Esqueça todas as ideias mais ou menos folclóricas que já viu ou ouviu sobre hipnose. A técnica de de que lhe vamos falar reveste-se de seriedade e rigor científico empiricamente sustentado. A hipnose clínica consiste na aplicação de um conjunto de técnicas psicológicas (de sugestão e hipnóticas), integrada numa abordagem terapêutica mais ampla, que visa a resolução de problemas de saúde (mentais e somáticos).
Não se trata de uma terapia por si só mas, sim, de um conjunto de técnicas específicas que podem ser usadas no âmbito de uma terapia psicológica. De acordo com o psicólogo clínico Carlos Manuel Lopes Pires, professor na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, «a sua utilização como terapia autónoma, fora de um enquadramento médico-psicológico, não faz qualquer sentido, configurando o que se pode chamar má prática profissional, eventualmente fraudulenta».
Não é, todavia, fácil perceber se os resultados obtidos pelos especialistas se devem a toda a abordagem feita ou apenas à hipnose. Para saber mais sobre o poder da hipnose, clique aqui. Aproveite e leia também o artigo que explica por que é que a hipnose clínica e a auto-hipnose diminuem os níveis de dor.
Sim ou não à hipnose clínica?
A inclusão de técnicas hipnóticas ou de sugestão no plano terapêutico depende da existência de elementos (por exemplo, a própria pessoa manifestar esse interesse) que levem o profissional (médico ou psicólogo) a acreditar que será benéfica para o doente. Para tal, é necessário fazer, previamente, uma avaliação das características pessoais da pessoa, para se estabelecer o grau de sugestionabilidade ou susceptibilidade hipnótica da pessoa.
De acordo com Carlos Lopes Pires, «a grande maioria das pessoas é razoavelmente hipnotizável, mas precisa de treino para poder beneficiar, do ponto de vista terapêutico, destes procedimentos. Só uma minoria (talvez 5-10%) é altamente hipnotizável». «O psicólogo norte-americano Ernest Hilgard (um dos mais importantes investigadores nesta área) chama a estas pessoas virtuosas», sublinha.
Como se processa o tratamento?
Segundo a Sociedade Psicológica Britânica, o termo hipnose designa a interação que se dá entre uma pessoa, o hipnotizador, e outra pessoa ou pessoas, o sujeito ou sujeitos. Nesta interação, o hipnotizador tenta influir na perceção, sentimentos, pensamentos e condutas dos sujeitos, através de comunicações verbais, designadas sugestões.
Os detalhes das técnicas de indução e das sugestões hipnóticas diferem segundo os objectivos de quem a pratique e dos propósitos da terapêutica. Tradicionalmente, as técnicas de indução incluem sugestões para relaxar, ainda que a relaxação não seja uma parte necessária para a hipnose, podendo-se usar uma ampla variedade de sugestões, incluindo as sugestões de alerta.
Que tipo de problemas trata?
Os problemas e as doenças que podem ser tratados com hipnose, de acordo com a Associação Psicológica Americana (APA), incluem a dor, as cirurgias médicas e odontológicas (dentista), a recuperação pós-cirúrgica, náuseas e vómitos, ansiedade e fobias, depressão, stresse e sintomas de stresse pós-traumático. A lista inclui ainda desordens dissociativas, desabituação tabágica, obesidade e distúrbios ligados a hábitos (tiques, por exemplo).
Os seus efeitos também se estendem à asma, aos distúrbios gastrointestinais (síndroma da bexiga irritável, por exemplo), à hemofilia, a problemas de pele e até ao parto. Para além disso, a evidência clínica aponta outros exemplos. «A hipnose pode ser utilizada para, por exemplo, insuflar coragem nos pacientes com distúrbio de pânico que receiem submeter-se a técnicas de exposição, a terapia mais eficaz nestes casos», refere Lopes Pires.
Por outro lado, «no caso da depressão, pode ser usada, por exemplo, para criar experiências emocionais positivas, facilitando a implementação da terapia propriamente dita». Vários estudos internacionais apontam resultados positivos nesse sentido, sobretudo aos níveis da redução do stresse, da ansiedade e do estado nervoso.
Veja na página seguinte: Os benefícios da hipnose clínica
Quais os benefícios da hipnose clínica?
A hipnose pode ser usada em diferentes fases de uma terapia, permitindo, de um modo geral, acelerar e facilitar os resultados do tratamento. «No caso da depressão, por exemplo», refere Lopes Pires, «pode ser de muito interesse associar-se ao tratamento cognitivo-comportamental, que é o tratamento mais eficaz para a depressão». «Também pode ser usada para aliviar memórias traumáticas ou dores crónicas, para desenvolver força de vontade para fazer exercício físico e combater obesidade, ou até fazer parte de um plano para melhorar a autoestima e desenvolvimento pessoal», acrescenta.
Quanto ao número de sessões necessárias para alcançar bons resultados, de acordo com Carlos Lopes Pires, depende da natureza e gravidade do problema a tratar. «Por exemplo, em casos de distúrbio de pânico simples poderão ser necessárias entre 10 a 15 sessões». Não é habitual, contudo, que numa única sessão se resolva o problema, e muito menos sem o apoio de outras estratégias terapêuticas.
Quem pode recorrer à hipnose clínica?
A hipnose clínica deve ser utilizada apenas por profissionais de saúde (psicólogos e médicos) devidamente treinados e credenciados, não apenas no uso de hipnose, mas também das terapias psicológicas e avaliação psicológica. Embora a hipnose em si não constitua qualquer perigo, as pessoas que a utilizam sem terem formação adequada poderão constituir um risco acrescido para quem as procura.
Mas, atenção, «profissionais que façam regressão, seja a vidas passadas, seja a períodos passados da vida de alguém, têm uma perspetiva que todas as sociedades científicas (como a APA) consideram fraudulenta», alerta Carlos Lopes Pires. Nos últimos anos, em vários países do mundo, foram vários os casos a originar queixas.
3 ideias essenciais a ter em consideração:
1. Eu, hipnotizador
Toda a hipnose é uma forma de auto-hipnose, uma vez que a capacidade para hipnotizar é a pessoa que a possui, não o hipnotizador. Uma vez aprendidas as técnicas hipnóticas, o paciente poderá usá-las em si própria sem recorrer ao terapeuta.
2. Em perfeita consciência
A pessoa que está a ser hipnotizada continua sob controlo de si mesma. Não pode ser levada a fazer o que não quer nem a fazer coisas que vão contra os seus princípios, nem a revelar informações que não revelaria fora de hipnose. A hipnose não é a máquina da verdade.
3. Memória traiçoeira
Os estudos mostram que em hipnose as pessoas lembram mais acontecimentos, mas entre estes estão também falsas memórias, como vidas passadas.
Texto: Fernanda Soares com revisão científica de Carlos Manuel Lopes Pires (professor na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra)
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