Contraceção hormonal e impacto ambiental são dois conceitos que parecem díspares, mas na realidade têm muito em comum. De que forma é que estes estão interligados?
Sim, sabe-se que os estrogénios representam hoje em dia uma preocupação como poluente. Tem-se verificado um aumento da sua concentração nos solos e águas.
De acordo com um estudo divulgado pela Sociedade Portuguesa de Contraceção, as concentrações de estrogénios derivados de anticoncecionais nos ecossistemas naturais são alarmantes. Como é que se processa este tipo de contaminação?
Os dados atualmente disponíveis mostram que os estrogénios sintéticos, ou seja, o etinilestradiol (EE2), é mais persistente e duradouro no ambiente, podendo por isso ser mais poluente. Os sistemas de eliminação de resíduos parecem ter um papel importante na libertação dos estrogénios para o meio ambiente, já que níveis elevados de estrogénios têm sido encontrados em lençóis freáticos e próximos de estações de tratamentos de águas residuais a nível global. Devido a este aumento de concentração de estrogénios nos solos e águas, levanta-se a questão quanto à introdução destas moléculas na cadeia alimentar, nas plantas, nos animais e nas suas consequências futuras.
Que tipo de consequências é que as hormonas sintéticas, expelidas através das fezes e da urina, têm no meio ambiente e na vida animal? De que forma é que isso pode afetar os recursos hídricos que temos à nossa disposição e a vida humana? Pode desencadear doenças?
Na população portuguesa, a pílula, especialmente a pílula combinada (constituída por estrogénios, a grande maioria por estrogénio sintético etinilestradiol e progestativo) é o método contracetivo mais utilizado, sendo também responsável pelo aparecimento de etinilestradiol no ambiente em concentrações poluentes. Tem-se levantado hipóteses de associações com neoplasias, como cancro da mama e cancro da próstata, e um aumento da taxa de infertilidade ou de obesidade, no entanto são necessários mais estudos, já que o conhecimento sobre os níveis de estrogénios no ambiente ainda apresenta muitas lacunas.
Qual a diferença entre as hormonas que são produzidas naturalmente pelos ovários, como é o caso do estrogénio e a progesterona, e as hormonas sintéticas presentes na composição da pilula anticoncecional? Ambas poluem da mesma forma?
Para além do etinilestradiol, também as hormonas naturais, como a estrona (E1) e o estradiol (E2), atingem o ambiente após a sua excreção nas fezes e urina. No entanto parece existir uma maior excreção em termos quantitativos de etinilestradiol aquando da toma de contraceção oral combinada com este constituinte, face à excreção dos outros estrogénios naturais. Os dados atualmente disponíveis mostram que os estrogénios sintéticos parecem também ser mais persistentes e duradouros no ambiente, podendo por isso ser mais poluentes.
Apesar da informação que nos rodeia, considera que a poluição causada pelas hormonas sexuais é assim tão evidente quando comparada com outros tipos de poluição? Acha que é fácil, para a maior parte das pessoas, fazer este tipo de ligação?
Ainda é um tema pouco falado e por isso pouco conhecido pela população geral. Não se compara, por exemplo, à temática dos plásticos ou das fraldas descartáveis. Mas já se começa a falar sobre o impacto dos estrogénios no meio ambiente, e as mulheres também já demonstram este interesse e preocupação.
De acordo com o estudo NEST-C – Novidades Epidemiológicas Sobre Tendências em Contraceção – realizado com o apoio científico da Sociedade Portuguesa de Contraceção (SPDC) – há cada vez mulheres mais consciencializadas para esta problemática na altura de escolher um anticoncecional. Que tipo de aconselhamento procuram e quais as suas principais preocupações?
É importante na altura do aconselhamento contracetivo mostrar todas as opções disponíveis, sejam elas hormonais combinadas, hormonais só com progestativo, não hormonais, de longa duração reversíveis, definitivos, barreira, métodos naturais… Ou seja, explicar todas as opções, já que o que se pode adequar a uma pessoa, pode não se adequar a outra. No aconselhamento temos de ter em conta o estilo de vida e as contraindicações e o que, dentro das opções, é ou não elegível. Abordar esta questão da escolha do tipo de estrogénio e do seu impacto no ambiente faz parte do aconselhamento e não deve ser esquecido. Verificou-se no estudo NEST-C que mais de metade das mulheres procura o seu médico no sentido de optar por uma pílula com menor impacto no ambiente.
É possível fazer um retrato deste tipo de pacientes?
Os dados do estudo revelam que 28% das mulheres já ouviram falar sobre as consequências negativas da contraceção nos recursos naturais e que são as mulheres mais jovens as mais bem informadas.
Hoje em dia já se começa a falar em green contraception. Que alternativas menos poluentes é que existem atualmente no mercado? São seguras?
Comparando o potencial poluente da contraceção oral combinada que inclui estrogénios e progestativo, em que comparamos na sua constituição a presença de estrogénios sintéticos versus naturais, os dados atualmente disponíveis mostram que os primeiros são mais persistentes e duradouros no ambiente, podendo por isso ser mais poluentes. Por sua vez, a exposição ambiental prevista ao estetrol - um estrogénio natural que foi recentemente lançado fazendo parte da constituição de uma pílula combinada juntamente com o progestativo drospirenona -, não parece ter um impacto ambiental negativo.
Desde quando é que se começou a olhar para as hormonas sexuais como uma fonte de poluição e a alargar o diálogo em torno deste tema?
Já vamos ouvindo falar desta questão há algum tempo, mas mais recentemente tem sido mais divulgado, no âmbito do surgimento de uma nova substância e opção mencionada anteriormente: o estetrol. De realçar que, em 2015, a União Europeia incluiu os estrogénios na lista de "contaminantes de interesse emergente”.
Em setembro lançaram uma plataforma direcionada para a contraceção, intitulada Contraceção, Eu Escolho. Que plataforma é esta e que tipo de informação aí é possível encontrar? A quem se destina?
Esta plataforma tem uma área dedicada a todos os métodos contracetivos, incluindo hormonais, não hormonais, reversíveis de longa duração, definitivos, barreira, naturais… Esta destina-se a todas as pessoas que pretendem informação sobre esta temática.
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