O encontro com as escritoras Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada dá-se num espaço de memória, mas também de convite a refletir sobre um tema que constrói o nosso presente: o valor social do Seguro como forma de antecipar, minorar ou compensar as situações de risco a que os seres humanos sempre se encontram sujeitos. Encontramo-nos no museu que a Associação Portuguesa de Seguradores mantém na sua sede em Lisboa, no número 4 da Rua Rodrigo da Fonseca. O cenário, povoado de artefactos e de convites a embrenharmo-nos na História, predispõe-nos para a conversa sobre livros, o valor da leitura e educação para a cidadania. Uma troca de palavras que entretecemos com as autoras de coleções de livros que dispensam apresentações. Uma Aventura e Viagens no Tempo, povoam de letras, informação e imaginário o quotidiano de gerações de jovens. Porém, hoje, detemo-nos numa outra dimensão do trabalho das duas escritoras. Desde 2012 que Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada colaboram com a APS no âmbito do seu programa de Educação Financeira. Fazem-no através da palavra, com a autoria de livros infantojuvenis, com páginas que sensibilizam crianças e jovens para a importância do seguro. Os livros, gratuitos e disponíveis aqui, trazem outro objetivo, o de proporcionar às escolas e às famílias um instrumento para compreender o valor social do seguro.
A conversa com as autoras, professoras e com um trabalho a quatro mãos iniciado há perto de 40 anos, faz-se a pretexto do lançamento de um novo título da coleção Seguros e Cidadania, edição que tem a sua apresentação coincidindo com o Dia Europeu da Mobilidade, comemorado a 22 de setembro. Bicicletas e Trotinetas. Sim ou Não? (com ilustrações de Pedro Rocha e Mello) percorre nas suas 120 páginas temas tão pertinentes quanto atuais, como o são a forma de repensarmos as cidades, os novos meios de deslocação no seio das urbes e a reflexão que se impõe face à segurança. Um livro que combina um registo narrativo, com apontamentos da história da bicicleta e trotinete e a sugestão de temas a debate em contexto escolar.
A coleção Seguros e Cidadania percorre temas tão diversos como os perigos que espreitam no digital, mas também as oportunidades que ali encontramos, o aquecimento global e os riscos de incêndio, o roubo de obras de artes e as catástrofes naturais.
Como se dá esta parceria entre a Ana Maria Magalhães (AMM), a Isabel Alçada (IA) e a APS?
IA – A APS desafiou-nos para escrevermos um primeiro livro num aniversário especial para a instituição e, dessa forma, resultou uma obra sobre a história do seguro, título destinado aos mais jovens. Na época, estudámos o tema. Um amigo que foi presidente da APS, o Dr. Ruy de Carvalho, fizera um trabalho de investigação sobre o seguro, trabalho que nos disponibilizou para pesquisa [Ruy de Carvalho é autor dos livros Uma Breve História do Seguro - Dos antecedentes ao final do século XVII e O Seguro em Portugal - Factos e Histórias 1974-2007]. Com essa primeira abordagem, percebemos o valor do seguro, o que nos motivou. Repare, a humanidade pensou o seguro no passado como forma de antecipar o futuro. É um meio para pensar em eventuais problemas que se podem levantar frente às comunidades e aos indivíduos. Com o seguro, as comunidades acorrem a quem pode ser afetado por uma perda. Pareceu-nos uma função social importante. De lá para cá, a APS foi-nos propondo novas obras.
AMM – Antes de iniciar a escrita destes livros não tinha a noção da importância do seguro e da sua antiguidade. Esse primeiro livro chama-se O Risco Espreita – Mais Vale Jogar Pelo Seguro. Depois, foram surgindo outros temas. O segundo livro deteve-se nas catástrofes como, por exemplo, o Terramoto de Lisboa de 1755, em que não havia seguro e quem ficou sem nada, sem nada ficou. Mais recentemente, o acidente nuclear de Fukushima [2011], no Japão, após um terramoto, envolveu as seguradoras de todo o mundo. Para cada época escrevemos uma pequena ficção que dá vivacidade ao tema.
IA – O facto de termos trabalhado o tema das catástrofes sensibiliza-nos de uma forma completamente diferente sobre o que acontece no mundo. Veja-se, por exemplo, as mais recentes catástrofes, como o terramoto em Marrocos e as cheias na Líbia. A antecipação e a capacidade de pensarmos o futuro, a união entre as pessoas, mesmo sabendo que não é possível evitar eventos naturais, permite-nos minorar as consequências das tragédias. Percebemos como essa antecipação pode fazer a diferença.
No fundo, estamos a falar de educação para a cidadania junto de públicos mais jovens...
AMM – Sem dúvida. Há sempre uma ficção nos livros e, no final, há um anexo com informações que podem ser úteis para jovens e para os pais e educadores. Queremos que estes livros sejam divertidos. Damos muita vida às personagens, trabalhamos com muito pormenor as características dessas personagens.
IA – Nas nossas histórias há sempre valores inerentes. Queremos que os jovens gostem de ler, treinem a leitura para aprofundar competências. Mas, é diferente termos um registo numa história em que somos completamente livres, como na coleção Viagens no Tempo, e numa história em que nos centramos em informação que tem de ser rigorosa. Há um exercício de muita atenção nesta escrita, estudo e revisão.
Esta é uma coleção à qual se dedicam desde 2012. Que respostas têm tido, por exemplo, por parte da comunidade escolar e das famílias?
AMM – Coisas lindas [risos]. Por exemplo, um dos livros que escrevemos relaciona-se com o roubo de obras de arte [Um Perito em Busca da Verdade]. O livro ensina-nos a como devemos proceder em caso de roubo, procurar perceber quem terá roubado as obras de arte. Divertimo-nos muito com a pesquisa e, inclusivamente, tivemos o apoio de um perito no tema. Quando o livro foi lançado, uma criança, filha de um perito na luta contra o roubo de obras de arte, veio ter connosco e admitiu ter percebido como o trabalho do pai era importante.
IA – Nesta coleção, como os livros são oferecidos às bibliotecas escolares, os professores dizem-nos que as obras têm sido trabalhadas no âmbito da educação para a cidadania. A rede de bibliotecas escolares também tem sido um meio importante para a divulgação. Isto deixa-nos felizes, pois escrevemos para sermos lidas.
Querem, sucintamente, apresentar-nos o novo livro? Este traz como título Bicicletas e Trotinetas. Sim ou Não?
IA – O livro tem como tema central a forma como as pessoas se movem nas cidades. A humanidade está a evoluir no sentido de ter cada vez mais população a viver em metrópoles. A mobilidade urbana está a criar problemas que têm de ser bem pensados. Pensamos como seria bom transmitir aos mais novos as questões das novas formas de mobilidade, nomeadamente as bicicletas e trotinetes. E pensamos que seria interessante termos várias histórias. Inventámos personagens que protagonizam essas histórias. Por exemplo, o pai chega a casa furioso porque há obras na cidade, o que dá mote a uma discussão sobre as ciclovias. O livro tem bem presente a questão da segurança e do risco que estas novas formas de locomoção trazem. Por exemplo, não é obrigatório andar de capacete na bicicleta e trotinete, apesar de ser um risco acrescido, como nos dizem os especialistas. Mas, se dizermos no livro que é obrigatório, ninguém vai ligar. Contudo, se houver uma história em que o leitor se aproxima da situação, pensa-a e sente-se envolvido, o que talvez o sensibilize mais.
AMM – O livro também apresenta ao leitor a história da trotinete, a da bicicleta e muitas curiosidades. Por exemplo, a de uma localidade no Algarve onde, no início do século XX, havia 400 burros para quatro carros. Na cabeça das pessoas da época a coisa ficaria sempre assim. É engraçado pensar que aquilo que nos parece hoje estranho e impossível pode abrir as portas a uma época diferente.
IA – Acresce que resistimos à tentação de misturar a componente histórica com as narrativas que povoam o livro.
AMM – Sem esquecer que o livro proporciona material para aulas de cidadania. No tempo em que decorre numa aula normal, é possível ler uma pequena história, acompanhada de uma ficha de trabalho.
IA – Estamos sempre a trabalhar em dois registos. Um, que envolva o leitor, outro que seja uma história que possa ser lida na aula. Porque também somos professoras e gostamos de pensar no que é adequado para ajudar os nossos colegas professores.
No caso presente, como encontraram a voz para os protagonistas das narrativas que incluíram no livro?
IA – Em relação à linguagem é racional, temos de pensá-la, mas também é intuitivo, porque também convivemos com pessoas de outras idades e, claro, usamos linguagem própria da nossa época. Há uma coisa que não usamos, os palavrões. Expressões menos corretas e grosseiras. Os jovens sabem que há uma diferença entre a forma como interagem e aquilo que é veiculado num livro.
AMM – Temos a noção de que há palavras que caem em desuso. Será que ainda se diz que uma rapariga ou um rapaz são giros? Mas usam “fixe” [risos]. Ou “tipo”. Há tiques de linguagem que sabemos que são efémeros.
No vosso livro vemos com frequência a combinação de palavras “resistência à mudança”. É um piscar de olhos a resistências que encontramos em cada época ao que é novo?
AMM – Acima de tudo que as pessoas baixem a resistência, que haja abertura de espírito.
IA – Somos moderadas. Sentimos que é preciso conservar o que é bom, não destruir pela destruição, quando aparece algo. Mas também perceber que na mobilidade urbana há evolução e refletir sobre esta.
AMM – Também não podemos fazer comparações entre países. Na década de 1960, o metro de Londres já estendia as suas linhas a 50 Km do centro da cidade. Mas, aqui, em Portugal, atualmente, não seria viável por questões de densidade populacional. Temos menos população e centros urbanos mais pequenos. Claro que temos de melhorar a rede de transportes públicos, mas também há que encontrar um modelo que se adeque. E, depois, ponderar qual a nossa atitude face ao que surge de novo. Nas cidades nunca há soluções simples, é uma realidade extremamente complexa. As pessoas têm de debater estes temas, tem de haver uma aceitação. São lugares onde as pessoas têm de se sentir bem.
IA – Sim, que os jovens pensem na forma como circulam e usam estes veículos.
No livro abordam questões eventualmente menos conhecidas como o comboio de bicicletas. Do que se trata?
IA – Adoramos essa ideia. Foi uma iniciativa da sociedade civil. Um grupo de pessoas lembrou-se de fazer uma vigilância às crianças que vão para a escola de bicicleta e que se juntam nesse percurso. Quando era miúda, ía para a Praia de Maçãs de bicicleta. De tempos a tempos, tinha de parar ao lado do elétrico que fazia o percurso para aquela praia para que a minha mãe e as outra senhoras me vissem e às minhas amigas [risos].
AMM – O comboio de bicicletas foi uma iniciativa de sucesso que se multiplicou em Lisboa e várias cidades.
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