Aos 30 anos, Inês Pereira não pode ingerir, nem mesmo tocar, em pêssego, ovo, marisco, laranja, morango, tomate, frutos tropicais ou frutos secos. O seu historial de alergias alimentares começou muito cedo, por volta dos seis meses, com a introdução de alimentos sólidos na dieta. «Comia bem, mas passado um bocado vomitava», conta. Seguiram-se as consultas de pediatria e vários exames que permitiram chegar ao diagnóstico, alergia alimentar e asma.

Durante esse período, recorda, «tinha reações alérgicas a tudo. Só podia comer uma papa detestável, que vinha do Canadá, à base de leite de soja e que continha os nutrientes essenciais», revela. As reações ao nível da pele surgiram mais tarde, especialmente com a ingestão de ovo e chocolate. «Bastava tocar num ovo, num bolo ou simplesmente numa prata que estivesse em contacto com chocolate para ficar cheia de manchas e ter um ataque de asma» afirma.

A reação do organismo

Com o decorrer dos anos, Inês foi percebendo o que acontecia no seu organismo cada vez que ingeria um alimento proibido. «Basicamente, o meu corpo rejeita o alimento, provocando comichão na garganta, cara inchada, olhos vermelhos e a lacrimejar, falta de ar e, por fim, manchas na pele» refere. Se não for medicada e rapidamente controlada, esta situação pode ser fatal.

«Está provado que o contacto com alguns alimentos pode ser perigoso. Fiz, por exemplo, um teste (pedido pelo Dr. Mário Morais de Almeida, que me acompanha desde os 13 anos e que consulto de seis em seis meses) em que me foi colocado, na pele do braço, casca e polpa de pêssego. Passado uns segundos a minha pele começou a inchar, a ficar vermelha e com borbulhas», relata.

As restrições alimentares foram-se alterando ao longo do crescimento. «Por exemplo, deixei de poder comer maçã crua, há pouco tempo, assim como há alimentos que comia e que agora nem lhes posso tocar, como é o caso do pêssego. Por outro lado, já posso comer chocolate e adoro», conta. A coca-cola, o fiambre e o frango foram alimentos que sempre ingeriu com tranquilidade, mas chegou a ter de os suspender durante algum tempo para fazer um tratamento. «Essa foi a situação que mais me custou», assume.

A pior crise

Os frequentes ataques de asma obrigaram Inês Pereira a sujeitar-se a vários internamentos, no entanto, as reações alérgicas alimentares foram sempre controladas. Há cerca de quatro anos, teve a pior reação alérgica alimentar de sempre. «Ingeri pão com chouriço que continha ovo, apesar de ter perguntado e, na altura, me terem dito que não. Detetei um sabor adocicado e decidi parar de comer. Passado algum tempo, a minha cara começou a inchar, fiquei com falta de ar e comichão na garganta», conta.

Para poder reagir a estas situações, Inês tem sempre consigo um kit de emergência, composto por anti-histamínicos, cortisona, bomba para a asma e uma caneta de adrenalina para injetar em casos graves. «No dia seguinte, descobri que o pão continha massa que sobrava das bolas de Berlim, feitas com ovo, para evitar o desperdício. Desde então, tenho imenso cuidado em ler os rótulos dos sacos do pão porque podem conter vestígios de ovo», salienta.

O apoio da família

Os pais tiveram um papel fulcral na adaptação de Inês Pereira às
restrições e cuidados que as alergias alimentares impõe.

«Tiveram de
aprender muito sobre este problema, foram sempre muito cuidadosos com a
minha saúde e apanharam muitos sustos. Chegaram a ter de reestruturar
alguns hábitos», recorda.

«Quando iam a casa de amigos jantar, por exemplo, tinham
de avisar os anfitriões sobre o meu problema ou levar comida para mim»,
diz com gratidão.

Se em casa sempre sentiu o apoio e a compreensão da
família, na escola ou até junto de amigos isso nem sempre aconteceu.
«As pessoas não percebiam o meu problema. Muitas vezes, achavam que os
meus pais eram demasiado protetores e também era difícil explicar aos
meus colegas porque é que eu não podia comer o mesmo que eles. Quando ia
a festas de anos tinha sempre de levar o meu lanche. Dormir em casa de
uma amiga também era um problema, se ela tivesse um cão ou um gato. Senti-me, muitas vezes, posta de parte pelos meus colegas», conta.

As idas ao restaurante

À mesa, Inês Pereira pensa «sempre nas consequências que um pequeno impulso pode trazer e, por isso, por vezes prefiro não comer. É
uma questão de interiorização e de hábito», assegura. Quando vai a um
restaurante o prato não varia muito. «Como sempre um bife ou peixe
grelhado com um acompanhamento simples que seja arroz branco ou batata
cozida», afirma.

Há certos cuidados fulcrais de higiene que segue diariamente,
em casa, para prevenir reações alérgicas e que, na restauração, nem
sempre são cumpridos, como «não utilizar a mesma colher em recipientes
diferentes ou cozinhar um bife na mesma chapa onde se fritou um ovo.
Isso acontece frequentemente. Como nem sempre é possível ter a certeza
absoluta de que esses passos são cumpridos, não arrisco porque não
confio», lamenta. Nos supermercados também tem de ter cuidados extra como a leitura atenta dos rótulos.

Outras condicionantes

Tia
há três anos, Inês adora estar com o sobrinho, mas recentemente,
apercebeu-se em conjunto com a família que também tem de ter cuidado
nestas ocasiões.

A possibilidade de a criança ter estado em contacto
com um alergénio passou a condicionar esses momentos.

«Temos de nos
certificar que a cara e as mãos do bebé estão limpas, para evitar que eu
sofra potenciais reações alérgicas», conta.

Mas de todos os entraves que as alergias provocam na
sua vida, desde a ida a restaurantes, a festas ou às compras num
hipermercado, viajar é o seu principal receio. «Raramente viajo porque
tenho medo do que possa encontrar lá fora. Se em Portugal sei que corro
riscos quando vou a um restaurante, nos outros países como será? Uma
viagem tem de ser muito bem ponderada», assume.

Partilhar a experiência

«Hoje sou uma pessoa disciplinada, leio sempre os rótulos das embalagens e como com  moderação» diz Inês. Em casa todos apreciam a sua comida. «Ao contrário do que as pessoas pensam, as
minhas refeições são saborosas e quem convive comigo gosta muito». Inês
Pereira está, neste momento, a preparar, com a mãe, um livro de
receitas a pensar nas pessoas que, como ela, sofrem de alergias
alimentares. Garante que é possível elaborar pratos saborosos, por
exemplo, sem recorrer ao ovo, como é o caso dos panados ou croquetes.

«Este
livro, que irá nascer da nossa experiência de vida familiar, pretende
desmistificar alguns preconceitos relacionados com a confeção de
alimentos, abrir o leque de receitas para os alérgicos e, no fundo,
mostrar que é possível viver bem com este problema», adianta.

Quando lhe perguntamos se, mesmo assim, tem muita vontade de provar algum dos alimentos que lhe são interditos, não hesita na resposta. «O morango e a omeleta. Adoro o cheiro de ambos e já me disseram que o odor do morango é equivalente ao sabor», confessa.

Texto: Cláudia Vale da Silva