A palavra lúpus não era de todo uma novidade na vida de Marta Branco, uma vez que a mãe sofria da mesma doença. Mas, com apenas 17 anos, depois de ter vivido uma infância tranquila e adolescência normal, Marta Branco nunca pensou que o «cansaço permanente, as dores articulares e a febre, essencialmente à noite» fossem os primeiros sintomas que lhe viriam a traçar um destino. Apesar de já ter contacto com a doença, o medo foi o primeiro sentimento que experimentou.

«O medo de não poder ter filhos, o medo de ter muitas limitações...», desabafa. No entanto, uma vez que tinha o exemplo em casa, admite não ter ficado «muito assustada» porque considerava a sua mãe «igual a todas as outras». «Nunca senti que a minha mãe não fizesse comigo tudo o que as outras mães faziam, como brincar, levar-me à escola, tratar de mim, etc. Por isso, não considerava a doença muito limitativa», revela.

«Pensei que tinha de ter mais alguns cuidados do que a maioria das pessoas, mas nada de muito preocupante», recorda. Mas no caso de Marta Branco, o lúpus é do tipo eritmatoso sistémico, ou seja, pode atacar qualquer órgão, tornando o diagnóstico mas difícil. «No meu caso, embora já tenha atacado vários órgãos, o mais grave foram os rins, que entraram em falência e deixaram de funcionar por completo», explica.

Arregaçar as mangas para enfrentar o inimigo

A realidade da sua doença teve um efeito mais intenso e negativo do que Marta Branco esperava inicialmente. «Pouco depois do diagnóstico (cerca de um ano) começou logo tudo e em simultâneo. O lúpus atacou-me o coração, os pulmões e os rins, pelo que tive de tomar muita cortisona (que ainda hoje tomo mas em menor quantidade), o que provocou muitas alterações no meu corpo.

Se a adolescência, só por si, já é uma altura da vida complicada devido às alterações que lhe estão associadas, no meu caso senti-as ainda mais, o que afectou a minha autoestima, criando em mim o medo de me relacionar com os outros e de ser rejeitada pela forma quase disforme que o meu corpo ganhou», reconheceria mais tarde.

A força do pensamento positivo

No entanto, Marta Branco nunca foi uma pessoa de desistir ou de se deixar intimidar com os obstáculos. Para isso, admite que foi também muito importante o apoio que sempre teve da família e dos amigos mais próximos. Junto deles sempre se sentiu compreendida e nunca marginalizada. Na altura em que foi entrevistada pela Prevenir, com 32 anos, não levava uma vida normal a 100 por cento, mas vivia como gosta e com prazer redobrado.

«Faço hemodiálise quatro horas, três vezes por semana, o que, além de me ocupar muito tempo, deixa-me ainda mais cansada, mas esforço-me ao máximo para ter uma vida o mais normal possível. Trabalho por turnos nos Bombeiros Voluntários de Campo de Ourique, tenho muito apoio quer dos colegas quer da própria entidade patronal, e é o trabalho que me dá força, é importante saber que sou independente», assegurava.

O sonho que a doença impediu de concretizar

Nessa altura, Marta Branco vivia sozinha, na companhia da cadela Pipoca que, segundo ela, a ajudava a não pensar tanto na doença. Sai normalmente com os seus amigos e vai sempre de férias para o Algarve, embora tenha de fazer hemodiálise em Portimão. O lúpus só a impediu de concretizar um sonho.

«O que mais me afeta é não ter tempo para acabar o meu curso de direito na Faculdade de Direito de Lisboa», lamentava-se. Também não esconde que fica triste por não poder viajar mais e não poder fazer serviço de saúde nos bombeiros, mas tem consciência de que nãotem capacidades físicas para tal. «De resto, não sinto falta de mais nada em particular», conclui.

Veja na página seguinte: A aprendizagem contínua que Marta Branco teve de fazer

Uma aprendizagem contínua

Ao longo destes anos e tendo em conta que a doença lhe foi diagnosticada em plena adolescência, Marta Branco teve de se redescobrir, de aprender a viver com a realidade de uma doença que, até à data, não tem cura. «Aprendi a gostar mais de mim, percebi que estando gorda, magra, com melhor ou pior aspeto, sou sempre eu e têm de gostar de mim pelo que sou, pela minha alma e não pela embalagem. Essa pode sofrer muitas modificações mas a essência do meu ser é sempre a mesma», explica.

«A minha autoestima subiu e percebi que quem se mantém ao meu lado gosta verdadeiramente de mim e quem se afasta por alterações de embalagem é fraco de espírito, não gosta verdadeiramente de mim e não me merece. Quanto ao facto de ser uma doença sem cura, não podemos perder a esperança nem a força. Aproveito todos os dias tudo o que a vida tem para me dar de melhor e de menos bom, mas sempre com projectos, esperança e fé no futuro», acrescenta.

E nem o facto de o lúpus ser uma doença que, em último grau pode ser mortal, abala a sua força e vontade de desfrutar da vida o mais possível. «Se morresse hoje, morria feliz e realizada, não tenho medo da morte. Não deixei nada por fazer ou dizer, o que não fiz foi porque não pude, e é assim que vou continuar a viver, a aproveitar a vida ao máximo», assegura Marta Branco.

«Aprende-se muito com o sofrimento. Aprendi a dar valor ao que realmente tenho e que são coisas muito simples que antes considerava banais», desabafa. «Umas gargalhadas com amigos, uma conversa com o meu pai, um pôr do sol…», exemplificava. «Bebo a vida gota a gota, saboreando a próxima com mais intensidade do que a anterior», conclui.

Ganhar uma nova perspetiva

«Com a doença ganhei uma perspectiva de vida que nunca teria se não tivesse sofrido o que sofri. Aprendi a pôr-me no lugar dos outros, aprendi a arriscar sem medo de perder, aprendi que nada acontece por acaso e não seria a pessoa que sou hoje se não tivesse passado pelo que passei. Agradeço isso todos os dias», afirma Marta Branco.

Pensar positivo é fundamental, considera. «A forma positiva ou negativa como se encara a doença é muito importante. Aliás, o factor emocional interfere fisicamente com a doença. As alterações emocionais reflectem-se em alterações físicas, pelo que os doentes devem ter uma vida emocional o mais estável possível e sempre com esperança, optimismo e coragem. Sinto-me completa, feliz e realizada», revelou à Prevenir.

«Não me sinto menos do que qualquer outra pessoa», afiança. «Aliás, sinto que, embora com mais obstáculos para ultrapassar, não deixo de fazer ou sentir o mesmo que todas as mulheres», acrescenta ainda. Ter esperança é um dos conselhos que deixa. «Nunca percam a esperança no futuro nem o optimismo. Embora saiba que, às vezes, não é fácil pensar assim, a nossa força inata de ultrapassar obstáculos é inesgotável», diz.

«Aproveitem tudo o que a vida vos dá, mesmo o que é menos bom», sugere. «A longo prazo, ensina-nos muita coisa, tudo tem um propósito. Valorizem-se e não aceitem menos do que merecem mas, acima de tudo, não deixem nada por fazer. Façam tudo o que vos fizer felizes!», pede Marta Branco.

Texto: Ana Mendonça da Fonseca