Pensar nas cinco décadas decorridas sobre o 25 de abril de 1974 é inevitável estabelecer a dicotomia na sociedade portuguesa de hoje e na que tínhamos antes do 25 de abril. Pensar no antes e no depois conduz-nos às diferenças do antes e do depois. Estas diferenças, que são abismais, refletiam-se em vários sectores da sociedade. Portugal era um país pobre, não só pobre em dinheiro como deficitário em direitos laborais e em valores igualitários entre mulheres e homens, até porque às mulheres praticamente não lhes era reconhecido o direito de terem uma carreira profissional fora do espaço doméstico. O ensino era maioritariamente canalizado para os mais favorecidos economicamente, sendo que as mulheres estavam banidas do exercício de algumas profissões tidas como trabalhos só adequados para homens, e não para senhoras tidas por “dignas” e “de respeito”. Também ao nível do sector da saúde, o acesso aos cuidados de saúde era bastante reduzido e limitado na capacidade de resposta existente. Sobretudo, é inevitável vir à mente que a austeridade veio a traduzir-se num atraso enorme do nosso país face à maioria dos países da Europa e por isso pensamos no nosso país antes de abril de 1974 como algo cinzento e sem cor.
A privação da liberdade veio a resultar numa sociedade pautada pelo conformismo com o regime político que perdurou de décadas, pela apatia e valores sociais pautados pela desigualdade entre mulheres e homens. As mulheres foram objetificadas durante anos e anos, silenciadas, comandadas pelos homens que se reputavam os seus donos, limitadas nos estudos, na possibilidade de exercerem uma profissão fora de casa, foram conduzidas ao papel de mães e esposas, não podendo sequer administrar o seu dinheiro quando o auferiam fora do espaço doméstico e caso pretendessem separar-se e sair da casa de família eram reputadas como mulheres adúlteras, podendo os homens pedir a entrega judicial de mulher casada. Este e outros exemplos poderiam ser dados a respeito do patriarcado da época para podermos perceber o significado do alcance da liberdade para as mulheres e do significado do princípio da igualdade e não discriminação entre mulheres e homens que veio a ser proclamado na Constituição da República Portuguesa por efeito da Revolução dos Cravos.
Após 25 de abril de 1974, houve efetivamente uma construção de direitos, em busca de uma sociedade mais justa, pautada por valores igualitários, capaz de identificar as discriminações face a direitos previstos na lei, capaz de identificar os crimes ainda praticados contra as mulheres e crianças que ainda subsistem nos dias de hoje.
É preciso perceber que 50 anos volvidos sobre o 25 de abril de 1974 continuamos ainda a lutar contra o patriarcado que apesar da evolução ainda subsiste. Assistimos à violência doméstica praticada contra as mulheres e crianças como sendo o crime mais denunciado em Portugal, assistimos anualmente a número elevados de mulheres assassinadas em contextos de relações de intimidade e assistimos a uma sociedade que conhece a violência contra as mulheres, sabe o que ela significa, mas ainda resiste a denunciar a prática dos crimes de que tem conhecimento simplesmente por considerar que a violência contra a mulher é uma questão privada, que deve ser tratada entre quatro paredes, legitimando-se assim o que não é passível de inércia.
Não obstante, o caminho percorrido desde o 25 de abril de 1974 foi enorme e ao celebrarmos os seus 50 anos, devemos celebrar a conquista de direitos. Não alcançamos ainda a plena e efetiva igualdade entre mulheres e homens, mas devemos acreditar que caminhamos progressivamente nesse sentido. Lutamos por isso! Deixámos de ter um país pintado de cinzento para termos a diversidade de cores, cores que capazes de refletir a diversidade, a força, a ousadia, a mudança e a luta pelo sonho, a liberdade!
Um artigo de opinião da advogada Ana Leonor Marciano, especialista em Direitos Humanos, violência de género, violência doméstica, Direitos das crianças.
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