Os livros aportaram em tenra idade na vida de Analita Santos. As bibliotecárias de Lagoa, no Algarve, cooperaram para as primeiras leituras da jovem nascida noutros horizontes mais a norte, na Alemanha, corria o ano de 1974. Cedo, Analita descobriu escritores como Milan Kundera, Marion Zimmer Bradley ou Luís Sepúlveda. Desde então as páginas dos livros tornaram-se um território amiúde visitado pela mulher que, hoje, se assume uma ativista literária, uma assunção da sua plena presença no mundo das letras que se traduz, por exemplo, na organização de clubes literários. Disso é exemplo o espaço de partilha e discussão, o “Mulheres à Obra”.

O ativismo literário é, de acordo com Analita Santos, “uma combinação de esforços com o intuito de contribuir e reforçar os hábitos de leitura dos portugueses, capacitar mulheres empreendedoras através do poder dos livros e inspirar leitores de todas as idades”. Mais recentemente, a também autora e promotora de ações de escrita criativa, deu aos escaparates o livro Erros de Português Nunca Mais, com um sugestivo subtítulo: Como Acabar de Vez Com os Deslizes Gramaticais e Linguísticos (edição Manuscrito). A obra é endereçada a um público eclético, no fundo a todos quantos pretendam comunicar de forma clara, aumentar o seu vocabulário, reconquistar a confiança na escrita.

Sobre a mensagem implícita no livro Erros de Português Nunca Mais, mas também a enveredar caminho no mundo dos autores, da escrita, dos leitores e do compromisso com o bom uso da Língua, conversamos com Analita Santos. Uma troca de palavras para a qual são convocados, entre outros, Gabriel García Márquez, Edgar Allan Poe, Herman Melville e José Saramago.

Todos aqueles que trilham os territórios dos livros e das palavras contam uma história no que toca ao seu percurso nesse lugar. Qual é a história da Analita Santos na sua relação com os livros?

A infância e a adolescência foram fases existenciais conturbadas. Os livros entraram cedo na minha vida como um refúgio. Primeiro, foram as obras religiosas da minha avó paterna, com quem vivi durante certo tempo. Com apenas dez anos, já conhecia as histórias de Adão e Eva, Sansão e Dalila, Abel e Caim, Sodoma e Gomorra, entre tantas outras narrativas bíblicas. Em casa dos meus pais, não se cultivava o hábito da leitura. Foram as sugestões das bibliotecárias de Lagoa que moldaram o meu gosto pelos livros.

Aos 14 anos, descobri escritores como Edgar Allan Poe, Gabriel Garcia Márquez, Luís Sepúlveda, Paul Auster, Milan Kundera, Isabel Allende e Marion Zimmer Bradley. Desde então, o recorde de leitura permanece inalterado: li os cinco volumes da coleção “Brumas de Avalon” numa única semana. Também passei por uma fase de poesia, onde as angústias de Florbela Espanca foram as minhas. Desde que me lembro, o prazer da leitura acompanha-me, e os meus gostos literários têm continuamente evoluído. Os livros são amigos silenciosos que falam comigo sempre que preciso.

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Nas notas biográficas que acompanham o seu livro lemos que é mentora literária. Pode explicar-nos o que faz nesse âmbito

Ser mentora literária envolve orientar e aconselhar autores aspirantes em várias áreas do ofício da escrita. Trabalho em colaboração com os mesmos, ajudando-os a aprimorar as suas competências de escrita, desenvolver as suas vozes literárias, e fornecendo-lhes orientação sobre como melhorar os seus textos. Isso inclui feedback relativamente à estrutura narrativa, desenvolvimento de personagens, estilo e até mesmo orientação no que concerne ao processo de publicação, como encontrar editoras, ou a auto-publicação. Tudo isto enquanto trilho o meu caminho no mundo da escrita e dos livros.

Também lemos que é ativista literária? Como se expressa este seu ativismo?

Sim, considero-me uma ativista literária e expresso esse ativismo de várias formas. Uma das minhas principais iniciativas é dinamizar dois clubes de leitura online. Um deles tem mais de 5000 mil membros e conta com o apoio institucional do Plano Nacional de Leitura.

O clube de leitura “Encontros Literários O Prazer da Escrita” tem como principal objetivo fomentar o convívio entre os amantes de livros, a democratização da cultura e o incentivo à leitura, principalmente de autores portugueses. A presença de muitos dos escritores nestes eventos online é uma das grandes riquezas deste clube.

Além disso, mantenho outro clube com o apoio da editora Lua de Papel, mais focado na leitura de livros de desenvolvimento pessoal, como parte de um projeto de empreendedorismo feminino chamado “Mulheres à Obra”. Esta iniciativa visa não só incentivar a leitura, mas também capacitar mulheres através do conhecimento e do crescimento pessoal.

A presença ativa nas redes sociais é outra forma pela qual expresso este ativismo literário. Todos os meses, apresento recomendações de leitura que incluem um romance, poesia, uma narrativa curta (incluindo novelas gráficas), um livro infantil e um livro de desenvolvimento pessoal. Além disso, partilho regularmente outras obras que considero relevantes e cativantes.

Também realizo ações de incentivo à leitura, em escolas, feiras do livro e bibliotecas públicas, principalmente com base nos livros infantis que publiquei. Acredito que a promoção da leitura desde a infância é essencial para o desenvolvimento de uma sociedade mais consciente.

O meu ativismo literário é uma combinação de esforços com o intuito de contribuir e reforçar os hábitos de leitura dos portugueses, capacitar mulheres empreendedoras através do poder dos livros e inspirar leitores de todas as idades a explorar o mundo da leitura.

Analita Santos
Analita Santos. Facebook da autora

O momento atual, com a enorme influência do digital nas nossas vidas, carece de mais ativismo literário?

Sim. É necessário mais ativismo literário. Vivemos numa era em que a informação está ao alcance de um clique, e as redes sociais desempenham um papel significativo na forma como interagimos com o mundo. Portanto, é fundamental utilizar essas ferramentas para promover a leitura e os livros.

O digital oferece um alcance global sem precedentes, permitindo-nos alcançar leitores de todas as partes e criar comunidades literárias que ultrapassam fronteiras. No entanto, também enfrentamos desafios, como a diminuição da atenção e o excesso de informações. É por isso que o ativismo literário online se torna crucial.

Ao partilhar recomendações de leitura, promover autores nacionais, organizar encontros literários online e criar conteúdo envolvente sobre livros, podemos inspirar e envolver um público diversificado. Além disso, o ativismo literário online pode ser uma forma eficaz de combater a desinformação e promover a literacia, capacitando as pessoas a discernir entre informações de qualidade e conteúdo enganador.

No mundo digital de hoje, onde a literatura pode competir com uma infinidade de distrações, o ativismo literário desempenha um papel vital na promoção da leitura e, portanto, da compreensão e da empatia que os livros nos trazem. É uma oportunidade que não podemos desperdiçar e que merece ser ampliada para garantir que a literatura continue a enriquecer as nossas vidas e a construir pontes entre culturas e ideias.

No mundo digital de hoje, onde a literatura pode competir com uma infinidade de distrações, o ativismo literário desempenha um papel vital na promoção da leitura.

Na página de que é curadora “Encontros Literários. O Prazer da Escrita”, diz-nos que pretende “incentivar os portugueses a ler mais e a escrever com mais confiança”. Os números indicam-nos que os portugueses estão a ler pouco? O que se entende por “escrever com mais confiança”?

A minha missão com o projeto “O Prazer da Escrita” é incentivar os portugueses a lerem mais e a escreverem com maior confiança. Infelizmente, os números indicam que, de facto, os índices de leitura em Portugal são muito baixos, o que é motivo de preocupação.

Quando menciono “escrever com mais confiança”, refiro-me ao processo de capacitar as pessoas para expressarem as suas ideias, pensamentos e histórias por meio da escrita, sem receios. Muitas vezes, sentimo-nos inseguros em relação à capacidade de escrever de forma clara e eficaz, um e-mail, ou até uma mensagem pessoal, o que pode ser um obstáculo para a comunicação e expressão pessoal. O meu objetivo é encorajar os portugueses a desenvolverem as suas habilidades de escrita, fornecendo orientação teórica e prática, ferramentas e recursos para que se sintam mais confiantes ao escrever.

Acredito que a leitura e a escrita são ferramentas fundamentais para o desenvolvimento pessoal, a comunicação eficaz e a participação na sociedade.

Ao promover o prazer da leitura e a confiança na escrita, espero contribuir para uma sociedade mais literária, informada e capaz de expressar as suas ideias de forma clara e convincente.

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Ministra formações de escrita criativa. Quem procura estas formações e que objetivos leva?

As formações de escrita criativa que ministro são procuradas por uma variedade de pessoas. Entre os participantes, encontram-se médicos, professores, empreendedores, técnicos superiores, jornalistas, influenciadores digitais e estudantes universitários. Os objetivos que estes trazem para as formações são igualmente diversos.

Muitos desejam aprimorar as suas habilidades de escrita para melhor comunicar as suas ideias e os seus negócios. A escrita criativa permite-lhes explorar estilos e técnicas diversas. Outros procuram superar a procrastinação, um desafio muito comum entre escritores. Nesse sentido, buscam estratégias para estabelecer uma rotina criativa consistente.

Algumas pessoas enfrentam o medo de partilhar as suas histórias. Estas formações proporcionam um ambiente de apoio, onde podem desenvolver a confiança necessária para partilhar as suas criações e receber feedback construtivo.

Por fim, há aqueles que almejam abordar a escrita de ficção de forma mais profissional. Estão interessados em aprender técnicas avançadas de narração, desenvolvimento de personagens e construção de enredos para se destacarem como escritores de ficção.

De uma forma geral, os participantes nas minhas formações de escrita criativa buscam aprimorar as suas competências de escrita, ganhar confiança, superar desafios pessoais e alcançar objetivos literários específicos. Um exemplo disso é o projeto «Caminho do Livro», um programa de 17 semanas, onde, após uma seleção prévia, os originais podem ser avaliados por uma editora tradicional.

Olhemos para o livro que agora dá aos escaparates, Erros de Português Nunca Mais. O que a levou a escrevê-lo e quais os critérios que presidiram à seleção de erros que apresenta na obra?

Este livro foi resultante de um convite da editora Manuscrito, considerando todo o trabalho que tenho vindo a desenvolver quase diariamente nas redes sociais em prol do “cuidado com a Língua” e o incentivo à leitura e à escrita. De certa forma, foi um reconhecimento desse esforço e dedicação quase ao jeito de “serviço público”.

Relativamente aos critérios, nos erros há um foco nas palavras homónimas e homógrafas que é onde os estudos indicam que as pessoas dão mais erros porque há uma competição em via lexical e fonológica para chegar à palavra. Esse é o assunto do primeiro capítulo.

No segundo capítulo o convite é aumentar o vocabulário através da partilha de palavras de uso menos frequente. A questão do vocabulário (ou da falta dele) é um dos principais "pontos fracos" apontados pelas pessoas que frequentam as minhas formações.

O terceiro capítulo é dedicado à pontuação, com um destaque para a utilização das vírgulas — mais uma vez, uma dificuldade apontada pelos meus alunos.

O quarto capítulo é um resultado do que tenho vindo a reconhecer como "os principais vícios de escrita": o uso de clichês, a utilização excessiva do gerúndio e de estrangeirismos, entre outros. Com estas dicas práticas e a sua aplicação é possível melhorar significativamente a expressão escrita.  Muitas vezes, é tudo uma questão de consciencialização.

Há depois um capítulo mais dedicado a quem deseja escrever ficção, com a sugestão de doze livros para aprender determinadas técnicas literárias essenciais, como o fluxo de consciência, a criação de personagens, a narração, descrição, os diálogos. É um piscar de olhos aos escritores. No final optei por falar das ferramentas online e da inteligência artificial ao serviço da escrita.

A quem destina este livro?

Este livro não é, e nem pretende ser um manual teórico/académico. É um livro simples, despretensioso, mas rigoroso. Foi pensado para todos as pessoas que escrevem no seu dia a dia profissional e pessoal. Há algumas para quem este livro será uma excelente ferramenta, como no caso de influenciadores digitais, criadores de conteúdos, gestores de comunidades online, jornalistas, marketeers, coaches, terapeutas e outros trabalhadores independentes para quem a escrita é essencial para se darem a conhecer ao mundo nos seus websites, blogues, vídeos e redes sociais. Como referi antes, há também um piscar de olhos aos escritores.

Devolvo-lhe uma das perguntas que nos deixa na introdução do seu livro: “O que distingue este livro dos demais que pretendem melhorar a sua escrita?”

Existem no mercado muitos livros com imensa qualidade que trabalham esta questão das subtilezas do nosso português e o “cuidado com a Língua”. O que distingue este livro dos demais é sobretudo a simplicidade da abordagem desta temática (simples não significa ser básico).

A organização e apresentação dos conteúdos é também muito intuitiva. É um livro agradável de manusear. A abordagem das palavras de uso menos frequente e as dicas práticas para melhorar a escrita são também mais-valias evidentes. Mas a grande diferenciação é o facto deste livro combinar a vertente linguística com a literatura. Há em todas as páginas — e até mesmo um enfoque especial na badana da contracapa — o sublinhar da importância da leitura para quem deseja escrever mais e melhor, para quem procura aprimorar a sua escrita.

No livro Erros de Português Nunca Mais, em vez de avançar pelo exemplo do erro, na negativa, o leitor é de um modo geral confrontado com a forma correta de escrever determinada palavra (ou expressão linguística). Ao visualizá-la num contexto correto, acredito que a probabilidade de voltar a cometer esse erro seja menor. E a base de tudo isto são os livros, na sua maioria de escritores portugueses. Excertos, citações de livros conhecidos e outros menos conhecidos que espero que ao serem citados como exemplos, possam suscitar no leitor a vontade de os ler. O meu ativismo literário está presente em cada uma das páginas deste livro e julgo que essa seja a principal diferença do mesmo em comparação com os demais.

Está na hora da leitura. O que ler? Com que idade?

Tem presente quais são os erros de português com os quais mais insistentemente de depara?

Embora a lista de erros possíveis seja extensa, aqui estão alguns exemplos comuns com os quais mais me deparo. Por exemplo, erros de concordância verbal e nominal são frequentes, como a falta de concordância entre o sujeito e o verbo, ou entre substantivos e os seus adjetivos. O uso inadequado de vírgulas, pontos finais e ponto e vírgula é comum e prejudica a compreensão do texto. Redundâncias e repetições são problemas que ocorrem com uma certa frequência. Algumas pessoas tendem a usar palavras ou frases desnecessárias, tornando o texto redundante e cansativo para o leitor.

Erros de ortografia, incluindo erros de digitação, são frequentes, em particular quando se escreve com rapidez ou se depende muito de corretores ortográficos automáticos (por isso, incluí neste livro uma secção sobre erros difíceis de detetar pelo corretor ortográfico automático).

“Concerteza” em vez de “com certeza”, o “á” isolado em vez de “há”, o uso incorreto de “aderência” em vez de “adesão”, a confusão entre “eminente” e “iminente” ou “evocar” e “invocar” são apenas alguns dos muitos exemplos concretos.

Este livro não é, e nem pretende ser um manual teórico/académico. É um livro simples, despretensioso, mas rigoroso. Foi pensado para todos as pessoas que escrevem no seu dia a dia profissional e pessoal.

Um bom escritor tem, à priori, de ser um bom leitor? Se sim, o que se entende por um bom leitor?

A questão de se um bom escritor deve, à partida, ser um bom leitor é um tópico amplamente discutido no mundo literário. Em geral, há um consenso de que a leitura e a escrita estão ligadas. Escritores encontram inspiração nas obras de outros autores, expondo-se a diferentes estilos de escrita, narrativas complexas e personagens bem desenvolvidas. Esse contágio positivo enriquece o repertório literário e estimula a criatividade.

A leitura constante aprimora as habilidades linguísticas, melhora a compreensão da língua, o vocabulário e a gramática. Um domínio sólido da língua é essencial para qualquer escritor, pois é a ferramenta essencial na expressão de ideias e na criação de histórias apelativas para os leitores.

Além disso, a leitura proporciona uma compreensão profunda das estruturas narrativas, incluindo a construção de enredos, o desenvolvimento de personagens, a arte do diálogo e a criação de tensão narrativa. Esses elementos são cruciais para o ofício da escrita.

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Naturalmente, os escritores também encontram inspiração fora dos livros, nas experiências de vida, na observação do mundo e em abordagens experimentais à escrita. Mas os livros trazem-nos todo um admirável novo mundo.

De acordo com a minha visão, um «bom leitor» é alguém que tem uma paixão pela leitura e um interesse genuíno por diversos tipos de literatura. É alguém que analisa o que lê, identifica temas e elementos literários. Lê de forma ativa, fazendo perguntas e refletindo sobre o que leu. Aprende, diverte-se a folhear páginas, livro após livro.

Bons leitores têm um repertório de leituras diversificado. São curiosos e abertos a ideias inovadoras e diferentes perspetivas. E estão sempre em busca de conhecer um novo escritor, uma nova boa história. E claro, conversam (muito!) sobre livros.

Quais são os livros da sua vida?

Essa é uma daquelas perguntas de resposta difícil para quem é uma devoradora de livros como eu. Há livros que me têm marcado em fases diferentes da minha vida.

Sem pensar muito, posso evidenciar O Perfume, de Patrick Süskind, Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Adoro os contos de Edgar Allan Poe e de Jorge Luis Borges. E a poesia de Florbela Espanca, Maria Teresa Horta e Adília Lopes.

O Som e a Fúria, de William Faulkner, e Moby Dick, de Herman Melville, também me marcaram, tal como o surpreendente O Mestre e Margarita, de Mikhail Bulgákov. Li há pouco tempo O Abismo Vertiginoso, de Carlo Rovelli; definitivamente, um livro inesquecível, daqueles que nos abrem a mente como só os bons livros conseguem fazer.