Compreender Vénus para lidar melhor com as alterações climáticas, descobrir a origem do metano em Marte, decifrar nos cometas a pré-história do sistema solar. E aproveitar em cada uma destas missões as descobertas que tornam a vida na terra mais fácil. O espaço é hoje um imenso campo de investigação científica onde há novos dados todos os dias. E os portugueses também dão cartas na matéria!

Andar com a cabeça na lua, a anos-luz de alguma coisa ou passar o tempo a ver estrelas nem sempre são sinónimos de distração ou o resultado de uma pancada mais forte. Todos os dias, físicos, astrónomos, astronautas e uma série de investigadores de todo o mundo trabalha para compreender o espaço e, com isso, tornar melhor e mais compreensível a vida na Terra. A ambição é enorme.

Da NASA, a agência espacial norte-americana, à Agência Espacial Europeia (ESA), passando pelos russos das Roscosmos e pelos centros de investigação como o português Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, há centenas de programas de investigação em curso que tentam compreender as leis do universo em que nos movemos.

Quando, a 4 de julho de 2016, a sonda Juno entrou na órbita de Júpiter após quase cinco anos de viagem, o momento foi seguido com a respiração suspensa no centro de controlo da NASA. Não só aquela era uma manobra difícil como em causa estavam milhões de dólares e anos de investigação. Até 2018, a Juno, a segunda sonda na história a entrar na órbita de Júpiter, vai estudar a dinâmica e composição da atmosfera do planeta.

Vai também tentar compreender o seu muito potente campo magnético. «Há um modelo e evidências científicas que mostram que na zona nuclear de Júpiter existe hidrogénio na forma metálica. Mas não sabemos se existe um núcleo rochoso sólido. Parte da missão da Juno é tentar esclarecer esta questão», afirma Pedro Machado do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IACE).

Esta instituição colabora com a Juno com observações a partir da Terra. E se esta iniciou a sua missão de recolha de dados em meados de 2016 chega ao fim a missão Roseta, da AEE, que tem estudado o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko que circula entre Júpiter e Marte. A 30 de setembro, a sonda fez uma descida controlada à superfície durante a qual captará imagens de alta resolução do cometa, cessando a comunicação com a Terra ao chegar ao solo.

Conhece-te a ti mesmo

O estudo dos cometas é de importância capital na investigação espacial uma vez que permite fazer uma espécie de arqueologia do sistema solar. «Estes pequenos corpos não foram alterados geologicamente porque têm uma massa muito pequena e os materiais que os compõem são os materiais primordiais do sistema solar», explica Pedro Machado. Outra das formas de entender melhor o sistema solar são as chamadas ocultações estelares.

Estes são fenómenos que ocorrem quando um dos elementos da cintura de asteroides localizada entre Marte e Júpiter ou um dos chamados corpos transneptunianos passa em frente a uma estrela. «As observações são importantes para estudar a forma, a densidade e a eventual presença de atmosfera residual nestes corpos, o que é importante para o estudo da formação do sistema solar e dos planetas em geral», diz Pedro Machado.

«Além disso, permite-nos criar um modelo geral para estudar as atmosferas planetárias, nomeadamente dos exoplanetas», acrescenta ainda o especialista português entrevistado pela revista Saber Viver que, em julho de 2016, participou na observação da ocultação de uma estrela por Plutão.

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Está aí alguém?

A descoberta da possibilidade de vida extraterrestre continua a fascinar curiosos e cientistas e consta dos objetivos de vários projetos de investigação. É o caso da missão de estudo de Europa, uma das luas de Júpiter, que a ESA tem em preparação. A lua Europa está coberta de gelo mas é, essencialmente, um planeta líquido, já que por baixo da superfície encontra-se uma massa de água dez vezes superior à da Terra.

«Devido à proximidade de Júpiter, as correntes de maré geram atrito e causam aquecimento. A água por baixo da camada de gelo deve estar a cerca de 20º C, quase como num spa, que é compatível com a vida como nós a conhecemos», refere Pedro Machado. Também as luas de Saturno podem revelar dados importantes. Uma delas é Titã, com uma atmosfera 1,5 vezes mais densa que a da Terra.

Uma lua onde existem nuvens, chuva e foram detetados lagos de hidrocarbonetos. Moléculas complexas, semelhantes às que, por regra, se associam à vida. A isto, juntam-se geysers que lançam água para o espaço. Mas é a lua Encélado que mais curiosidade desperta. A sonda Cassini descobriu os primeiros geysers no pólo sul desta lua. Hoje, estão identificados mais de cem.

No ano passado, em 2015, a sonda voou através dos geysers e analisou a água expelida. Mais uma vez foi detetada a presença de moléculas complexas (moléculas pré-bióticas) que veio juntar-se à presença de metano detetada anteriormente.

A isto, Pedro Machado acrescenta ainda outra descoberta recente. «Percebeu-se há pouco tempo que a ejeção por criovulcanismo faz com que estas moléculas saiam do planeta e possam ser capturadas por outras luas, passando de um corpo celeste para o outro», refere.

O fascínio de Marte

Como diz Pedro Machado, com humor, «em Marte há uma profusão de missões… Há tantos rovers há superfície que quase são necessários sinais de trânsito e semáforos». Com uma inclinação de eixo muito semelhante à da Terra (em Marte também há estações do ano) e uma rotação de quase 24 horas, Marte é, em muitos aspetos, considerado um gémeo do nosso planeta.

Contudo, o ar é muito rarefeito. A pressão atmosférica é 1% da pressão da Terra. E é também frio. A atmosfera está exposta aos chamados ventos solares que tornam a vida humana impraticável. No entanto, dadas as semelhanças entre os dois planetas, as descobertas recentes de água e metano em Marte vieram aguçar ainda mais a curiosidade.

«Já sabíamos há muito tempo que havia água em Marte, sob a forma de vapor de água e gelo. Agora descobriu-se que, em algumas alturas do ano, há água líquida. Quando se fala assim começamos a imaginar o Tejo, o Ganges… Não é nada disso! São algumas gotículas que escorrem na altura do degelo e que se mantêm em estado líquido durante um tempo muito curto», explica o investigador.

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Os indícios que apontam para a existência de vida em Marte

Dada a baixa pressão (que faria a água passar diretamente do estado sólido para o gasoso) e as temperaturas baixas a de água em estado líquido só é explicada pela presença de percloratos (sal). Sendo a água um solvente que permite a aglomeração de partículas e o aparecimento de moléculas associadas à vida, mais uma vez é levantada a hipótese da existência de vida em Marte que, para alguns investigadores, é reforçada pela presença de metano.

«Foi descoberto metano com variabilidade temporal e espacial, medida quer pelas sondas espaciais quer pelo rovers. Na Terra, a maior parte do metano é de origem biológica e isso levou a que se colocasse a hipótese de existir vida microbiana em Marte ou que tivesse havido vida no passado», explica Pedro Machado, que levanta a hipótese do metano ter origem geológica e sazonal.

Para fazer luz sobre o assunto, foi lançada a sonda ExoMars, numa missão conjunta da ESA e da Roscosmos. O principal objetivo é descobrir a origem do metano e os motivos da sua variabilidade. Também a NASA vai continuar a explorar Marte, com a Missão Mars 2020, que colocará um novo rover, o substituto do Curiosity, na superfície marciana. No mesmo ano, também a China vai colocar um veículo no planeta vermelho, para recolha e análise de dados.

Os maiores receios dos especialistas

Em paralelo, a toda a atividade científica decorre o muito criticado projeto Mars One, uma iniciativa civil que pretende criar um colonato permanente em Marte a partir de 2018. Mistura entre reality show e experiência científica, o projeto do holandês Bas Lansdorp tem já selecionados os primeiros cem voluntários. Para Pedro Machado, não restam dúvidas. «É um suicídio assistido que espero não vá para a frente», diz.

Para o investigador, a longo prazo é desejável que seja feita uma missão em Marte e, antes disso, na Lua, para a qual a ESA já tem um projeto. Mas de forma estruturada e com investigadores credenciados que conduzam experiências científicas que permitam, entre outras coisas, desenvolver as capacidades de adaptação do ser humano em meios confinados e em suporte de vida.

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Estudar o espaço para compreender a terra

E se a investigação espacial revela muito sobre o universo, uma vez que estão já referenciados mais de 3.000 exoplanetas e em maio de 2016 uma equipa internacional de investigadores, detetou a mais distante e mais fraca galáxia do universo, a verdade é que muito do que é descoberto no espaço é essencial para melhorar a vida na Terra. As investigações realizadas em Vénus são disso exemplo.

Com temperaturas a rondar os 460ºC, enormes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera e chuvas de ácido sulfúrico, Vénus é, felizmente, muito diferente da Terra. Mas fornece dados importantes para conhecer melhor o efeito estufa e as alterações climáticas.

«São as grandes quantidades de dióxido de carbono as responsáveis pelo efeito estufa que fez com que se perdesse completamente a água que em tempos existiu no planeta», refere Pedro Machado. Foi aliás em Vénus que foi feita a primeira associação entre o dióxido de carbono e o efeito estufa, por Carl Sagan.

Atualmente, a atmosfera de Vénus continua em estudo. A Vénus Express, da AEE, terminou a missão em 2015 e conseguiu realizar a medição do vento que transporta a energia das zonas mais quentes no equador para as latitudes mais altas. Algo que até agora tinha sido impossível de conseguir, num projeto em que participaram investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.

O instituto está também a colaborar com a missão japonesa que conseguiu pôr a sonda Akatsuki em órbita no final do ano passado, depois de uma tentativa falhada em 2012. Em janeiro de 2016, Pedro Machado viajou para o Havai onde iniciou a série de observações coordenadas entre o telescópio CFHT (Canada France Hawaii Telescope), na montanha de Mauna Kea e a Katsuki, com que os investigadores portugueses irão contribuir para o projeto.

O espaço de todos os dias

Muita da tecnologia que usamos hoje, da medicina, passando pelas telecomunicações e pelo desporto, apareceu nas nossas vidas graças à investigação espacial. Só na Estação Espacial Internacional decorrem, em simultâneo, mais de 200 experiências científicas, algumas das quais poderão vir a alterar o nosso dia a dia, como é o caso dos estudos sobre a osteoporose e os processos de envelhecimento.

No passado, tecnologias desenvolvidas pela astrofísica, foram depois aplicadas à medicina, nomeadamente o efeito doppler, hoje essencial na análise do sistema vascular humano. As telecomunicações são das áreas que mais tem beneficiado com a investigação espacial. As fotografias tiradas com telemóvel tornaram-se comuns, mas a tecnologia que os torna possível foi desenvolvida primeiro para os telescópios astronómicos.

E, depois de na missão Roseta, a tal que aterrou a 30 de setembro num cometa, ter sido desenvolvida a capacidade de emitir e receber sinais de tão baixa potência, é de esperar, que dentro de alguns anos, ocorra uma verdadeira revolução nas telecomunicações.

Outro exemplo está associado ao desporto e ao material usado nas raquetes de ténis, um tipo de cerâmica leve mas ultrarresistente inicialmente desenvolvido para o vaivém espacial e que hoje permite projetar bolas que podem chegar aos 230 quilómetros por hora… Ainda distantes da velocidade da luz. Mas para lá caminhamos…

Texto: Susana Torrão