numa parede, pare e pense: que forças opostas estão em causa? Onde e por que razão está o sistema a reagir? Deixe de resolver. Muitas vezes, o simples parar aquilo que tem estado a fazer é metade da solução.

Segundo, ao analisar um problema, pense a nível de complexidade de sistemas e procure mais do que um diagnóstico de causa e efeito. Nas palavras do cientista, Edward Lorenz, pioneiro da teoria do caos, “o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear um tornado no Texas meses mais tarde”. Intervir em sistemas complexos pode conduzir a todos os tipos de consequências inesperadas.

Por fim, agir de forma impulsiva conduz, quase por definição, ao pensamento bloqueado. Pensar ao contrário requer paciência para além de criatividade.

As boas notícias? Quando percebemos que estamos a pensar de forma bloqueada numa dada situação, podemos muitas vezes passar de imediato para o pensar ao contrário. Assim que vemos que estamos a apertar ainda mais um saca‑rolhas para dentro da rolha, podemos facilmente voltar a retira‑lo rodando em sentido contrário.

Pensar ao contrário por vezes não é mais do que inverter o pensamento bloqueado. Para ilustrar isto, voltemos ao casal que referimos há pouco: ela queria mais tempo com o marido e ele queria mais espaço. Quebrar o círculo negativo de rejeição poderia ser bem simples e (como sempre acontece com o pensar ao contrário) paradoxal. Poderiam ambos tomar a iniciativa, independentemente um do outro. Ele podia queixar‑se que se veem pouco e depois leva‑la a sair uma série de vezes, passar horas com ela no sofá e enviar‑lhe muitas mensagens de texto e e‑mails, e ela provavelmente começaria a sentir que precisava de espaço e dir‑lhe‑ia, irritada: “Oh, vai lá jogar bilhar!” O mesmo pode dizer‑se sobre o outro lado. Ela pode dizer que sente necessidade de passar algum tempo longe dele e anunciar que vai acampar durante duas semanas, melhor ainda, com um amigo chamado Chris (“quem é o Chris?”, pensará ele, “homem ou mulher?”). Depois, ela poderia não lhe telefonar uma única vez enquanto estivesse fora. É grande a probabilidade de que, ao voltar para casa, ele esteja muito inclinado para maior proximidade. É claro, tais intervenções de quebra de padrões não são garantia de felicidade, mas manter um padrão pouco construtivo é uma garantia de infelicidade.