Será possível melhorar os cuidados de saúde para quem sofre de incontinência ao mesmo tempo que reduzimos o encargo do sistema de saúde com esta patologia?

Um relatório apresentado este ano no Fórum Mundial da Incontinência vem, precisamente, responder a esta questão e traçar um modelo que pretende orientar os Governos na implementação de políticas de saúde nacionais que tornem o tratamento da incontinência mais eficaz e eficiente. 

O Fórum Mundial da Incontinência é uma plataforma de formação e de discussão sobre o impacto da incontinência nos doentes, nos prestadores de cuidados de saúde e na sociedade. Este Encontro juntou decisores políticos, prestadores de cuidados de saúde e dos serviços de assistência social, organizações não-governamentais e especialistas da área médica a nível mundial, para trocarem impressões e explorarem possíveis oportunidades que permitam desenvolver um plano sustentável para uma melhor organização dos cuidados de saúde prestados na incontinência.

O relatório apresentado no Fórum mostrou que os profissionais de saúde podem melhorar a dignidade dos doentes e economizar milhões se adoptarem a uma abordagem correta nos cuidados com a incontinência. Intitulado Especificação do Serviço de Incontinência Ideal, o relatório delineou uma série de recomendações que visam aperfeiçoar a organização dos cuidados na incontinência através da optimização dos recursos utilizados, da equidade de acesso e tratamento, dos cuidados centrados no doente e da defesa das normas profissionais e da formação.

Algumas destas recomendações incidem na melhoria do processo de detecção e tratamento, na transferência da responsabilidade dos cuidados básicos de incontinência para enfermeiros especialistas em incontinência nos cuidados primários, usando um coordenador para assegurar o trabalho de colaboração entre os profissionais de saúde envolvidos nos cuidados de saúde a destes doentes. 

O relatório sugere, também, o estabelecimento de programas credenciados de formação para enfermeiros e outros profissionais de saúde ou de assistência social, e o estabelecimento de processos de avaliação abrangentes e padronizados para responder às necessidades dos doentes e dos cuidadores em relação a produtos para a incontinência. Outra medida bastante destacada no relatório é a promoção da autogestão da doença, através da utilização da Telemedicina.

Estas recomendações fazem especial sentido se tivermos em consideração o elevado impacto da incontinência na qualidade de vida das pessoas e a nível económico, com custos directos, indirectos e intangíveis elevados. Em Portugal juntam-se ainda factores como o envelhecimento da população, a elevada incidência da incontinência nos portugueses e actual situação económica do País, que justificam a implementação local destas recomendações. Apesar disto, verificamos que a incontinência não tem sido uma prioridade e, pelo contrário, é notória uma tendência de redução dos recursos disponíveis para estes cuidados.

Uma componente bastante interessante deste relatório é o facto de, para além de estabelecer recomendações, incluir também uma avaliação económica dos resultados obtidos com a implementação do modelo na Holanda. Este estudo económico, elaborado pela Universidade Erasmus, na Holanda, mostra que um melhor caminho de cuidados, que tenha por base os princípios da Especificação do Serviço de Incontinência Ideal, se for aplicado a doentes com mais de 65 anos de idade com quatro patologias, poderia poupar ao sistema de saúde holandês 14 milhões de euros num período de três anos e poupar 106 milhões de euros, no mesmo período de tempo, numa perspectiva social.

A incontinência é um problema sub-relatado e sub-tratado que impõe uma carga considerável na qualidade de vida dos doentes e dos seus cuidadores. Só em Portugal, a incontinência urinária afecta 600 mil portugueses, afectando cerca de 20% da população portuguesa com mais de 40 anos. Torna-se, pois, essencial a implementação de medidas que visem melhorar a qualidade do serviço prestado e, ao mesmo tempo, uma redução dos encargos dos sistemas de saúde com a patologia.

João Paulo Nunes
Director da Escola Superior de Enfermagem S. Francisco das Misericórdias