Durante grande parte da sua vida, Hailey Magee sentiu que agradar às pessoas era algo tão natural que nem existia uma palavra para definir essa ação. Quando alguém lhe pedia alguma coisa – mesmo uma pessoa estranha –, ela fazia-a, por mais desconfortável, exausta ou ressentida que estivesse. A satisfação das pessoas, aprendeu ela, era um mecanismo de sobrevivência que a mantivera física e emocionalmente segura no passado, mas que provocava danos na sua vida no presente.

A solução que as redes sociais e as estantes dos livros de autoajuda lhe davam era "Defenda-se a si própria! Fale! Estabeleça limites!". Mas depois de anos a ignorar os seus sentimentos e as suas necessidades, Hailey precisava de mais do que limites: precisava de se reconectar com o "eu" que era suposto defender. Não é possível lutar pelas nossas necessidades se não soubermos quais são.

Hailey Magee transpôs a sua experiência de vida e de transformação para o livro Pare de (tentar) agradar aos outros (edição Albatroz). Na obra, a autora norte-americana explica-nos como qualquer pessoa pode quebrar o padrão, reconhecendo os seus próprios sentimentos, necessidades, valores e desejos, pondo fim a ciclos nefastos de submissão e a sentimentos de culpa por fazer ou dizer o que realmente deseja.

Do livro publicamos o excerto abaixo:

Seguir os sinais das nossas necessidades

É possível que tenhamos passado tanto tempo a menosprezar as nossas necessidades que agora sintamos dificuldade em identificá-las. Ao romper com o padrão de agradar, a nossa tarefa consiste em desenterrar as próprias necessidades, por baixo de camadas de foco nos outros. Com o tempo, este exercício torna-se uma rotina, e algumas estratégias podem ajudar-nos neste processo.

Comece pelo corpo

A forma mais simples de se começar a sintonizar com as suas necessidades será iniciar pelas necessidades físicas. Ao contrário das necessidades relacionais, que dependem da participação de terceiros, as necessidades físicas são as que podemos satisfazer por nós, o que as torna menos intimidantes.

Podemos perguntar-nos todos os dias: Sinto frio ou calor? Preciso de uma camisola ou de uma manta? Tenho fome? Há comida no frigorífico? Preciso de ir às compras? Estou com sede? Sinto cansaço? Preciso de descansar? Durmo o suficiente? O meu corpo está irrequieto? Preciso de sair daqui ou de ir caminhar? Os meus ombros estão tensos? Preciso de fazer alongamentos ou ioga?

Há seis meses que Amit tem vindo a cuidar da mãe idosa, que luta contra a doença de Parkinson em fase avançada. Embora, física e emocionalmente, seja desgastante responder às necessidades da mãe, Amit está feliz por poder fazê-lo: é importante para ele que a mãe passe os últimos meses de vida no conforto da sua casa em vez de os passar numa casa de repouso.

Um dia, o irmão mais novo de Amit, Rohan, viaja até à cidade deles para o aliviar na assistência à mãe. "Precisas de uma folga", diz-lhe Rohan. "Vai cuidar de ti durante uns dias. Eu trato de tudo por aqui."

Hailey Magee é uma life coach certificada pela Erickson Coaching International, que se dedica a facultar estratégias claras de mudança, apoiadas na investigação, ajudando pessoas em todo o mundo a quebrar o padrão de agradar aos outros e a descobrir o poder dentro de si. As perspetivas inovadoras e diversificadas de Magee captaram a atenção de milhões de pessoas nas redes sociais, e as suas palestras e workshops receberam dezenas de milhares de participantes. Hailey Magee vive em Seattle, no estado americano de Washington.

Amit acede, faz a mala e regressa ao seu apartamento onde não ia há meses. Mas, minutos depois de passar pela porta, sente-se inquieto. Sem ter a mãe para cuidar, não reconhece as suas necessidades.

Senta-se num cadeirão e decide prestar atenção ao seu corpo. São precisos alguns minutos para a mente se tranquilizar o suficiente de modo a conseguir concentrar-se, mas, quando finalmente o faz, reconhece algumas sensações intensas. Primeiro, sente frio: esquecera-se de ligar o termóstato quando entrara. Segundo, tem fome: não se recorda da última vez que se sentou a comer uma refeição completa. E, terceiro, por trás de tudo aquilo, reconhece um cansaço que lhe esmaga os ossos e apercebe-se, subitamente, de que há vários dias não dorme mais de quatro horas seguidas.

Ao reconhecer desta forma as suas necessidades, e depois dos meses em que esteve inteiramente dedicado a cuidar da mãe, Amit sente uma ligação renovada consigo mesmo. Levanta-se da cadeira, aumenta o termóstato e encomenda comida do restaurante chinês ao fundo da rua. Certifica-se de que, nessa noite, a sua única missão é comer uma refeição completa e dormir o melhor possível. Agora que tem noção da intensidade da sua fome e exaustão, apercebe-se da importância de arranjar tempo – mesmo quando está com a mãe – para atender a estas necessidades, o mais que puder.

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Satisfazer as nossas necessidades físicas básicas pode parecer algo de pouca monta, mas, ao fazê-lo repetidamente, aumentamos aos poucos o sentimento de autoconfiança: aprendemos que podemos confiar em nós para nos cuidarmos no que é essencial. A partir daí, aceder a necessidades mais profundas – como as de conexão e propósito – parece mais exequível.

Os nossos sentimentos são sinais de necessidade

Embora sejam desagradáveis, os sentimentos desconfortáveis são sinais que nos orientam para as nossas necessidades não satisfeitas. E é por isso que é tão importante aprendermos a estar em contacto com os sentimentos que nos são incómodos: só assim conseguiremos ouvir as mensagens que nos transmitem.

Ao estarmos atentos às nossas emoções, é possível descobrir, por exemplo, que ficamos apreensivos quando necessitamos de mais segurança, ou deprimidos quando ansiamos por estar mais com os outros. Talvez detetemos a existência de ressentimento perante a falta de reciprocidade nas relações, ou fatiga por passar tempo com alguém que nos suga a energia. Perante uma emoção desconfortável, perguntar "De que necessito neste preciso momento?" é um exercício eficaz para nos sintonizarmos com as nossas necessidades.

Como desvalorizamos as nossas necessidades

Assim que começamos a reconhecer as nossas necessidades, passamos igualmente a reconhecer as formas como as desvalorizamos. Depois de anos vividos a contentarmo-nos com o mínimo dos mínimos, é fácil perceber porque é que revelar as nossas necessidades pode provocar alguma resistência, a princípio. Seguem-se algumas das formas mais comuns de as ignorarmos.

Julgamo-nos por termos esta necessidade

Kelly e Amma são amigas desde o ensino básico. Kelly contacta Amma com regularidade para fazerem planos, e, embora Amma esteja sempre disponível, nunca toma a iniciativa. Kelly sente-se insegura. Precisa que Amma invista algum esforço na relação, mas critica-se a si própria por ter essa necessidade. A Amma está sempre feliz por estarmos juntas, não está?, pensa Kelly. Não devo ser tão sensível.

Achamos que somos demasiado «fortes» para termos esta necessidade

Desde que terminou a faculdade, há seis meses, a saúde mental de Marco tem-se degradado. O seu trabalho é exigente, sente-se desligado dos colegas de curso e tem tido muitas discussões com o companheiro, Cedric. Marco sente vontade de falar com um terapeuta, mas, quando a ideia lhe surge, critica-se por ser fraco. Os teus pais eram imigrantes e nunca se queixavam, diz-se a si próprio. És suficientemente forte para resolveres isto sozinho.

Recorremos às lutas dos outros para ignorar as nossas necessidades

Mel e o marido, John, estão casados há cinco anos. O casamento deles é, de modo geral, feliz, mas há uma coisa que Mel não suporta: as piadas que John diz ocasionalmente acerca do peso dela. Mel ri-se, mas a verdade é que os comentários dele a perturbam profundamente. Quando considera abordar o assunto com ele, pensa nas suas amigas, uma que está numa relação fisicamente abusiva e outra que não consegue encontrar alguém para manter um relacionamento. Ao menos não tenho de passar por nada daquilo, pensa Mel. Devia sentir-me afortunada por ter o John.

Prevemos que a nossa necessidade não será satisfeita

Rory trabalha numa prestigiada empresa de marketing. O seu chefe, Kenny, atribuiu-lhe recentemente alguns clientes de alto valor. Embora Rory se sinta entusiasmada com a oportunidade, os novos desafios suscitam-lhe dúvidas diárias. Gostava de ter uma reunião semanal com Kenny, para resolver as suas incertezas, mas sabe que ele tem uma agenda muito preenchida. Rory receia perguntar-lhe e ele não ter tempo para o fazer, por isso continua a debater-se em silêncio com a carteira de clientes.

Rejeitamos a necessidade por dar «demasiado trabalho»

Há dez anos que Leena dorme no mesmo colchão. Era confortável ao início, mas, com o passar do tempo, perdeu firmeza, e ela acorda com dores de costas, pelo que passa a manhã a fazer alongamentos para tentar aliviar o sofrimento. Leena tem disponibilidade financeira para adquirir um colchão novo, mas, só de pensar em pesquisar qual o melhor para comprar, ir à loja, fazer a seleção e tratar da entrega, fá-la desistir da ideia. É demasiado trabalho, pensa. Consigo perfeitamente viver tal como estou.

É permitido ter necessidades

Repare nas formas como desvaloriza as suas próprias necessidades. Que histórias repete sobre quem é, o que merece e o que tem de tolerar? Estas histórias são-lhe familiares – são, por exemplo, parecidas com histórias que ouviu dos seus cuidadores na infância? Ou com histórias que ouviu de antigos parceiros ou amigos?

“Todos somos capazes de amar, mas algumas pessoas precisam de ajuda para encontrar o amor” – Anna Machin
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Muitas vezes, sem nos apercebermos, repetimos mensagens antigas e negativas sobre as nossas necessidades. Se nos foi dito, quando éramos crianças, que «temos de nos desenrascar» ou que somos "demasiado sensíveis", essas mensagens podem tornar-se o mantra dos julgamentos que fazemos de nós mesmos. De igual modo, se um ex-companheiro nos acusou de estarmos a "exagerar" ou a ser "exigentes" sempre que expressávamos uma simples necessidade, as suas palavras podem ecoar muito tempo depois de ele ter saído da nossa vida.

Romper com o padrão de agradar aos outros exige reescrevermos estas narrativas. As nossas histórias passadas julgavam-nos, envergonhavam-nos e menosprezavam-nos por termos necessidades. As nossas novas histórias vão normalizar as nossas necessidades e enaltecer-nos por fazermos o trabalho difícil e imprescindível de lhes dar prioridade.

As nossas novas histórias podem incluir:

Depois de muitos anos a negligenciar-me, dar prioridade às minhas necessidades físicas e emocionais é a forma de mostrar cuidado, amor e respeito por mim.

É-me permitido precisar de mais do que apenas o mínimo necessário para sobreviver. Posso precisar de coisas que contribuam para o meu bem-estar geral.

As dificuldades das outras pessoas não excluem o facto de eu também ter necessidades. Cuidar das minhas próprias necessidades não significa que estou a ignorar os problemas dos outros.

Cuidar de mim dá-me a energia e a força de que preciso para ser um bom amigo, parceiro e membro da família.

No início, estas novas histórias podem fazer-nos sentir desconfortáveis ou parecer completamente falsas, mas não precisamos necessariamente de acreditar nelas para as pôr em prática. Podemos perguntar-nos: Se eu acreditasse em pleno nesta nova história, como é que agiria? A nossa resposta oferece-nos a orientação para seguirmos em frente.

Como veremos no capítulo 5, por vezes precisamos de agir para conseguir uma nova forma de sentir, em vez de esperar sentir para conseguir uma nova forma de agir. Pouco a pouco, os vestígios da autocrítica são substituídos pela satisfação e pelo respeito que surgem quando confiamos em nós próprios para dar prioridade às nossas necessidades.

Exercícios para darmos respostas às nossas necessidades

Ao praticar a identificação das suas necessidades, considere integrar alguns dos exercícios simples que se seguem na sua rotina diária.

Ouça as emoções incómodas

Faça uma lista de todas as emoções incómodas que sentiu na última semana: raiva, tristeza, frustração, ressentimento, etc. Para cada ocorrência dessa emoção, tente identificar uma necessidade não satisfeita por detrás. Se precisar, consulte a "Lista das Necessidades Básicas", apresentada anteriormente neste capítulo.

Combater a procrastinação

Se tem o hábito de procrastinar a resposta às suas necessidades, pondere: Especificamente, que necessidades físicas, emocionais ou relacionais é que adio com frequência? Escreva as necessidades que identificar.

A sua lista pode incluir tarefas como marcar consultas médicas, comprar artigos para a casa, comprar alimentos frescos, aumentar o aquecimento quando está frio ou comprar roupa adequada para a estação. Da sua lista, escolha uma necessidade que adia regularmente e comprometa-se a dar-lhe prioridade esta semana.

“Muito cuidado com a frase, ‘luta pelos teus ideais e sonhos porque vais conseguir’” – Psicóloga Silvia Álava
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Lorraine é enfermeira num hospital muito movimentado. Quando chega ao fim do turno de doze horas, está exausta: leva algumas barras de cereais da sala de descanso para jantar, compra uma garrafa de vinho no caminho para casa e adormece em frente à televisão ainda com a roupa do hospital vestida. Nos dias de folga, é habitual ajudar a irmã gémea a tomar conta dos dois filhos pequenos. Lorraine é genuína no amor que sente pelas outras pessoas e é excecionalmente competente a cuidar delas, mas tem dificuldade em investir a mesma energia para cuidar de si própria.

Nos últimos meses, Lorraine tem-se sentido cada vez mais letárgica e esgotada. Sente estar à beira de um burnout. Na folga seguinte, reflete sobre as necessidades que habitualmente adia. Raramente vai às compras e o frigorífico está sempre vazio. Tem uma dor de costas que se tem agravado nos últimos meses e precisa de ir ao médico. Além disso, não se lembra da última vez que tirou um dia para recuperar da semana difícil.

Logo a seguir a ter elaborado esta lista, Lorraine aproveita o impulso e telefona ao seu médico. Com a consulta marcada, apercebe-se de uma estranha sensação de orgulho por ter levado a cabo uma tarefa que por norma adia. Esse sentimento de regozijo é tão satisfatório que a motiva a ir até à mercearia mais próxima e encher o frigorífico.

Tal como aconteceu com Lorraine, beneficiamos ao satisfazer necessidades que há muito adiamos. Quando as procrastinamos, temos uma sensação de quebra de confiança em nós próprios: há algo que precisamos de fazer e que ainda não fizemos, o que nos leva a ser autocríticos e, ironicamente, a sentirmo-nos mais sobrecarregados do que nos sentiríamos se simplesmente completássemos a tarefa. Ao dedicar algum tempo a dar resposta a uma simples necessidade, ensinamo-nos que conseguimos cuidar de nós, o que nos inspira a fazê-lo mais.

Pare de tentar agradar aos outros
Pare de tentar agradar aos outros créditos: Albatroz

Reconheça histórias passadas

Tente perceber se há alguma necessidade que tenha dificuldade em admitir. Talvez sinta falta de mais afeto na sua relação amorosa, de mais descanso da sua agenda preenchida ou de mais tempo longe dos amigos e da família. Para cada caso destes, pergunte-se: Porque é que eu acho que não tenho direito a esta necessidade? Repare se as suas respostas ecoam mensagens que recebeu dos seus cuidadores no início da vida. Depois, tente substituir essa velha história por uma das novas histórias que concebeu no início do capítulo.

Desde criança que Maia é sensível a ruídos altos e ambientes agitados: incomodam-na. Agora, como jovem adulta, muitos dos seus amigos gostam de ir a discotecas e a concertos, dois eventos que ela tem dificuldade em apreciar.

Quando a sua amiga Tessa sugere irem a uma discoteca na sexta-feira à noite, Maia não se sente confortável em dizer-lhe que prefere ambientes mais calmos. Ela pergunta-se: Porque é que eu acho que não tenho direito a esta necessidade?

Para Maia, a resposta é óbvia. Quando era pequena, era frequente chorar quando os pais a levavam a sítios barulhentos como o centro comercial, um restaurante movimentado ou uma festa. Em vez de a acalmarem, os pais da Maia desconsideravam, dizendo-lhe que ela era "demasiado sensível" e que «só precisava de relaxar». Maia interiorizou a ideia de as suas necessidades sensoriais não serem realmente necessidades; apenas aspetos indesejáveis de si que precisa de corrigir.

Agora, no entanto, Maia está a tentar respeitar as suas necessidades, substituindo a sua história passada – Sou problemática por ser sensível – por uma nova: É-me permitido necessitar de mais do que apenas o mínimo para sobreviver. É-me permitido necessitar de coisas que contribuem para o meu bem-estar geral.

Maia respira fundo, reconhece o nervosismo que sente e envia uma mensagem a Tessa. Na verdade, acho a discoteca sufocante: tem muito barulho! Podemos antes ir a outro lado beber uns copos? Adorava poder conversar e pôr os assuntos em dia. Fica agradavelmente surpreendida com a resposta de Tessa: Oh, sem problema! Claro que sim. Vamos àquele sítio ao fundo da rua.

Mantenha um registo do seu progresso

Num diário, ou no telemóvel, registe sempre que conseguir satisfazer necessidades mais complicadas. Pode ser dar prioridade a uma consulta médica ou dentária que estava a negligenciar, comprar um artigo doméstico de que estava a precisar ou reservar tempo para descansar no meio de uma agenda preenchida. Não se esqueça de rever a lista quando precisar de se lembrar dos progressos que tem feito.