É nitidamente a epidemia do século XXI, a depressão. Os números são surpreendentes e impressionantes. Em apenas 12 anos, o consumo de antidepressivos em Portugal quase triplicou, revela um relatório recentemente apresentado pelo Infarmed. Ainda sem estudos antropológicos ou sociológicos que expliquem o aumento de 240% no recurso a estes medicamentos, os especialistas vão arriscando algumas justificações.

Uma das possíveis razões, apontadas pela Autoridade Portuguesa do Medicamento, é a toma prolongada desta medicação, além do fácil acesso e da alteração das indicações de prescrição. Neste cenário, a dúvida surge. A sua toma é, de facto, imprescindível ou há casos em que os antidepressivos são dispensáveis? E que lugar podem ter outras terapias não farmacológicas no processo de superação de uma depressão?

E como não ficar refém nem da doença nem da medicação? Identificar a depressão é um passo essencial. É normal sentirmo-nos tristes. A tristeza é «um estado de espírito normal e em relação ao qual não deve haver intervenção clínica», explicou em declarações à edição impressa da revista Prevenir Álvaro Carvalho, na condição de psiquiatra e diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde.

Os números mais assustadores

O dia a dia é um desafio constante. «As pessoas têm de se habituar a reagir perante as situações de tristeza ou, ao contrário, de euforia. A expressão emocional dominante em cada pessoa caracteriza o estado de humor», defende o especialista em psiquiatria. Contudo, níveis muito intensos e prolongados de tristeza, superiores a duas semanas e acompanhados de outros sintomas podem ser indicadores de depressão.

«Quando estamos perante uma tristeza patológica que, pela intensidade e duração, acaba por interferir com o bem-estar e com a capacidade de cumprir compromissos, há, em princípio, lugar à intervenção clínica e tratamento», refere. «É importante que as pessoas não se deixem invadir pelo desânimo e pela ansiedade», indica ainda. Mas, para isso, procurar ajuda médica, eventualmente especializada, torna-se fundamental.

Segundo dados revelados em 2012, um em cada quatro portugueses já sofreu de depressão, uma percentagem que se assume preocupante, acima da média da de muitos países. Em 2017, de acordo com números divulgados por vários meios de comunicação social, um milhão de portugueses é afetado pela ansiedade e pela depressão. Um número que muitos especialistas consideram subavaliado.

O lugar da psicoterapia

A intervenção deve começar por psicoterapia, podendo ser necessário complementá-la com medicação. A ação terapêutica da psicoterapia, exercida por psicólogos e psiquiatras, com formação adequada, acontece através de diálogo. Como explica Álvaro Carvalho, «ajuda a pessoa a tomar consciência da origem da depressão, a encontrar resiliência e a ter um comportamento adequado perante as situações mais difíceis».

Aplicada como primeira ferramenta clínica, o problema da continuidade, muitas vezes inevitável, parece ser o custo envolvido: «Muitas vezes, é difícil mantê-la por causa das restrições económicas do paciente, já que os resultados são muito mais demorados do que a toma conjunta de antidepressivos com psicoterapia». Indicada em depressões leves e moderadas, é recomendada como primeira linha de tratamento sobretudo em crianças e adolescentes.

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Terapia anti-crise

A crise tem potenciado o aparecimento de depressões, conta Álvaro Campos. «É muito frequente surgirem pessoas com problemas económicos e dificuldade em encontrar emprego. Nestes casos, a capacidade clínica de intervenção é limitada. Não há antidepressivo nem psicoterapia que resolva os problemas económicos e a ausência de trabalho. Mas podemos procurar tornar a vida da pessoa menos complicada em termos de ansiedade e de depressão».

A psicoterapia pode indicar caminhos. «Tenta-se estimular os pacientes com maior capacidade de adaptação a procurarem os chamados nichos de mercado onde possam investir e ver soluções onde só viam problemas», afirma ainda o especialista. Uma forma de identificar estados de depressão sem recorrer a especialistas é através de aplicações móveis como a a iFDepressão, uma ferramenta cognitiva de autoajuda.

Do diálogo aos fármacos

A decisão de aliar a psicoterapia à toma de psicofármacos justifica-se, na opinião de Álvaro Carvalho, quando «há um sofrimento muito acentuado, que nalguns casos pode ser provocado pelo próprio processo psicoterapêutico de estar a explorar situações muito angustiantes. O psicoterapeuta pode considerar necessário um apoio transitório farmacológico», refere o especialista.

«Ao receitar apenas um tranquilizante, podemos tornar a depressão mais evidente», acrescenta ainda. Nos casos mais graves, com ideação suicidária, o médico adverte que «a psicoterapia e os fármacos tornam-se imprescindíveis, sem tornar o paciente apático ou adormecido, ao contrário do que muitas vezes os próprios receiam», acrescenta ainda. Em 2016, o consumo de antidepressivos atingiu quase os oito milhões de embalagens.

Os benefícios dos antidepressivos

Desde 2012 que a venda e o consumo de fármacos antidepressivos não para de crescer, atingindo números preocupantes. «Os antidepressivos anulam a tendência para a depressão e a tristeza, bem como para a ansiedade muitas vezes associada. Não é por acaso que, quando surgiram os mais modernos, nos finais dos anos 80, do século passado, revistas como a Time lhe chamaram a pílula da felicidade», explica Álvaro Carvalho.

«Quando estamos deprimidos, tudo nos parece nublado e cinzento, não temos capacidade para valorizar a adaptação a novas situações e as possibilidades que surjam. A medicação pode ter um efeito muito positivo. Num período médio de seis meses e mínimo de três, pode tratar a doença», assegura o especialista. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2015, 578.000 portugueses sofriam de depressão, 5,7% da população.

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Como atuam os antidepressivos

«Os neurónios funcionam através de descargas elétricas ou mensagens que têm por base substâncias designadas neurotransmissores», explica Álvaro Carvalho. Os antidepressivos atuam positivamente ao nível desses neurotransmissores, induzindo o aumento da concentração dessas substâncias químicas existentes no cérebro, como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina, que equilibram o humor», exemplifica.

«Em caso de défice biológico provocado pela depressão, estes psicofármacos vão conseguir repor os níveis de concentração e estabilizar o humor. Os mecanismos exatos de atuação divergem de acordo com o tipo e as particularidades da depressão, o que determina a existência de vários grupos de antidepressivos», esclarece ainda o especialista português.

Antidepressivos de nova geração

Nos últimos anos, a investigação médica permitiu avanços importantes que revolucionaram o paradigma da saúde mental. Os antidepressivos de primeira geração, surgidos nos anos da década de 1960, que são acompanhados por efeitos colaterais desagradáveis e eventualmente graves, foram ultrapassados por fármacos mais seguros, com um risco de toxicidade reduzido, como a fluoxetina, a paroxetina e a sertralina.

Ainda assim, Álvaro Carvalho adianta que «os de primeira geração (amitriptilina, clomipramina e imipramina, por exemplo), voltaram a ser mais usados em Portugal, porque são financeiramente mais acessíveis». O aparecimento de genéricos tem «facilitado o acesso às opções mais seguras», uma das possíveis causas apontadas pelo estudo do Infarmed para o aumento do consumo.

A medicina não convencional

Em casos de baixa ou média gravidade, as medicinas complementares contribuem para combater os estados depressivos. Um estudo de 2008, citado pelo National Center for Complementary and Alternative Medicine, organismo do governo norte-americano integrado no National Institutes of Health, elogiou as técnicas de relaxamento, como  a imagética, a autohipnose, o relaxamento progressivo do corpo, a meditação e o yoga.

Os investigadores constataram que são mais eficazes para a superação da depressão do que não fazer qualquer tipo de tratamento. Embora não sejam, no entanto, tão eficazes quanto a terapia cognitivo-comportamental, um tipo de psicoterapia. Segundo Álvaro Carvalho, «na maioria das guidelines, o yoga e as técnicas de relaxamento são reconhecidos como benéficos no processo de recuperação».

«Ao dedicarmos algum tempo a nós, tendemos a sentir-nos melhor», afiança o especialista. As intervenções da medicina não convencional «têm alguma eficácia, mas nas situações de média ou alta gravidade são sempre complementares e nunca alternativas», refere ainda. A acupuntura, por exemplo, uma terapia alternativa natural, também tem vindo a ser muito utilizada.

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Técnicas de relaxamento

A comunidade médica considera-as peças importantes num programa de tratamento da depressão. «No nosso estudo, a meditação parece oferecer tanto alívio para sintomas de depressão e ansiedade como outros estudos o demonstraram em relação aos antidepressivos», contou Madhav Goyal, responsável por uma meta-análise realizada pela Johns Hopkins University School of Medicine e publicada no JAMA Internal Medicine. A conclusão aplica-se a casos moderados de depressão.

Resultados promissores

Os investigadores descobriram que a chamada meditação mindfullness, atualmente muito em voga, é a que demonstra resultados mais promissores. Trata-se de uma abordagem budista de autoconsciencialização, praticada durante 30 a 40 minutos, que enfatiza a aceitação dos pensamentos e sentimentos sem juízos de valor e com recurso ao relaxamento do corpo e da mente.

Os estudos do National Center for Complementary and Alternative Medicine sugerem que a prática do yoga e de outras formas de exercício «pode melhorar a qualidade de vida, reduzir os níveis de stresse, diminuir a tensão arterial e aliviar a depressão, a ansiedade e a insónia». Alia a postura física a exercícios respiratórios e à meditação. No entanto, grávidas, hipertensos, pessoas com glaucoma e ciática devem evitar algumas posturas.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Álvaro Carvalho (psiquiatra)