Um dos mais marcantes passos dados, nos últimos anos, na área da cirurgia plástica e da microcirurgia reconstrutiva - o primeiro transplante total de rosto - ocorreu em Março, em Barcelona, no Hospital Universitário Vall D’Hebron.
Até se submeter a esta operação, Óscar, o espanhol que ficou gravemente desfigurado devido a um acidente com uma arma há cinco anos, passou por nove operações falhadas.
O acidente de que foi alvo, de acordo com a BBC News, tornara actos tão simples como respirar, comer ou falar impossíveis de concretizar de forma autónoma, sendo as suas funções vitais garantidas com a ajuda de dispositivos médicos.
A importância deste avanço
O primeiro transplante facial (parcial) ocorreu em França, em 2005, (Isabelle Dinoire foi a francesa que o recebeu, depois de o seu próprio cão a ter desfigurado). Depois disso foram feitos dez procedimentos semelhantes mas todos a nível parcial.
Para Biscaia Fraga, director do serviço de cirurgia plástica maxilo-facial do Hospital Egas Moniz e da Clínica Biscaia Fraga, em Lisboa, este é «um avanço extremamente positivo tendo em conta que o rosto é um conjunto de estruturas muito complexas e variadas».
Uma operação complexa
A operação envolveu uma equipa multidisciplinar de 30 pessoas. Foi necessário cerca de um dia para que o grupo de especialistas, liderado por Joan Pere Berret, conseguisse concluir com sucesso uma intervenção que, segundo a Fox News, levou dois anos a ser planeada.
A Organização Nacional de Transplantes (ONT) autorizou a intervenção em Agosto de 2009, mas o doador só surgiu em Março.
Antes do procedimento cirúrgico, o jovem passou por vários testes psiquiátricos para determinar se este teria condições psicológicas para receber um rosto completamente novo.
Biscaia Fraga explica que «para que o processo corra bem, as pessoas que se submetem a este tipo de intervenção têm de ter uma personalidade bem estruturada pois estamos a falar de receber uma nova face social, situação que poderá gerar problemas ao nível da própria identidade, caso a pessoa não esteja preparada».
Óscar recebeu uma nova pele e os músculos da cara, os lábios, os ossos do nariz, as maçãs do rosto, o maxilar superior, o palato, a mandíbula e todos os dentes. «Tratou-se de um transplante homólogo, sendo usado o rosto de um cadáver para fazer o reimplante. Para isso, foram utilizadas técnicas da microcirurgia reconstrutiva», refere o especialista.
Segundo o jornal El País, a equipa de cirurgiões teve de ligar quatro veias jugulares (no pescoço), adaptar os ossos extraídos e unir os músculos e os vasos sanguíneos.
Complicações pós-cirurgia
Desde que recebeu o transplante, Óscar teve de superar duas rejeições agudas. A força deste espanhol teve de ser muita para ainda superar um acidente vascular cerebral.
Biscaia Fraga esclarece que este tipo de complicações é uma consequência natural deste tipo de cirurgia «pois há grandes dificuldades em manter a estrutura transplantada, dado que o organismo tende a rejeitá-la e, por isso, a pessoa que recebe o transplante terá de tomar imunossupressores».
Apesar de tudo, e de acordo com declarações que o líder da equipa médica que operou Óscar prestou à imprensa, «a evolução tem sido muito positiva, especialmente considerando todos os riscos e consequências possíveis».
Dificuldades actuais
As últimas notícias dão conta que Óscar ainda revela algumas dificuldades em falar e não consegue mastigar normalmente, dado que as terminações nervosas da boca levam mais tempo para se regenerar. Fechar os olhos é também ainda uma tarefa muito difícil.
Biscaia Fraga considera que «todo este processo evolutivo é normal e exige muito da própria pessoa». Em declarações ao El País, Joan Pere Barret afirma que «serão precisos cerca de 12 a 18 meses para que Óscar recupere cerca de 80% ou 90% das funções faciais».
Por isso mesmo, o primeiro homem a receber um transplante facial total continuará com sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia facial.
Os desafios da medicina
Apesar do impacto deste acontecimento, o primeiro transplante total do rosto é um assunto que tem gerado alguma controvérsia.
Segundo a BBC News, uma das críticas a esta intervenção baseia-se na explicação de que o tratamento contínuo que é exigido aos pacientes que recebem um transplante de rosto poderá deixá-los vulneráveis a outras doenças e problemas psicológicos.
«Quando se conseguir fazer o transplante de toda a estrutura facial de forma a evitar rejeições, recorrendo às células estaminais da própria pessoa, aí sim será dado um passo de gigante nesta área», conclui Biscaia Fraga.
Texto: Fabiana Bravo
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