A verdade é que, no dia a dia da consulta, são muitos os doentes que nos dizem que os problemas articulares pioraram muito após a infeção. A Clínica Espregueira - Dragão - FIFA Medical Centre of Excellence, Porto, tem procurado gerir serviços preventivos e terapêuticos face ao risco de infeção e ao contágio pelo SARS-CoV-2. Infelizmente, já caminhamos para dois anos de pandemia e temos a lamentar a perda de muitas vidas e sequelas graves. A desinformação chegou e sobrou. Em alguns casos, terá contribuído até para números maiores de morbilidade e mortalidade.
Atendendo à gravidade deste fenómeno dos tempos que vivemos, temos que encontrar formas para proteger a saúde das pessoas simultaneamente com a economia, liberdades civis e direitos fundamentais. A doença – COVID-19 pode ter presença silenciosa ou manifestar-se nas formas mais graves e abrangentes, afetando os sistemas respiratório, cardiovascular, músculo-esquelético, nervoso, urinário, entre outros. O internamento é necessário, em muitos casos, e noutros torna-se indispensável o recurso aos cuidados intensivos.
Apesar dos 400 milhões de infetados, de mais de 5 milhões de mortes por COVID-19, foram realizados avanços extraordinários (e em tempo record), na fisiopatologia da doença, vacinas e tratamentos. No entanto, as consequências a longo prazo terão de ser investigadas, uma vez que subsistem muitas perguntas por responder.
Os doentes que sofrem internamentos longos e sofrem privação de mobilidade, experimentam as consequências severas do alectuamento. Os problemas neuropsiquiátricos (e.g. síndrome confusional aguda), as neuropatias (lesões em nervos periféricos), a atrofia muscular, a perda de equilíbrio e controlo neuromuscular podem afetar a estrutura e a função do sistema músculo-esquelético. Por exemplo, originando perda de força muscular e rigidez articular (poder-se-á perder até 15% de força por cada semana no leito). A estas e outras consequências, somam-se sintomas e sinais descritos e indexados aos cenários da COVID-19 aguda e longa (Condição pós COVID-19).
No sistema locomotor, a Covid-19 aguda pode levar à perda de massa muscular, debilidade, artralgias (dor articular), fadiga, descoordenação motora, paralisias/incapacidades segmentares devido a neuropatias, entre outras. Este cenário clínico pode ser exacerbado por muitos fatores. O envelhecimento potencia a deterioração da função fisiológica e maior vulnerabilidade. A idade avançada, aliada a doenças dependentes ou relacionadas (doença coronária, cerebrovascular, diabetes tipo II, alguns tipos de cancro, etc.) e à maior gravidade da doença por Coronavírus, pode provocar o caos. Há perda de autonomia em atividades de vida diária por incapacidade de locomoção e/ou manipulação, aumento do risco de descompensação de doenças crónicas (e.g. descontrolo da tensão arterial ou glicemia), maior risco de queda e fraturas ósseas. Em suma, precipitam-se contextos físicos de fragilidade e incapacidade que subtraem à qualidade da própria vida.
A estratégia terapêutica pós-Covid deve ser orientada para recuperar capacidades, autonomia e participação plena. A orientação clínica é determinante para gerir fadiga precoce ou continuada, dispneia (sensação de dificuldade respiratória/falta de ar), incapacidade para fazer exercícios/esforços (fáceis antes da doença), descoordenação motora e outras manifestações.
O primeiro passo é uma avaliação clínica e física, completa e ajustada a cada pessoa. Isto é condição necessária para definir um programa de reabilitação seguro e eficaz. Há que, para pessoas em recuperação de COVID-19, customizar o programa, face à multiplicidade de sintomas e condições. O exercício terapêutico é muito importante e, em muitos casos, constitui condição indispensável para ultrapassar os quadros de fragilidade. Este deve observar fundamentos metodológicos e clínicos para que a “emenda não seja pior que o soneto”.
A experiência na gestão clínica pós-Covid, aliada ao trabalho de equipas interdisciplinares (médicos, fisioterapeutas, profissionais de ciências do desporto, nutricionistas e outros profissionais), permite partilhar cenários e tomar boas decisões. Na maioria dos casos, um programa de reabilitação de 12 a 16 semanas, em contexto clínico (e caso não incida a covid longa), permite retomar bons indicadores de condição física para uma vida normal. Em casos de Covid longa, uma pessoa que, após três meses, apresenta queixas de fadiga, dificuldade em respirar e alterações de cognição será um caso mais difícil e demorado. No cenário de ressurgimento de sintomas, face ao tipo e exigência do exercício, pode haver dessaturação de oxigénio e provocar riscos para a saúde. Para um exercício ético, profissionalmente responsável e cientificamente suportado, há que incentivar as pessoas a procurar ajuda junto de instituições habilitadas e profissionais de saúde.
A saúde é o maior capital das sociedades. A reabilitação adequada pode fazer toda a diferença. Não facilite!
Um artigo do Professor João Espregueira-Mendes, médico ortopedista e diretor da Clínica Espregueira – Dragão – FIFA Medical Centre of Excellence. Presidente eleito da Sociedade Mundial de Traumatologia Desportiva (ISAKOS).
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