Ir buscar musgo com o meu pai, pelo meio da floresta, e chegar ansiosa para mostrar à minha mãe os trunfos conquistados, fazia parte de uma das dinâmicas da família, na época natalícia. Gostava mais disto do que da árvore em si. Este ano como tenho o menino Jesus cá em casa, voltei a pensar nisso. É engraçado, a maternidade e a paternidade torna-nos pessoas mais esforçadas, é a melhor descrição possível, mais esforçadas. Porquê? Antes não fazia nada com gosto ou brio? Em comparação, parece que sim, não tinha tanto jeitinho como agora. Todas as nossas competências são postas à prova, o canto, a dança, o “quem aguenta mais tempo sem dormir e a ser funcional ao mesmo tempo”: a expressão multitask nunca fez tanto sentido.
Mas voltando ao esforço, porquê ter o bom se podemos ter melhor, porquê ter um momento agradável se podemos ter um muito especial. Confesso que acho essencial criarmos boas memórias. Somos nós a criá-las, depois cabe a nós registá-las ou não, através da escrita, fotos ou vídeos. Nós estruturamos esses momentos numa ordem cronológica e arquivamos nas gavetas da nossa mente. Os sentimentos só existem porque existe memória, recordação de algo. Quem perde a memória, perde a tal estrutura, esvazia as gavetas, faz um reset e deixa de sentir. Interessante isto, sem memória não teríamos saudade.
Gosto do Natal, agora ainda mais, mas deixa-me muita saudade dos que já partiram, de uma forma ou de outra. Altura da família, de sentimentos nobres, desde pequena que não percebo porque não somos assim o ano inteiro, por que é que só nos esforçamos no final do ano?
Há uns anos atrás, optei por um Natal diferente, troquei a minha família por aqueles que perderam a sua. Servir comida à noite, àqueles que estão abandonados na rua a tempo inteiro. Foi estranho, mas no final, a sensação daquele momento fica gravada, o sentimento de união, consciência e de família global, faz muito sentido. Esta experiência é fundamental em termos de valores humanos, de equacionarmos o verdadeiro significado do Natal, à parte do consumismo e de outras coisas desenfreadas.
Mas o Natal é um estado de espírito, e só é vivido em pleno se tivermos condições emocionais para tal. As vítimas de Alepo não sabem o que é Natal, não podem, têm que sobreviver, se é Natal ou não, não interessa. Não há consoada, não há presentes, e o mais cruel de tudo, não há família. A família morreu ou está desaparecida, a casa destruída, bem como os sonhos, a alegria e a esperança. Já Maslow dizia, na sua Pirâmide das Necessidades, que não se pode aspirar à autorrealização, quando não temos previamente as necessidades fisiológicas, de segurança, amor e estima suprimidas. Faz todo o sentido, sim senhora. Mas hoje em dia, esta pirâmide está invertida, a meu ver, porque há quem tenha saúde, comida na mesa, casa, segurança, família e pessoas queridas, e mesmo assim teime em não ser feliz. Estaremos num novo paradigma? Numa nova pirâmide de valores ou prioridades? Dá que pensar. Somos dos países com maior consumo de antidepressivos e tranquilizantes. Procuramos a felicidade a todo o custo e não somos felizes, agradecidos, ou humildes.
Este Natal para mim é muito especial, já o disse, e reafirmo.
Tenho o meu Menino Jesus, e por ele sou grata todos os dias.
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