Eu andava a organizar as roupas de verão quando vi aquela peça, ainda por estrear: uma blusinha rosa fushia, de um vaporoso tecido. Daquelas que acaba sempre por deixar à vista alguma parte do sutiã, qualquer que seja o modelo. Decidi experimentá-la e acabei por deixá-la vestida.
Vi as horas. Se queria tomar um café, antes de ir buscar os miúdos à escola, tinha que me despachar. Olhei para o espelho e pensei: "Hum, isto está tudo no sítio...vou mesmo assim." E lá saí, contra o que é meu costume, sem o sustentador peitoral.
Ao passar pela esplanada apercebi-me da dificuldade que alguns olhares tiveram em desprender-se do bailado sensual do meu modesto "front pack". E lembrei-me do pedido de uma amiga: escrever sobre a patética forma como algumas pessoas desculpabilizam as violações por, alegadamente, certas mulheres se "porem a jeito".
Há, de facto, indumentárias (e maneiras de as usar) que deixam muito pouco trabalho às imaginações. Sustentar a classe e o charme com roupas que revelam demais as carnes é uma arte que não está ao alcance de todas. É muito mais fácil fazê-lo, creio, com modelitos que insinuam sem mostrar. Mas estou a desviar-me do cerne da questão. É que nada dá o direito, a ninguém, de forçar o sexo com outrem. Por mais que haja vestimentas capazes de provocar defuntos, a violentação jamais fica justificada. Que quem ande assim pelas ruas tenha que lidar com olhares, piropos e cortejos por demais óbvios, é ponto assente, legítimo até. Eu própria confesso que por vezes fico a olhar, fascinada, quando estou atrás do bar, no Piratas, e me aparecem monumentais pares de seios, pousados lascivamente sobre o balcão. Mas isso não me dá o direito de os agarrar, com ambas as mãos, nem de prosseguir para outras luxúrias. É um bocado como as crianças nas lojas de doces e brinquedos: "É só para olhar, não é para mexer!"
Enfim, qualquer mulher que goste de o ser aprecia, num ou noutro momento, apresentar-se de uma forma mais provocadora e sensual. Mas, repito, quem o faça apenas deve ter que se preocupar com "cantadas" mais assertivas e nunca com agressões à sua integridade física e emocional. Contudo não convém esquecer que, da mesma forma que as fémeas terão, para sempre, o gene "evista" de agents provocateurs, os machos também manterão, para sempre a pulsar-lhes no sangue, a (des)graça da queda na tentação.
Ana Amorim Dias
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