O mundo, com tudo o que nos rodeia, sempre foi inspirador, desde os primórdios. A história do registo da comunicação visual começou há cerca de 44 mil anos, quando o Homo Sapiens começou a retratar cenas de caça em cavernas calcárias. Não podemos afirmar que foi nesse período da história que aqueles que consideramos os nossos ascendentes desenvolveram essa sensibilidade artística, contudo, podemos deduzir que foi aqui que, pela primeira vez, se dedicaram a explorá-la e a retratar o seu universo.
O constante desenvolvimento civilizacional levou a que as pinturas rupestres em paredes evoluíssem para pinturas em tela e que, posteriormente, já no século XIX, a fotografia tomasse lugar na forma de comunicar e retratar o mundo.
Também a própria fotografia evoluiu: passou de preto e branco a cores, ganhou nitidez, contraste, brilho e definição conforme as décadas foram passando e as máquinas fotográficas se iam tornando simultaneamente mais pequenas e mais leves. Hoje a portabilidade da fotografia é uma certeza tal como o é a qualidade que a acompanha e que está ao alcance de qualquer pessoa.
Para haver inspiração basta que haja um mundo em constante desenvolvimento, mas a transformação ininterrupta, de tudo o que nos envolve, exige que a cristalização de cada momento, em fotografia, se concentre, cada vez mais, no instante. Já são poucos os que, pelo simples prazer da estética, dedicam horas do seu tempo a pintar um pôr do sol que viram há uns dias. A maioria das pessoas simplesmente pega no telemóvel, ajusta o brilho e pressiona o círculo que imita um botão nas nossas telas. Mas nem os ajustes são absolutamente necessários se tivermos em conta o avançado nível das predefinições dos sistemas de câmara dos smartphones. Basta apertar o botão.
Hoje a fotografia está ao alcance de todos, seja aos entusiastas da fotografia ou aos profissionais. O investimento que tem sido feito no desenvolvimento tecnológico garante que a “fotografia mobile” possa oferecer, cada vez mais, a mesma qualidade de imagem que se espera dos melhores equipamentos dedicados à fotografia. Esta evolução na fotografia não é, de forma alguma, má ou ameaçadora, ao contrário, facilita o acesso a momentos e histórias que, de outra forma, poderiam passar despercebidos. No entanto, é essencial reconhecer que a velocidade da evolução destes sistemas não se mostra sem desafios. A velocidade e facilidade de produzir conteúdos, quase sempre, geram pressão. E a pressão para produzir imagens rapidamente pode comprometer a qualidade e a profundidade do trabalho. A busca incessante pela partilha nas redes sociais, muitas vezes, distrai da importância de se produzir uma fotografia atenta e cuidada. Na busca pela instantaneidade, a fotografia poderá perder, em certa medida, a sua capacidade de nos fazer refletir. E, ao mesmo tempo ser cada vez mais efémera quando deveria ser sinal de perenidade como uma ferramenta de arqueologia capaz de manter registos do que fomos, muito para lá da nossa existência. Se tivermos cuidado, apesar da vertigem da evolução tecnológica, poderemos manter intactas as principais características da fotografia.
Em última análise, a fotografia continua a ser uma poderosa ferramenta para documentar a vida, expressar emoções e contar histórias. Ela tem o poder de nos lembrar a beleza da desaceleração, da profundidade da contemplação e da importância de dar tempo ao tempo. A fotografia lembra-nos também que, apesar da velocidade do mundo em que vivemos, abrandar faz parte do processo de ver e desse processo nasce ela própria, a fotografia, com todo o poder de mudança que ela pode ter e tem. O poder da fotografia está, potencialmente, ao alcance de todos porque todos podem fotografar com o pequeno equipamento que levam no bolso. Basta abrandar, olhar e ver.
Um artigo de opinião do fotojornalista Rui Caria.
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