Grande parte dos portugueses ainda anseia por agosto para descansar, depois de um ano de correria, mas, na verdade, o descanso deveria fazer parte da rotina diária. Contudo, em vez disso, a fronteira entre o trabalho e o repouso está cada vez mais diluída. Parece que não conseguimos parar, que não conseguimos desligar-nos do mundo digital, que não conseguimos simplesmente não fazer nada. E esta arte, como alguns lhe chamam, é tão importante como produzir, nunca se esqueça disso.
Alex Soojung-Kim Pang, fundador da The Restful Company, professor universitário e autor do livro "Descansar – A razão pela qual conseguimos fazer mais quando trabalhamos mais", publicado em Portugal pela editora Temas & Debates, propriedade do Círculo de Leitores, é um dos grandes defensores desta ideia. "O repouso e o trabalho devem ser tratados de forma igual. Descansar recarrega as baterias mentais e físicas que são drenadas durante o trabalho", sublinha o especialista.
Mas, no mundo atual, num crescente recurso ao teletrabalho, como tem vindo a acontecer, não só não levamos a sério o descanso como também não descansamos o suficiente. "Vemos o repouso como uma coisa negativa e que é definido pela ausência de trabalho. Imaginamo-nos sentados num sofá com um comando na mão e um pacote de snacks", afirmou Alex Soojung-Kim Pang em declarações à revista Saber Viver. Mas, na realidade, descansar é muito mais do que isso. Depois de ler este artigo, vai levar o repouso mais a sério, como deve ser. Afinal, torna-nos mais criativos, produtivos, mais focados, mais saudáveis e aumenta a capacidade de concentração.
São vários os exemplos que pode seguir. "Quando olhamos para a vida das pessoas realmente criativas e produtivas, observamos que têm uma atitude completamente diferente perante o descanso. Repousar desempenha um papel essencial nas vidas de algumas das mais criativas e prolíficas pessoas da história", refere o fundador da The Restful Company, dando o exemplo do biólogo naturalista Charles Darwin, do neurocientista Santiago Ramón y Cajal e do autor Stephen King.
Nenhum deles, segundo afirma, trabalhava incessantemente, ao contrário do que possa julgar. "Trabalhavam apenas quatro a cinco horas por dia e faziam muitas outras coisas que deram espaço ao seu subconsciente criativo para trabalhar em problemas que haviam eludido o seu esforço consciente, aquilo a que, no meu livro, chamo de descanso deliberado", refere Alex Soojung-Kim Pang. As pessoas que prosperam em posições stressantes e exigentes também, como assegura, sabem descansar.
"São melhores do que os colegas na proteção das suas noites e fins de semana e também a tirar férias", garante "Praticar a inutilidade é algo que nos pode ser muito útil", corrobora Catarina Lucas, psicóloga clínica e diretora técnica do Centro Catarina Lucas. "A vida atual é tão agitada que parar e desligar, nem que seja 10 minutos, pode ser muito saudável e contribuir para o nosso bem-estar. São 10 minutos sem culpa, sem correria, dedicados a nós e a não fazer nada", esclarece ainda a especialista.
O direito ao descanso que não pode negligenciar
É um direito e nunca deve ser desperdiçado. Alex Soojung-Kim Pang não tem dúvidas. "Trabalho e descanso são parceiros. Suportam-se e sustentam-se um ao outro no dia a dia. Pessoas que repousam deliberadamente ficam ativas até aos 80 ou 90 anos", garante o autor de "Descansar – A razão pela qual conseguimos fazer mais quando trabalhamos mais". "É difícil abrandar", como sublinha a psicóloga, "porque as exigências são muitas e as solicitações chegam de diferentes áreas", complementa ainda.
Além dos filhos, do trabalho e da casa, há os problemas para resolver e as compras para fazer, o apoio à restante família, as atividades burocráticas, as idas aos treinos e os passatempos. "Com todas as coisas em que atualmente vivemos imersos, parar é muitas vezes acompanhado por um sentimento de culpa, quase como se não tivéssemos direito a isso. Há uma exigência constante para a produtividade, para o fazer em detrimento do estar", reforça. Mas como se pode superar esse sentimento? "Com algum nível de consciência de que, correr por gosto também cansa, de que somos humanos e que também nos esgotamos", esclarece Catarina Lucas.
"Se não aprendermos a parar e a cuidar de nós, o mais provável é sermos forçados a parar, muitas vezes por quadros depressivos ou de burnout", adverte. Ajuda também a pensar no que a ciência diz acerca do assunto. "Investigações recentes em neurociências e em psicologia mostram que descansar, ter horários diários de trabalho que alternam períodos de trabalho intensivo com períodos de relaxe, fazer e sestas e dormir promove a criatividade e a resiliência", afirma ainda o empreendedor.
"Todo o ser humano precisa de parar e descansar, é inegável. Ninguém é produtivo, eficaz ou criativo quando se mantém por longos períodos sem descansar, mesmo quando gosta muito daquilo que faz", acrescenta Catarina Lucas. Mas, atenção, como diz Alex Soojung-Kim Pang, o repouso não surge por magia quando mais precisamos dele. Especialmente no atarefado mundo de hoje, temos de reconhecer a sua importância, o nosso direito de descansar e de encontrar espaço para ele.
"Comece por levar o descanso a sério o suficiente para tirar tempo para ele. Não pode ser uma coisa que tem depois de acabar tudo o resto. Tem de o planear", aconselha o professor universitário, que sugere que se comece o dia cedo e se giram as finanças de forma a ter férias. Além disso, Alex Soojung-Kim Pang lembra que "o melhor descanso é aquele que nos absorve o suficiente para não pensarmos no trabalho". Sim, descansar não tem de ser forçosamente sinónimo literal de não fazer nada.
"Os hobbies são ótimos para desligar um pouco, para quebrar rotinas, para nos divertirmos e nos encontrarmos connosco próprios. Além disso, completam-nos e preenchem a nossa vida. Por isso, podemos olhar para eles como uma forma de descansar. Recordemo-nos que o descanso não se consegue apenas parando, mas sim mudando de foco", assegura Catarina Lucas. O fundador da The Restful Company garante que, "para a maioria das pessoas, as atividades de descanso são diferentes do seu trabalho". "Para cientistas e pensadores, o exercício é uma forma ótima de descanso", diz o especialista, com base na sua experiência pessoal.
"Para quem é fisicamente ativo, as atividades cerebrais são mais regenerativas", opina. Já sabemos que temos de descansar, mas quantas horas por dia deveríamos dedicar ao ócio? "As pessoas que têm o controlo sobre o seu tempo podem trabalhar intensivamente quatro a cinco horas por dia e passar as restantes a praticar o descanso deliberado. Para quem não controla totalmente as suas horas, é importante proteger o seu tempo livre, à noite, aos fins de semana, nas férias, para recarregar”, recomenda.
E, relativamente às férias, quantos dias deveríamos tirar? "Se quer tirar férias para maximizar o tempo de recarga mental, deverá tirar 10 dias de três em três meses", recomenda Alex Soojung-Kim Pang. "O pico de felicidade e dos níveis de recuperação acontece por volta do oitavo dia, enquanto os benefícios das férias duram dois meses", esclarece. "Isto significa que as únicas férias más são as que não tira", diz. O que faz com elas é consigo. Tanto pode não fazer nada, como ocupá-las ao máximo.
"Praticar muitas atividades nas férias não é um problema", garante Catarina Lucas. "Aliás, pode ser uma forma de fazer o corte com as coisas que nos ocupam no resto do ano. Fazem-nos mudar de foco, o que é importante, porque o cansaço não se traduz apenas de forma física, mas também psicológica e emocional", realça. "Contudo, é importante reservar sempre algum tempo das férias para não fazer nada, nem que seja apenas um dia", aconselha mesmo a especialista e empreendedora.
"Até porque são importantes os tempos de baixa atividade e sem estimulação intelectual, sobretudo para as crianças ainda em fase de desenvolvimento cerebral", acrescenta ainda Luísa V. Lopes, neurocientista e investigadora em neurobiologia do envelhecimento no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa. Independentemente da idade que se tem, não restam dúvidas. Não fazer nada faz (mesmo) bem e devemos fazê-lo (muito) mais vezes, seguindo o exemplo dos italianos, adeptos do dolce far niente.
Comentários