“Há muitas mulheres se amando, há muitos homens que são casais, há muitos heteros também se amando, são iguais.” Quem o diz é Elisa Lucinda no prefácio do livro “Daniela & Malu – Uma História de Amor”, publicado no início do mês em Portugal e no Brasil.
Através do argumento de que o amor entre pessoas de sexo diferente é completamente igual ao amor entre homossexuais, o texto de Elisa Lucinda, atriz e escritora brasileira, procura legitimar a relação entre a cantora Daniela Mercury e a jornalista Malu Verçosa, pondo a tónica no sentimento amoroso.
“Para ajudar a limpar os olhos dos que ainda não conseguem entender o amor das meninas, proponho observarmos o quanto devemos a milhares e milhares de homossexuais que contribuíram para que chegássemos até aqui no avanço e no progresso da civilização”, escreve Elisa Lucinda no prefácio. “Sei de tanta gente que adoraria poder soltar a sua sexualidade tal qual ela grita em seus bastidores, mas por medo da luta, da desaprovação, por temer a humilhação, casa-se com quem não deseja e, infeliz, acaba por tornar infelizes os que estão à sua volta.”
O livro vem assinado por Daniela Mercury e Malu Verçosa e está escrito como se de um diário se tratasse, com relato cronológico dos acontecimentos que levaram à assunção pública da homossexualidade de ambas. Há poemas, depoimentos, fotografias e excertos de entrevistas. É quase um manifesto pró-gay e desperta no leitor sentimentos contraditórios.
Por um lado, é inquestionável a vontade das visadas em proclamar o tipo de relação que mantêm, assim com as dificuldades pelas quais passaram (que podem ser, em traços gerais, as dificuldades de muitas mulheres lésbicas). Por outro, os termos dessa divulgação parecem datados: é como se apenas a relação amorosa legitimasse a exposição pública da homossexualidade, como se apenas a ideia de casal pudesse levar à aprovação pública. Em 2013, na era da democratização das Teorias Queer, já não tem de ser assim.
“Sabíamos que o anúncio teria um peso político, mas nossa intenção era falar do nosso amor e encontrar uma forma simples e elegante de dizer que nos amamos para termos uma liberdade plena, como deve ser para todo mundo”, lê-se na página 56. Será neste registo que ambas concebem uma relação e, a ser assim, o livro vale mais pelo que tem de documento histórico do que pelo seu valor facial.
De resto, fica-se a perceber que a notícia da relação entre a cantora e a jornalista, dada através da rede social Instagram a 3 de abril deste ano, em vésperas de dois concertos de Daniela Mercury em Lisboa e no Porto, foi uma decisão voluntária mas também uma forma de controlar o que poderia vir a tornar-se uma pressão mediática. “Não queríamos ficar à mercê de um jornalismo barato que já havia nos dado dor de cabeça no Carnaval, quando foi noticiado que eu e Daniela havíamos sido flagradas aos beijos no meu apartamento”, escreve Malu Verçosa na página 46.
Em dois países, Portugal e Brasil, em que a cultura dominante censura e silencia a homossexualidade independentemente das garantias legais, “Daniela & Malu – Uma História de Amor”, editado pela Casa das Letras (numa mistura da sintaxe brasileira com a portuguesa), pode muito bem desempenhar um papel pedagógico. Mesmo se a mensagem não é contemporânea por inteiro.
Bruno Horta
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