O autocuidado feminino é hoje uma expressão amplamente usada — da psicologia à publicidade. Na sua perspetiva, o que significa realmente cuidar de si enquanto mulher e como se distingue este gesto de outras ideias de bem-estar ou desenvolvimento pessoal?

Cuidar de si enquanto mulher é, antes de mais, um gesto de responsabilidade própria e de escuta profunda. Implica estar atenta às necessidades do corpo, da mente e das emoções — num equilíbrio que reconhece as exigências externas, mas que valoriza a integridade interna. O autocuidado não é apenas um ritual de bem-estar, mas uma prática contínua de afirmação do próprio valor, com consciência e intenção. Diferencia-se do desenvolvimento pessoal por não ser apenas um percurso de crescimento ou performance, mas um compromisso diário com o respeito por quem se é, em cada fase da vida.

Se olharmos para as últimas décadas, que mudanças estruturais destacaria na evolução do conceito de autocuidado feminino?

Nas últimas décadas, assistimos a uma mudança profunda: o autocuidado deixou de ser visto como luxo ou egoísmo para passar a ser reconhecido como necessidade vital. As mulheres passaram a pensar em si próprias, na sua saúde mental e na escuta do próprio corpo — especialmente num mundo que historicamente está cheio de tabus. Ao mesmo tempo, o discurso do autocuidado expandiu-se, tornando-se mais inclusivo e diverso, reconhecendo especificidades culturais, corporais e geracionais.

O autocuidado deixou de ser visto como luxo ou egoísmo para passar a ser reconhecido como necessidade vital.

O autocuidado tornou-se também um produto de mercado: suplementos, retiros, planos de pele, apps de respiração. Na sua visão, onde se traça a linha entre um cuidado autêntico e uma forma subtil de sobrecarga ou exigência social disfarçada de bem-estar?

A linha é ténue e exige vigilância crítica. Quando o autocuidado se transforma numa lista de tarefas que gera culpa por não ser cumprida, ou quando se baseia em padrões externos — muitas vezes irreais — em vez de necessidades reais, ele deixa de ser cuidado e passa a ser mais uma forma de pressão. O cuidado autêntico nasce da escuta e do respeito pelo que é essencial e possível naquele momento da vida, sem a necessidade de validação social.

Numa era de excesso de informação, por onde começar? Quais são os três gestos — físicos, emocionais ou relacionais — que considera verdadeiramente estruturantes numa rotina diária de autocuidado feminino?

Começar pelo simples é fundamental. Destaco três gestos estruturantes e começo pelo sono com qualidade, por ser um pilar básico e muitas vezes negligenciado. Incluo nestes princípios o saber estabelecer limites saudáveis, ou seja, aprender a dizer não, com firmeza e empatia, é autocuidado emocional. Por fim, sublinho a importância de cultivar uma relação de presença com o corpo — seja através do movimento consciente, da alimentação intuitiva ou da atenção plena.

Sobre o Dia Internacional do Autocuidado
Celebrado a 24 de julho, o Dia Internacional do Autocuidado foi criado para promover a importância de cuidarmos de nós próprios de forma contínua. A data foi escolhida por simbolizar o conceito de “24/7” — ou seja, autocuidado 24 horas por dia, sete dias por semana. A Organização Mundial da Saúde associa este dia ao encerramento do Mês do Autocuidado, iniciado a 24 de junho. Este dia relembra que pequenas ações diárias — como dormir bem, comer de forma equilibrada, praticar exercício, manter a hidratação e gerir o stresse — são fundamentais para o bem-estar físico e mental. É também uma oportunidade para reforçar a autonomia na gestão da saúde e incentivar hábitos de vida saudáveis. Cada gesto conta e o autocuidado começa com a consciência de que o nosso bem-estar é uma prioridade.

Muitas mulheres vivem no limite do tempo, entre trabalho, casa, filhos e autorregulação. Que pequenas práticas podem ser integradas no dia a dia para restaurar energia e presença, mesmo em agendas apertadas?

O autocuidado não tem de ser demorado para ser eficaz como aqui demonstro através de três práticas simples. Primeiro, há que respirar profundamente durante um minuto, várias vezes ao dia — ajuda a recentrar. De seguida, aconselho a que se desliguem notificações e que se reserve dez minutos de silêncio por dia. Finalmente, proponho que se transformem os gestos quotidianos em rituais conscientes — como aplicar o creme do rosto com intenção ou saborear um chá sem pressa.

Como vê o papel de tecnologias como apps de ciclo menstrual, wearables de saúde ou plataformas de terapia online na personalização do autocuidado feminino? São ferramentas de empoderamento?

Sem dúvida. Quando bem utilizadas, estas tecnologias permitem às mulheres conhecerem-se melhor, antecipar padrões, acompanhar sintomas e tomar decisões informadas. São facilitadoras de autonomia e podem contribuir para diagnósticos mais precoces e um acompanhamento mais personalizado. No entanto, não devem substituir a escuta interna nem o acompanhamento clínico — devem ser ferramentas, não fins em si mesmas.

Quando o autocuidado se transforma numa lista de tarefas que gera culpa por não ser cumprida passa a ser mais uma forma de pressão.

O recurso a procedimentos estéticos tem aumentado. Quais são os tratamentos mais procurados por faixa etária e como os enquadra numa abordagem ampla e saudável ao autocuidado — sem cair na lógica da correção constante?

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Entre os 30 e os 40 anos, vemos uma procura crescente por tratamentos minimamente invasivos, como toxina botulínica e preenchimentos. Após os 50, há maior interesse por procedimentos de firmeza e rejuvenescimento da pele. A chave está na motivação: quando o gesto parte de um desejo interno de se sentir bem na própria pele — e não da pressão por corresponder a um ideal externo — ele pode ser um gesto de autocuidado saudável. Na MS Mulher e Saúde, procuramos sempre enquadrar estas decisões num plano global de bem-estar físico e emocional.

O corpo feminino atravessa fases distintas, com exigências próprias. Quais seriam, na sua opinião, as práticas essenciais a cultivar aos 20, 30, 40 e 50 anos — não apenas do ponto de vista físico, mas também emocional e social?

Aos 20 há que apostar na educação menstrual e contraceptiva, literacia corporal, autoimagem positiva. Aos 30 anos, a atenção deve centrar-se na gestão do stresse, fertilidade, mesmo que não se deseje ser mãe; equilíbrio entre ambição e autocuidado. Já aos 40 anos, os rastreios regulares, escuta hormonal, redefinição de prioridades, espaço para si. Por seu turno, aos 50, acolher a menopausa como transição e não como fim, cuidar da saúde íntima e investir em relações que nutrem, manter a curiosidade viva.

Que hábitos preventivos recomendaria a uma mulher de 60 anos que pretende viver as próximas décadas com autonomia, energia e prazer? O que faz realmente a diferença a partir dessa fase?

Aos 60 anos a prevenção torna-se uma forma de liberdade. Nesse sentido recomendo que se mantenha uma atividade física regular adaptada às capacidades — o movimento é medicina. Que se investa na saúde cognitiva — ler, aprender, socializar. Que se façam rastreios e check-ups regulares, com especial atenção à saúde cardiovascular, óssea e mental.

E, acima de tudo, cultivar o prazer de viver — através de relações, hobbies, espiritualidade ou projetos. O prazer é terapêutico e essencial à longevidade com qualidade.