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Durante décadas, o médico húngaro-canadiano Gabor Maté trabalhou com pessoas com adições, sobretudo em Vancouver, no Canadá, enquanto ele próprio lutava contra os seus demónios. As vivencias e reflexões desses anos levaram-no a escrever No Reino dos Fantasmas Famintos (edição Lua de Papel). O livro inspirou canções e poemas nos Estados Unidos, quadros em Espanha e produções teatrais na Roménia e na Hungria. É usado em instituições de ensino, em programas de aconselhamento de dependências e em unidades de tratamento, e serve de guia para polícias, guardas prisionais ou cuidadores.
Em 2018, o autor escreveu uma nova introdução – onde reflete sobre a crise mundial dos opiáceos sintéticos e refere Portugal como um exemplo de sucesso no combate ao consumo. É essa edição que agora se publica, pela primeira vez, no nosso país.
Ao narrar a sua vida na Portland Hotel Society, uma organização sem fins lucrativos onde foi médico residente, Maté mergulha-nos num mundo sombrio onde os “fantasmas famintos” (numa alusão a Roda da Vida budista) vagueiam a procura de salvação – ou consolo.
Ouvimos as histórias dos marginalizados, ilustradas pelas fotografias de Rod Preston, e percebemos melhor o que Gabor Maté nos quer dizer: na raiz de qualquer dependência, desde o álcool aos smartphones, está o mesmo insaciável anseio por alívio ou realização. E por trás dele estão as marcas que o trauma deixou no corpo e na alma.
“Por isso, nunca se pergunte: Porque a dependência? A primeira pergunta deve ser sempre: Porquê a dor? E este livro, do autor de O Mito do Normal, responde com ciência, dados, estudos, rostos humanos e uma compaixão que nos comove profundamente”, lemos na sinopse ao livro.
Os seus cérebros nunca tiveram qualquer hipótese
O meu primeiro livro, Scattered Minds, publicado no ano 2000, abordou o problema do défice de atenção, de que eu próprio padeço. Acontece que o DA é um importante fator de risco para a dependência de uma série de substâncias, incluindo nicotina, cocaína, álcool, canábis e metanfetaminas, bem como para o jogo e outras dependências comportamentais, mas não é por isso que o menciono aqui. Quero contar uma história que aconteceu antes da sua publicação.
Em Scattered Minds, tinha apresentado algumas provas bem documentadas de investigações que demonstravam que o cérebro dos mamíferos se desenvolve em grande parte com a influência do ambiente e não segundo uma predeterminação genética rígida, e isto é especialmente verdadeiro no caso do cérebro humano. Estas descobertas eram relativamente recentes, mas na época eram absolutamente incontestáveis, pelo menos nos círculos das ciências do cérebro. Não eram obscuros segredos académicos e já tinham sido tema de artigos de capa na Time e na Newsweek.
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Estava a falar ao telefone com uma jovem produtora que me tinha ligado de Toronto para discutir uma possível entrevista em estúdio num programa da televisão nacional. Falávamos sobre o material que poderia apresentar e estava a descrever alguns dos pontos de pesquisa mais fascinantes quando me interrompeu. “Espere. Está a dizer-me que o tamanho das pupilas de uma mãe e a forma como olha para o seu bebé afetam a química do cérebro da criança?” “Não só afetam no futuro”, respondi, “como afetam instantaneamente!” Continuei a falar, seguro de que esta produtora estava tão encantada como eu com as descobertas da neurociência do desenvolvimento. “Com o passar do tempo, se houver um padrão de...”
“Isso é ridículo”, exclamou, interrompendo-me uma segunda vez. “É impossível usarmos isso.” E, antes de ter a oportunidade de lhe perguntar em que se baseava para rejeitar os resultados de várias décadas de investigação científica, desligou o telefone.
Tendo em conta a separação mente-corpo que é prevalecente na nossa cultura, e também o muito tempo que fomos ensinados que os genes determinam quase tudo num ser humano (traços de personalidade, comportamento, padrões de alimentação e todos os tipos de doenças), é compreensível que uma produtora de televisão, ou qualquer leigo, tenha dificuldade em aceitar as novas ciências do cérebro. Muito mais desconcertante é o facto de este novo conhecimento ser, virtualmente, desconhecido da comunidade médica. Apesar dos milhares de artigos publicados nas revistas científicas e médicas mais conceituadas, de inúmeras monografias, documentos de conferências e diversos livros académicos excelentes sobre o assunto, o papel do ambiente no desenvolvimento do cérebro não é ensinado em muitas faculdades de medicina. Não é incorporado no nosso trabalho com crianças ou adultos. Não só ignoramos o desenvolvimento do cérebro no curso de medicina como também ignoramos o desenvolvimento psicológico humano. “É surpreendente perceber”, refere o neurologista António Damásio, “que os alunos [de medicina] aprendem psicopatologia sem jamais terem tido uma cadeira de psicologia normal.”
Esta falha é uma perda para a prática médica e para milhões de doentes. Uma maior consciência das influências do desenvolvimento no funcionamento do cérebro e na personalidade enriqueceriam e reforçariam todas as especialidades da medicina. E, se mais médicos soubessem o que há para saber acerca disto, estou convencido de que encorajaria uma reconsideração há muito devida das atitudes sociais em relação à dependência.
O desenvolvimento do cérebro no útero e durante a infância é o fator biológico mais importante para determinar se uma pessoa tem ou não uma predisposição para a dependência de substâncias e para comportamentos dependentes de qualquer tipo, quer estejam relacionados com drogas quer não. Por muito surpreendente que esta opinião possa parecer à primeira vista, é vastamente apoiada por investigações recentes. O Doutor Vincent Felitti foi o investigador principal num estudo de referência com mais de 17 mil americanos de classe média para o Kaiser Permanente e para os Centers for Disease Control dos Estados Unidos. “A causa básica da dependência está predominantemente correlacionada com a experiência durante a infância e não com as substâncias”, escreveu o Doutor Felitti. “O conceito atual de dependência é infundado.”
Afirmar que o desenvolvimento do cérebro na infância tem o maior impacto na dependência é não excluir fatores genéticos. No entanto, a ênfase colocada nas influências genéticas na medicina das dependências, e em muitas outras áreas da medicina, é um entrave para a nossa compreensão.
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“O cérebro humano, cerca de um quilo e quatrocentos gramas de massa de neurónios interligados que controlam a nossa atividade, é uma das maravilhas mais extraordinárias, e misteriosas, da criação. Sede da inteligência humana, interprete dos sentidos e controlador do movimento, este órgão incrível continua a intrigar cientistas e leigos de igual modo.”
Com estas palavras, o presidente George H. W. Bush inaugurou a década de 1990 como “a década do cérebro”. Nos Estados Unidos, seguiu-se um inspirador aumento de investigações sobre o funcionamento e o desenvolvimento do cérebro. Quando as descobertas foram comparadas com informações já disponíveis, surgiu uma nova e empolgante visão do desenvolvimento do cérebro. Antigas suposições foram descartadas e um novo paradigma foi estabelecido. É evidente que muitos pormenores ainda não foram descobertos – segundo o professor Jaak Panksepp, em Affective Neuroscience, é um trabalho de séculos –, mas os contornos não oferecem dúvidas. A ideia de que os genes desempenham um papel decisivo no desenvolvimento do cérebro foi substituída por uma noção radicalmente diferente: a expressão dos potenciais genéticos está, na grande maioria, dependente do ambiente. Os genes ditam a organização básica, o tempo de desenvolvimento e a estrutura anatómica do sistema nervoso central humano, mas cabe ao ambiente esculpir e aperfeiçoar a química, as ligações, os circuitos, as redes e os sistemas que determinam o nosso nível de funcionamento. De todos os mamíferos, nós, seres humanos, somos os que têm o cérebro menos maduro aquando do nascimento. Outros animais recém-nascidos começam a realizar tarefas muito pouco tempo depois de nascerem que estão muito para além das capacidades dos seres humanos. Um cavalo, por exemplo, é capaz de correr no primeiro dia de vida. A grande maioria dos seres humanos são incapazes de ter força, acuidade visual e capacidades de controlo neurológico – perceção, equilíbrio, orientação espacial, coordenação – para realizar essa atividade. Dito de outra forma, o desenvolvimento cerebral do cavalo aquando do nascimento está pelo menos um ano e meio adiantado em relação ao nosso, provavelmente ainda mais, em anos de cavalo.
Porque estamos sobrecarregados com uma desvantagem tão grande em comparação com um cavalo? Podemos ver isto como um compromisso imposto pela natureza. Os nossos antepassados evolutivos começaram a caminhar eretos, o que libertou os membros superiores e lhes permitiu evoluírem para braços e mãos capazes de realizar muitas tarefas delicadas e complexas. Esses avanços na versatilidade e habilidade manual requereram um enorme aumento do cérebro, sobretudo das suas áreas frontais. Os nossos lobos frontais, que coordenam o movimento das mãos, são muito maiores até que os do nosso parente evolutivo mais próximo, o chimpanzé. Esses lobos, particularmente as suas áreas pré-frontais, também são responsáveis pela resolução de problemas, pelas capacidades sociais e de linguagem que permitiram que a humanidade florescesse. Quando nos tornámos uma espécie de duas pernas, a pélvis humana teve de estreitar para acomodar a posição ereta. No fim dos nove meses de gestação humana, a cabeça forma o diâmetro maior do corpo, aquele tem maior probabilidade de ficar preso naviagem pelo canal do parto. É simples engenharia: se o cérebro crescesse mais no útero, não seria possível nascermos.
Para garantir que os bebés saem pelo canal do parto, as condições impostas pelos nossos antepassados foram que o cérebro humano seria relativamente pequeno e imaturo aquando do nascimento. Por outro lado, teria um crescimento tremendo fora do corpo da mãe. No período que se segue ao nascimento, o cérebro humano, ao contrário do cérebro do chimpanzé, continua a crescer ao mesmo ritmo que no interior do útero. Há momentos no primeiro ano de vida em que, a cada segundo, são criados múltiplos milhões de conexões nervosas, ou sinapses. Três quartos do crescimento do nosso cérebro ocorrem forado útero, a maior parte nos primeiros anos. Aos três anos, o cérebro alcançou 90 por cento do tamanho de adulto, ao passo que o corpo tem apenas 18 por cento do tamanho que terá em adulto. Esta explosão de crescimento fora do útero confere-nos um potencial muito mais elevado de aprendizagem e adaptabilidade do que aquele que temos outros mamíferos. Se nascêssemos com o desenvolvimento do cérebro rigidamente predeterminado pela hereditariedade, os lobos frontais estariam limitados na sua utilidade para nos ajudar a aprender e adaptarmo-nos aos muitos diferentes ambientes e situações sociais em que os seres humanos habitam agora. Uma recompensa maior requer um risco maior. Fora do ambiente relativamente seguro do útero, os nossos cérebros em progresso são extremamente vulneráveis a circunstâncias potencialmente adversas. A dependência é um dos resultados negativos possíveis, se bem que, como veremos quando falarmos sobre as influências genéticas, o cérebro já pode ter sido negativamente afetado no útero de formas que aumentam a vulnerabilidade à dependência e a muitos outros problemas crónicos que ameaçam a saúde.
O processo dinâmico através do qual 90 por cento dos circuitos do cérebro humano são ligados após o nascimento recebeu o nome de “darwinismo neural” porque implica a seleção das células nervosas (neurónios), sinapses e circuitos que ajudam o cérebro a adaptar-se ao seu ambiente específico e a rejeitar os outros. Nas primeiras fases da vida, o cérebro do recém-nascido tem muitos mais neurónios e ligações do que o necessário, milhares de milhões de neurónios além dos que serão eventualmente necessários. Esta caótica confusão sináptica tem de ser organizada para moldar o cérebro num órgão capaz de administrar a ação, o pensamento, a aprendizagem e as relações e de desempenhar as suas múltiplas e variadas tarefas – e coordená-las todas nos nossos melhores interesses. Quais as ligações que sobrevivem depende em grande medida do contributo do ambiente. As ligações e circuitos usados com frequência são reforçados, ao passo que os quenão são usados são podados: na verdade, os cientistas chamam a este aspeto do darwinismo neural poda sináptica.“Os neurónios e as conexões neurais competem para sobreviver e crescer”, escrevem dois investigadores. “A experiência leva alguns neurónios e sinapses (e não outros) a sobreviver e crescer.”
Através desta eliminação de células e sinapses não utilizadas, da seleção de ligações úteis e da formação de ligações novas, surgem os circuitos especializados do cérebro humano em amadurecimento. O processo é extremamente específico para cada pessoa, a tal ponto que nem sequer os cérebros de gémeos idênticos possuemas mesmas ramificações, ligações e circuitos nervosos. Os primeiros anos de um bebé definem em grande medida a qualidade do desenvolvimento das suas estruturas cerebrais e como amadurecerão as redes neurológicas que controlam o comportamento humano. “As experiências do desenvolvimento determinam o estado organizacional e funcional do cérebro maduro”, escreve o pedopsiquiatra e investigador Bruce Perry. Ou, nas palavras do Doutor Robert Post, diretor do Biological Psychiatry Branch do National Institute of Mental Healthdos Estados Unidos: “Em qualquer dado ponto deste processo, a pessoa tem todos os potenciais para boa ou má estimulação que estabelecem a microestrutura do cérebro.” E é precisamente aqui que surge o problema para as crianças pequenas que, na adolescência e para além dela, ficam cronicamente dependentes de drogas duras: demasiado do que o Doutor Post chama má estimulação. Isto é verdade para os toxicodependentesque usam drogas injetáveis como aqueles com quem lido no Downtown Eastside. Em muitos outros casos, não é uma questão de “má estimulação”, mas de “boa estimulação” insuficiente.
A nossa capacidade genética de desenvolvimento do cérebro só encontra a sua expressão plena se as circunstâncias forem favoráveis. Para ilustrar isto, imagine um bebé que foi cuidado em todos os aspetos, mas é mantido num quarto escuro. Após um ano dessa privação sensorial, o cérebro desta criança não será comparável aos de outras crianças, por muito grande que seja o potencial herdado. Apesar de ter olhos perfeitamente bons quando nasceu, sem a estimulação das ondas luminosas as cerca de trinta unidades neurológicas que, juntas, formam o nosso sentido visual, não se desenvolvem. Os componentes neurais da visão que já estão presentes aquando do nascimento atrofiam e tornam-se inúteis se esta criança não vir luz durante cinco anos. Porquê? Darwinismo neural. Sem a estimulação necessária durante este período crucial atribuído pela naturezapara o desenvolvimento do sistema visual, o cérebro da criança não recebe a informação de que o sentido da visão é necessário para a sobrevivência. O resultado é cegueira irreversível. O que é verdadeiro para a visão também é verdadeiro para os circuitos dopaminérgicos de incentivo-motivação e para o circuito opioidérgico de ligação, bem como para os centros de regulação no córtex pré-frontal, como o córtex orbitofrontal – dito de outra forma, para todos os principais sistemas cerebrais implicados na dependência que analisámos nos três capítulos anteriores. No caso destes circuitos, que processam as emoções e ditam os comportamentos, é o ambiente emocional que é decisivo. De longe o aspeto dominante deste ambiente é o papel dos adultos cuidadoresna vida da criança, acima de tudo nos primeiros anos.
As três condições ambientais absolutamente essenciais para a otimização ideal do desenvolvimento do cérebro são a nutrição, a segurança física e os cuidados emocionais consistentes. No mundo industrializado, exceto nos casos de negligência grave ou de pobreza extrema, as necessidades nutricionais e de abrigo básicas das crianças são normalmente satisfeitas. A terceira necessidade primordial, os cuidados emocionais, é aquela que tem maior probabilidade de ser afetada nas sociedades ocidentais. A importância deste ponto não pode ser exagerada: os cuidados emocionais são um requisito absoluto para o desenvolvimento neurobiológico saudável do cérebro. “As ligações humanas criam ligações neuroniais”, resume o pedopsiquiatra Daniel Siegel, um membro fundador do Center for Culture, Brain and Development da UCLA. Como veremos mais adiante, isto é especialmente relevante para os sistemas cerebrais envolvidos na dependência. A criança deve ter uma relação de ligação pelo menos com um adulto disponível, protetor, psicologicamente presente e razoavelmente não stressado.
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Como já vimos, a ligação é a vontade de continuar e manter proximidade e contacto com os outros; uma relação de ligação existe quando esse estado foi alcançado. É um impulso instintivo programado no cérebro dos mamíferos devido ao desamparo e dependência dos seus recém-nascidos, sobretudo os recém-nascidos humanos. Sem ligação, não conseguem sobreviver; sem uma ligação segura e não stressada, o cérebro não consegue desenvolver-se de uma forma ideal. Muito embora essa dependência se desvaneça quando amadurecemos, as relações de ligação continuam a ser importantes ao longo da vida.
Daniel Siegel escreve em The Developing Mind: Para o recém-nascido e para a criança pequena, as relações de ligação são os principais fatores ambientais que moldam o desenvolvimento do cérebro durante este período de crescimento máximo [...] A ligação estabeleceuma relação interpessoal que ajuda o cérebro imaturo a usar as funções maduras do cérebro dos pais paraorganizar os seus próprios processos.
Para termos uma noção desta questão, basta imaginar uma criança a quem nunca sorriram, com quem nunca falaram num tom caloroso e terno, que nunca foi tocada com gentileza, com quem nunca brincaram. Depois, podemos perguntar a nós mesmos: que tipo de pessoa imaginamos que essa criança se tornará?
Os recém-nascidos necessitam de mais do que a presença física e a atenção do progenitor. Do mesmo modo que os circuitos visuais necessitam de ondas luminosas para se desenvolverem, os centros emocionais do cérebro do recém-nascido, em particular o importantíssimo córtex orbitofrontal (COF), requerem um contributo emocional saudável dos pais adultos. As crianças leem, reagem e são influenciadas a nível do desenvolvimento pelos estados psicológicos dos pais. São afetados pela linguagem corporal: tensão nos braços que os seguram, tom de voz, expressões faciais alegres ou tristes e, sim, o tamanho das pupilas. Num sentido muito real, o cérebro dos pais programa o cérebro do recém-nascido e é por isso que pais stressados criam muitas vezes filhos cujo mecanismo de stress também trabalha em alta velocidade, por muito que amem os filhos e por muito que tentem fazer o seu melhor. A atividade elétrica do cérebro do recém-nascido é extremamente sensível à do adulto que cuida dele. Um estudo levado a cabo pela Universidade de Washington, em Seattle, comparou os padrões de ondas cerebrais de dois grupos de bebés de seis meses: um grupo cujas mães sofriam de depressão pós-parto e um grupo cujas mães tinham um humor normal.
Os eletroencefalogramas, ou EEG, revelaram diferenças consistentes e vincadas entre os dois grupos: os bebés de mães deprimidas possuíam padrões de EEG característicos de depressão mesmo durante interações com as mães que deviam desencadear uma resposta alegre. Significativamente, estes efeitos foram notados apenas nas áreas frontais do cérebro, onde estão localizados os centros de autorregulação das emoções. Como é que isto se relaciona com o desenvolvimento do cérebro? Padrões nervosos que se ativam repetidamente ligam-se ao cérebro e formam parte das respostas habituais da pessoa ao mundo. Nas palavras do grande neurocientista canadiano Donald Hebb, “as células que se ativam juntas ficam ligadas”. É provável que os bebés de pais stressados ou deprimidos codifiquem padrões emocionais negativos. O efeito de longo prazo do humor dos progenitores na biologia do cérebro da criança é ilustrado em vários estudos que demonstram que as concentrações de cortisol, a hormona do stress, são elevadas nas crianças de mães clinicamente deprimidas. Aostrês anos, os níveis mais elevados de cortisol foram encontrados nas crianças cujas mães tinham estado deprimidas durante o seu primeiro de vida, e não mais tarde.* Assim, vemos que o cérebro é “dependente da experiência”. As boas experiências levam a um desenvolvimento saudável do cérebro enquanto a ausência de boas experiências ou a presença de experiências más distorce o desenvolvimento de estruturas essenciais do cérebro. O Doutor Rhawn Joseph, cientista do Brain Research Laboratory em San Jose, Califórnia, explica isto da seguinte forma:
Um ambiente de crescimento anómalo ou empobrecido pode diminuir mil vezes o número de sinapses poraxónio [a extensão longa do corpo da célula que conduz os impulsos nervosos para outro neurónio], retardar o crescimento e eliminar milhares de milhões, se não biliões, de sinapses no cérebro e resulta na preservação de interconexões anómalas que são normalmente descartadas durante o desenvolvimento.
Como o cérebro controla a disposição, o autocontrolo emocional e o comportamento social, podemos esperar que as consequências neurológicas de experiências adversas levem a défices na vida pessoal e social de pessoas que as sofrem durante a infância, incluindo, continua o Doutor Joseph, “uma capacidade reduzida de antecipar consequências ou inibir comportamentos autodestrutivos irrelevantes ou inadequados”. Não foram precisamente as disfunções que vimos em Claire e Don no capítulo anterior? É o que vemos em todos os toxicodependentes viciados em drogas duras.
Sabemos que a maioria dos adultos cronicamente dependentes de drogas duras viveu, enquanto crianças e adolescentes, em condições de adversidade grave que deixaram uma marca indelével no seu desenvolvimento. A sua predisposição para a dependência foi programada nos primeiros anos de vida. Os seus cérebros nunca tiveram qualquer hipótese.
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