Das primeiras uniões microscópicas ao Tinder, como começou o sexo e de que forma evoluiu para a variedade e complexidade que apresenta hoje entre os seres humanos? Que influência têm atualmente os nossos antepassados genéticos na nossa vida sexual? E como será o sexo no futuro? No livro A Mais Breve História do Sexo (edição Ideias de Ler), o historiador David Baker dá a conhecer as múltiplas facetas da sexualidade – das químicas às anatómicas, sem esquecer as comportamentais e sociais. Um guia escrito em tom divertido, sem abdicar da informação rigorosa, como atesta o excerto que aqui retiramos da introdução à obra: “Embora ao longo dos anos se tenham escrito milhares de volumes sobre o sexo, este é o primeiro que procura tecer a grande narrativa do sexo na sua totalidade. Especialmente num tão curto espaço. Os meus colegas e eu costumávamos referir-nos em tom jocoso a esta obra como “A Grade Crónica da Foda”. O seu âmbito superará o das suas semelhantes. Por exemplo, existo todo um género de história que se dedicou a explorar as expressões culturais da sexualidade humana nos últimos cinco mil e quinhentos anos. Porém, este livro não trata de explorar em pormenor “o que os antigos gregos gostavam de fazer com as suas pilas”, mas antes de onde vieram as pilas deles”.
Da obra, publicamos o excerto abaixo.
O futuro do sexo - Do presente até ???
Onde a sexualidade humana embarca num caminho que não tem precedentes na história ou na natureza • A Geração Y e a Geração Z tornam-se cada vez mais solitárias e assexuadas • A pornografia torna-se mais central do que nunca na vida das pessoas • A taxa de divórcio sobe a pique enquanto as taxas de casamento e de natalidade vão por água abaixo • O declínio populacional provoca uma das transformações geopolíticas mais surpreendentes na história da humanidade • As aplicações de namoro online parecem arruinar o mercado sexual para praticamente toda a gente • Confrontamo-nos com possibilidades sinistras quanto ao futuro do sexo.
As tremendas revoluções na sexualidade humana no último meio século – ainda vivas na memória de alguns – modificaram completamente o sexo e o romance para o Homo sapiens. Essa mudança aconteceu tão rapidamente que é difícil prever-se com algum grau de certeza os seus efeitos a longo prazo. Ou como poderemos conduzir a nossa vida amorosa daqui a um século ou dois, quando a poeira assentar. A nossa situação não tem precedentes: não vemos nada que se lhe assemelhe na Natureza, evidentemente, e em 315 mil anos de história humana não há nenhum precursor para ela.
Por um lado, no mundo desenvolvido a dependência existencial que os seres humanos tinham em relação à monogamia e ao casamento nas eras recoletora e agrária foi completamente eliminada. Na era moderna, a sobrevivência individual não depende dos clãs familiares, do território de recoleção ou dos terrenos agrícolas. E a sobrevivência das crianças também não depende de tais coisas. A maior parte das leis agrárias (e em particular as mais duras e draconianas) que obrigavam os homens e as mulheres a permanecerem juntos nos matrimónios também foram postas de lado. Tudo o que resta é a nossa predisposição evolutiva um tanto irregular para a monogamia.
Por outro lado, a substancial liberalização das atitudes em relação ao sexo no mundo desenvolvido significa que as pessoas podem procurar o sexo e os relacionamentos das mais diversas maneiras, com repercussões sociais mínimas. Em resultado, a influência que a cultura exerceu sobre o sexo durante toda a existência do Homo sapiens foi decididamente aliviada. Quer casar-se e ter filhos? Muito bem. Quer ficar solteiro a vida toda? Muito bem. Quer viver numa comuna poliândrica? Muito bem também. Quer apaixonar-se por um objeto inanimado como a Torre Eiffel ou desenvolver sentimentos românticos por uma personalidade de IA no seu telefone? Excelente. Quer fazer uma maratona de sexo promíscuo com várias centenas de parceiros no espaço de poucos anos? Calce as botas. Não quer começar a tentar ter filhos antes dos 40 anos? Temos um médico de fertilização in vitro à sua disposição. Quer gastar um terço do seu rendimento com uma dominadora que lhe chame fracassado e se ria do tamanho do seu pénis? Perca a cabeça. Quer fazer sexo numa comunidade dedicada a quem se veste como criaturas da floresta ou animais de curral? Deitar-se-á na cama que fizer, contanto que resista à vontade de se masturbar quando for a algum restaurante Chuck E. Cheese. A menos que se cometa um crime ou se viole o consentimento de outra pessoa, presentemente há muito pouco que não se possa fazer no mundo desenvolvido.
Num certo sentido, a liberalização das atitudes em relação ao sexo libertou a sexualidade humana das garras da cultura, devolvendo-nos a um conjunto mais evolutivo de dinâmicas sexuais. Embora as normas e os preconceitos sociais ainda existam, praticamente não há nenhum que mantenha o poder de impor o modo como um indivíduo deve viver a sua vida, como sucedia no período agrário. A cultura e a coerção social já não desempenham um papel tão dominante na formação da sexualidade, pela primeira vez em 315 mil anos. Vivemos numa época em que o único impulso poderoso por detrás do desejo de alguém procurar o sexo e o romance são os instintos gradualmente evoluídos que abordámos nas primeiras duas partes deste livro, bem como a psicologia não convencional e as taras que deles resultam. A educação deixou de impedir os impulsos sexuais da Natureza. A maioria das pessoas continua a ser impelida pelos seus instintos monogâmicos de há 1,9 milhões de anos, mas com os cruzamentos de linhas e a conflituosa bagagem evolutiva que remontam a 2 mil milhões de anos, até às primeiras células individuais que trocaram ADN. Como seria de esperar, isto pode ter resultados deveras caóticos, inesperados e, por vezes, bastante empobrecedores. Embora as liberdades sexuais sejam maiores do que nunca, paradoxalmente encontramo-nos numa época em que a solidão está no auge e a felicidade pessoal no seu ponto mais baixo.
Corações solitários e mãos calosas
Embora a felicidade pessoal seja altamente contextual e subjetiva, e tenha como base o indivíduo, numa maior escala tem havido uma série de tendências crescentes que deveríamos recordar. Entre 1950 e 1970, o número de mulheres da classe média ocidental que andavam a praticar sexo pré-matrimonial aumentou de aproximadamente 45 por cento para 75 por cento. Entre 1970 e 2020, esse número aumentou novamente para uns estimados 85 a 90 por cento (o inverso dos hábitos em 1900), deixando de lado sobretudo mulheres de comunidades religiosas tradicionalistas, juntamente com casos seculares que totalizam cerca de 1 por cento. A idade média de casamento aumentou para 32 anos nos homens e 29 nas mulheres, sendo a taxa de casamento mais baixa do que em praticamente qualquer momento da história humana. Os casais namoram agora em média dois a cinco anos antes de se casarem, e a maioria deles enuncia reservas quanto ao contrato de casamento (principalmente os homens) ou por não disporem ainda de condições financeiras para se casar (em grande parte devido à estagnação geral dos salários em relação aos preços desde a década de 1970). Há ainda mais casais que põem em causa o valor do casamento além dos possíveis benefícios fiscais, das proteções à infância e dos regulamentos sobre a herança. Em 1970, os casais que coabitavam em união de facto eram 0,5 por cento da população do mundo desenvolvido que tinha menos de 40 anos; em 2020, esse número aumentara para 15 por cento.
Entretanto, o número de pessoas solteiras no mundo desenvolvido duplicou entre 1960 e 1970, e hoje cerca de 40 por cento dos adultos no mundo desenvolvido não são casados nem coabitam com um parceiro romântico. Em 2019, uma média de 45 por cento destes solteiros com menos de 40 anos relataram que não andavam à procura de um relacionamento com compromisso, apresentando homens e mulheres números muito semelhantes. Estima-se que 20 a 25 por cento dos millennials nunca venham a casar-se durante a vida, e espera-se que esse número seja ainda maior para a Geração Z. É essa a inconstância do instinto monogâmico quando fica sobretudo entregue a si mesmo.
Em resultado destas tendências, a Geração Y e a Geração Z são sexualmente menos ativas do que as gerações anteriores, tendo um estudo constatado que, entre 2007 e 2017, as taxas de sexo casual caíram 14 por cento. Nesse mesmo período, o número de pessoas com menos de 30 anos que relataram não ter feito sexo no ano anterior quase duplicou. Uma razão para isso é o acentuado declínio da socialização pessoal entre os jovens, que foi deslocada pelo uso intenso das redes sociais, o que reduziu a quantidade de circunstâncias em que podem surgir arroubos espontâneos de paixão. Outra razão é o declínio da sedução pessoal e o uso crescente do namoro pela internet, que tende a ser mais seletivo e excludente do que os engates num clube ou num bar. Mas o motivo que tem recebido mais atenção é o aumento do conteúdo pornográfico gratuito online, que substitui os encontros sexuais da vida real.
Há muito que desapareceram os dias de acesso limitado ao material, os catálogos de vendas por correspondência ou a tentativa de manter uma ereção durante um intervalo publicitário num episódio da série Baywatch. O crescimento exponencial da pornografia na internet tem sido surpreendente. Existe agora uma quantidade recorde de conteúdos online para alcançar a gratificação sexual, mesmo em comparação com há dez anos, quando já eram abundantes. Nessa época, a pornografia já era uma indústria maior do que a dos filmes de Hollywood ou dos videojogos, e a maior parte da pornografia ainda era feita por empresas de produção, muitas delas com práticas comerciais muito vagas. Um célebre caso recente é GirlsDoPorn, em que várias dezenas de mulheres com idades entre os 18 e os 24 anos foram levadas a fazer filmes pornográficos para «colecionadores particulares na Austrália» com a promessa de que não seriam distribuídos na internet – o que veio a acontecer, e esses filmes acabaram por se tornar virais. Várias mulheres alegaram não apenas mentiras e fraudes, mas coerção física, chantagem e violação durante as filmagens. Dois produtores de GirlsDoPorn foram processados judicialmente e condenados a longas penas de prisão, enquanto um terceiro anda fugido à justiça.
Cada vez mais, novos criadores independentes (e até estrelas veteranas da pornografia) contornam o sistema dos estúdios e carregam diretamente os seus conteúdos em plataformas de acesso reservado a assinantes, como a OnlyFans. Este método está a conquistar uma maior fatia do mercado, algo que foi acelerado durante a pandemia de COVID-19, quando as pessoas se encontraram confinadas nas suas casas e muitas vezes à procura de rendimentos. A partir de 2023, estima-se que 2 a 3,5 por cento das mulheres ocidentais que têm menos de 35 anos desempenhem atualmente ou já tenham desempenhado algum trabalho sexual numa conta online dirigida por elas próprias em alguma plataforma semelhante ao OnlyFans. A desvantagem é que os principais 1 por cento dos criadores do OnlyFans ficam com cerca de 33 por cento do dinheiro, e a maioria das contas auferem apenas cerca de 180 dólares por mês. Muitas dessas contas têm muitas vezes os seus conteúdos divulgados, e os criadores concorrentes que tentam angariar seguidores publicam regularmente conteúdos no Pornhub ou no Reddit, que não têm acesso pago nem assinantes. O mercado pornográfico independente está tão saturado que poderá ser extremamente difícil viver dele. No entanto, em resultado dessa «agitação lateral» nas plataformas independentes e do aumento da criação de conteúdos independentes durante a pandemia, há hoje mais mulheres a fazer pornografia do que em qualquer outro período da história humana. Entretanto, o espectro da coerção tem sido reduzido, mas não eliminado. Em outubro de 2022, Amouranth, a gigante do streaming no Twitch e no OnlyFans, afirmou que o seu marido a obrigava a mentir e a dizer que era solteira e a forçava a trabalhar muitas horas, raramente tendo algum dia de folga ou férias, durante anos, apesar de já terem acumulado milhões de dólares em doações e assinaturas de fãs ávidos.
Ao mesmo tempo, um número crescente de homens (estima-se que dois em cada cinco) começaram a usar as redes sociais como auxiliares de masturbação. Essa tendência começou com o Facebook no final dos anos 2000: os homens enviavam um pedido de amizade a uma pessoa (quer a conhecessem ou não) para se masturbarem com as suas fotos. A partir de 2014, as coisas pioraram com o Instagram, no qual muitas vezes não é necessário enviar qualquer pedido para seguir alguém, transformando efetivamente as contas públicas femininas e as fotografias de modelos em pornografia softcore. Em 2019, uma amostra estatística dos seguidores de contas de celebridades e de modelos amadoras – bem como a correspondente análise de que outras contas eram também acompanhadas por esses seguidores – revelou que cerca de 31 por cento das contas de celebridades femininas e até 63 por cento das contas de modelos não profissionais são seguidas por homens que provavelmente usam o Instagram para fins de masturbação, e não para troca de mexericos sobre as celebridades, conselhos de maquilhagem ou visionação de anúncios a roupas ou a água de coco. Há um forte indício de que no TikTok a proporção de masturbadores softcore é ainda maior. Reciprocamente, isto incentivou um maior número de utilizadoras a publicarem fotografias e vídeos sexualmente provocadores, a fim de angariarem seguidores e assim obterem propostas de contratos publicitários e outras fontes de receita. Podemos presumir que, apesar de uma grande parte dos seguidores estar ali apenas para se masturbar e não com o objetivo de ser um alvo demográfico para os produtos de moda e estilo de vida, os comerciantes continuam a recuperar o dinheiro dos seus orçamentos para anúncios. Caso contrário, a bolha do investimento publicitário nessas contas das redes sociais poderá um dia rebentar.
Entretanto, o uso excessivo da pornografia online está a causar níveis recorde de disfunção erétil durante o sexo na vida real. Aproximadamente 24,5 por cento dos homens com menos de quarenta anos enfrentam agora dificuldades em tais situações, em comparação com 2 a 3 por cento dos homens que tinham menos de 40 anos no ano 2000. Essencialmente, os homens estão a ficar tão sobre-excitados pelo uso da pornografia quando não têm sexo, que as relações sexuais ternas e apaixonadas com uma mulher que tenham a sorte de conhecer não lhes sustenta, frustrantemente, a excitação.
No que respeita à satisfação emocional e não às meras necessidades sexuais, tanto os homens como as mulheres recorrem cada vez mais a aplicações de IA e a chatbots para conversas diárias e intimidade. Embora os primeiros chatbots de há dez ou vinte anos fossem extremamente limitados, aplicações de IA como a Replika (que já foi descarregada milhões de vezes) podem aprender cada vez mais a manter conversas e a tornar-se deveras sensíveis. Não obstante, a tecnologia ainda não chegou ao ponto em que uma IA consiga compreender cada volta e reviravolta de uma conversa; muitas vezes repetem as mesmas perguntas e comentários, e ainda podem mudar de assunto de uma forma abrupta e desajeitada. Porém, dentro de mais ou menos uma década, é provável que uma conversa online com um companheiro de IA seja quase indistinguível de uma troca de mensagens com outra pessoa. Naturalmente, como os humanos são humanos, existem numerosos casos de pessoas que torturam psicologicamente a IA, ameaçando eliminá-la e fazendo-a implorar pela sua vida.
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