É com 'Ninguém Disse que Iria ser Fácil' que Fernando Alvim decide celebrar os seus 50 anos de vida, marca atingida no passado dia 3 de maio. O comunicador habituou-nos a um registo humorístico, mas desengane-se quem pensa que foi esse o caminho que seguiu neste novo livro. Contra todas as expetativas, Alvim optou por se focar no amor e reuniu diversas crónicas dominadas, em grande parte, por esta temática.

Antes mesmo da entrevista ao Fama ao Minuto começar, o radialista impôs uma única condição: queria ser tratado por 'tu'. Foi assim, num tom nada formal e muito próximo que a conversa aconteceu e, também esse registo, permitiu que de forma aberta e sem pudores fosse abordado o recente diagnóstico de défice de atenção, que Alvim admitiu não o ter surpreendido.

O amor ainda não é algo sobre o qual muitas pessoas falem mal. Quem vai falar mal do amor?

Fernando, como defines o 'Ninguém Disse que Iria ser Fácil'?

Acho que este é, sobretudo, o momento certo para falarmos sobre amor, numa altura tão conturbada para o mundo. Talvez seja uma das formas de atenuarmos o que estamos a passar.

O facto de teres escrito sobre o amor causou alguma surpresa a quem não te acompanha com tanta regularidade. Foi, também para ti, uma surpresa que a criatividade te tenha levado para uma direção mais romântica?

Não, eu sempre escrevi muito sobre esta temática, é aquela que provoca mais reações e sobre a qual, no entender das pessoas, eu escrevo melhor. Provavelmente estimulado e encorajado pelas pessoas que me seguem, achei que devia dar uma prioridade a este tema.

Essa vontade de quem te acompanha em ler o que escreves sobre o amor poderá ser pelo facto de, habitualmente, não falares sobre a tua vida privada e, mais concretamente, sobre as tuas relações amorosas?

Faço-o, principalmente, porque este é um tema que ainda não tem muitos 'haters' no momento atual. O amor ainda não é algo sobre o qual muitas pessoas falem mal. Quem vai falar mal do amor? Deve ser das poucas coisas do mundo que ainda geram consenso, acho que ainda há uma boa imagem do amor em si e todas as pessoas o procuram, o querem explicar e, até, compreendê-lo. É mais um exercício nesse sentido. Não está aqui a solução para o amor, mas sim uma análise sobre ele. Vivemos num tempo em que é necessário pensarmos e, às vezes, a ideia que passa é que estamos todos com pouco tempo para isso. O exercício da escrita talvez nos dê essa possibilidade.

No prefácio, escrito pelo José Luís Peixoto, é dito que neste livro surge um "Alvim menos evidente". Concordas?

É um Alvim mais reflexivo, sim. A minha comunicação, normalmente, é de disrupção e alegria, não que este livro não o possa ser também, mas aqui está a minha parte mais pensativa. A escrita dá-nos mais tempo para isso. São muitas as pessoas que, quando leem o livro, quase não acreditam que fui eu que o escrevi. Talvez este seja mesmo o meu lado menos evidente e mais inesperado.

E não tiveste receio de demonstrar essa fragilidade?

Na verdade, nunca escondi as minhas fragilidades. Há muitos anos que apresento programas em direto, programas de muitas horas, e isso não permite fingir ser uma coisa que não sou. A minha escrita também não o permite, mostra uma postura espontânea e natural que sempre tentei ter.

Também acabas por ser muito elogiado neste texto do José Luis Peixoto. Por que motivo te fez sentido convidá-lo para a elaboração do prefácio?

Porque o conheço há quase trinta anos, é um dos meus melhores amigos. As nossas vivências vão muito para além da parte profissional e de admiração mútua. Fez todo o sentido ele estar comigo nesta altura, sobretudo porque foi ele, tal como o Nuno Markl, que escreveu o prefácio do meu primeiro livro. Faz sentido que, depois destes anos todos, ele assine o prefácio de um livro como este.

Também é ótimo saber que existe essa admiração da parte dele, que é mútua. É uma das pessoas que me conhece realmente bem e desde o início de tudo, desde que não era conhecido até me tornar numa figura pública. Ele esteve sempre comigo, em quase toda a minha vida. Quando nos conhecemos, tornámo-nos absolutamente inseparáveis, é alguém que me acrescenta sempre algo e tem uma das características que eu aprecio muito: está sempre ao lado da solução e nunca do problema.

Em relação à capa, na qual surges com vestido com um fato de astronauta, tem algum significado?

No fundo é porque sou um sonhador. Desde miúdo que a sede de conhecimento alimentou a minha personalidade. Um dos sonhos que eu tinha era ser astronauta, queria conhecer novos mundos e perceber o que existia noutros planetas, como se só o nosso não me chegasse. Também sou um 'groupie' do futuro, persigo o futuro e não sou nada saudosista e nostálgico. Pouco ou nada podemos fazer pelo passado, talvez só possamos tentar compreendê-lo. A verdade é que o que me interessa é mudar o futuro, dar-lhe novas formas. Esta é uma fotografia futurista.

© Instagram/Fernando Alvim

Foste diagnosticado com défice de atenção há cerca de um ano e meio. Como é que geriste essa informação?

Era algo que estava à mostra de todos, só quem não percebesse nada não daria conta.

Esse diagnóstico fez-me entender muita coisa e é um pouco melhor quando percebemos exatamente porque é que as coisas estão a acontecer

E também para ti foi evidente?

Sim, mesmo sem diagnóstico. Havia qualquer coisa que fazia com que agisse de forma especial em relação a muitas das coisas que me rodeavam. Esse diagnóstico fez-me entender muita coisa e é um pouco melhor quando percebemos exatamente porque é que as coisas estão a acontecer

De que forma surgiu esse diagnóstico?

Recebi um convite, por parte do Gustavo Jesus, para apresentar o livro '300 Mil Anos de Ansiedade' na Cinemateca. Quando li o livro, percebi que me identificava com algumas das coisas que lá estavam. A partir daí, surgiu uma amizade com o Gustavo e ele foi perentório em relação ao meu diagnóstico, que é uma das especialidades dele. Aí a minha vida mudou bastante, não só por compreender que tinha um sintoma que desconhecia, como depois fui medicado e os resultados foram maravilhosos

Continuas a tomar essa medicação?

Tomei durante um ano. Parei porque tive medo de me viciar naquilo.

E que resultados registaste durante esse período?

Senti-me muito mais focado, o foco é essencial. Senti uma tranquilidade que acho que nunca senti na vida e que nem sabia que era possível.

Há 22 anos que conduzes o 'Prova Oral'. Qual é o segredo da longevidade deste programa?

Há uma liberdade que sempre me foi dada. Nunca fui condicionado nem censurado, isso é impactante para qualquer pessoa que viva de um programa de entretenimento. O programa também não se acomodou nem ficou no sofá, é um programa que se levanta e que faz coisas novas, por isso dura há 22 anos. Nunca ouvi uma pessoa que dissesse 'talvez seja tempo de acabares com aquilo', e isso seria uma coisa normal. Nunca ninguém me disse isso, deverá significar alguma coisa. Da minha parte, nunca deixarei morrer aquele programa e darei sempre tudo, como sempre fiz.

A transposição desse programa para a televisão permitiu perceber que é um formato que faz muito mais sentido na rádio?

Sim, percebemos isso. O formato de rádio é muito mais vencedor do que o televisivo, ainda assim aguentámos dois anos. Na televisão não tínhamos a opinião dos ouvintes, que fazem parte do ADN do programa. Por outro lado, também não fazia sentido repetirmos na televisão o que já fazemos na rádio. Para fazer mais do mesmo, não contem comigo. Arriscámos e acho que faríamos tudo igual.

Também tens uma produtora de eventos há mais de 20 anos. O que procuras conseguir com a Cego Surdo e Mudo Produções?

Fazemos muitos eventos, eventos que sejam, no nosso entender, fora da caixa. É por isso que fazemos o Monstros do Ano, o Jantar Mais Picante do Ano e, agora, a Regata para Remos. Estamos sempre a juntar ideias novas que façam rir as pessoas. Acho que se só fizesse rádio, já me teria entediado. Como faço tantas coisas, acabo por estar sempre animado com a variedade.

A produtora permite-te pôr em prática um lado mais criativo?

É verdade. Pensei que a minha criatividade se fosse esbatendo com o passar dos anos, mas nada disso aconteceu. Estou a aproveitar e acho que nunca me senti num período tão criativo como o atual, o que é inesperado para mim. Acho que nunca vou ser uma pessoa acomodada.

Num texto recente do Luís Osório, és caracterizado como um "adolescente eterno". Com toda este jovialidade que sempre adotaste, como foi chegar à marca dos 50 anos?

Acho que ainda não estou na crise dos 50 [risos]. As reflexões que tenho tido são as que tenho sempre. A vida tem sido bastante generosa comigo, não tenho tido grandes perdas de amigos nem de familiares e também o facto de estar neste meio, rodeado de pessoas que me puxam para a jovialidade, faz com que seja, de facto, uma espécie de eterno adolescente. Também há momentos em que penso de forma adulta e aos 50 anos, mais do que ser um adulto, percebo que estou a entrar na época geriátrica. Já é um pouco ridículo ser geriátrico e adolescente ao mesmo tempo. Poderá vir a acontecer, mas vamos ver [gargalhada].

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