É uma das arritmias mais comuns na população em geral e está associada a uma grande morbilidade. Recentemente, foi elaborado um estudo a nível nacional, onde foram avaliadas 10 mil pessoas e em cerca de 2,5% foi diagnosticada esta arritmia. Falamos-lhe de fibrilhação auricular (FA), a causa de 15% dos casos de Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) em Portugal.

Estima-se que mais de 140 mil portugueses acima dos 40 anos tenha fibrilhação auricular e muitos deles não estão devidamente diagnosticados. As percentagens acentuam-se também a partir dos 70 anos de idade. O Jornal do Centro de Saúde falou com o Dr. João Primo, cardiologista e electrofisiologista no Hospital de Vila Nova de Gaia e no Hospital da Arrábida e presidente da Associação Portuguesa de Arritmologia, Pacing e Electrofisiologia (APAPE) à margem do Lisbon Arrhythmia Meeting 2011 que se realizou no decorrer do mês de Fevereiro.

Quando o coração contrai de uma forma muito irregular e as cavidades superiores do coração se encontram “electricamente” desorganizadas e mecanicamente paradas, estamos perante uma situação de FA. “Mais importante do que definir a FA, é saber as consequências da mesma. Se a aurícula está parada, o sangue pode coagular dentro do coração. Vão formar-se pequenos ‘rolhões’ de sangue, os trombos que se podem desprender e ser enviados para o cérebro e daí ocorrer uma incidência elevada de tromboses”, defende João Primo.

Interessa prevenir, não só possíveis AVC mas também tratar atempadamente a FA. Palpitações ou episódios de palpitações muito rápidos após a prática de algum tipo de exercício físico; falta de ar, tonturas, desmaios e uma súbita sensação de insuficiência cardíaca podem constituir o alerta que conduz potenciais doentes com FA ao médico.

“Quando existem dúvidas acerca das suas pulsações, os indivíduos devem verificar se o pulso é minimamente rítmico. Os valores normais vão de 60 a 100”, acrescenta o médico cardiologista. Um doente com FA pode atingir entre 100 e 175 pulsações por minuto ou inversamente pulsação lenta com pausas.

Onde recorrer?

“Perante os sinais de alerta, o mais adequado será recorrer ao seu médico de Medicina Geral e Familiar. A APAPE está a tentar alertar os clínicos gerais para que os doentes possam ser tratados o mais rapidamente possível. Posteriormente, um cardiologista poderá ter alguma palavra a dizer e vigiar a doença”, salienta João Primo.

Quem sofre de FA deverá evitar a ingestão de bebidas alcoólicas em excesso, o tabagismo, o sedentarismo, o excesso de peso e o stress, para além de seguir as recomendações do médico, nomeadamente o cumprimento da medicação prescrita e das visitas regulares à consulta.

Como tratar?

“O tratamento directo da arritmia é feito através de comprimidos adequados (antiarrítmicos)”ou intervenção, a chamada ablação, diz-nos o presidente da APAPE. Doentes com fibrilhação auricular tendem a ter AVC mais graves, mais incapacitantes e, muitas vezes, de repetição. “A hipocoagulação oral é mandatória como prevenção do AVC. Novos fármacos iram ser lançados no mercado brevemente e podem ser muito úteis na prevenção do AVC pois os doentes podem vir a ter uma melhor qualidade de vida e o Estado poupa dinheiro porque doentes incapacitados constituem um grande peso no erário público. Estamos a prevenir agora para não gastar tanto dinheiro de futuro. Fármacos que poderão substituir a Varfarina e que não necessitam de análises (INR) periódicas como esta, já existem e constituem uma grande esperança num futuro próximo. Tenho esperanças que o Estado proceda à sua comparticipação muito em breve”, defende João Primo.

Na maioria das vezes, o risco de se vir a sofrer de tromboses vai aumentando com a idade. “Se o sangue fica mais fino também aumenta a possibilidade de hemorragias daí que seja necessário o adequado controlo do INR. Este deve estar entre o nível 2 e 3 para que não aumente o risco de hemorragia e a eficácia seja máxima.” Quando os doentes andam bem vigiados, um controlo mensal do INR é suficiente. “É muito importante que haja um acompanhamento médico regular para que a terapêutica seja devidamente ajustada aos valores do INR”, acrescenta João Primo.

Factos que interessam

- “A incidência de FA abaixo dos 60 anos é relativamente baixa mas a partir dos 70 anos de idade, quadriplica. Depois dos 80, ainda duplica relativamente à década anterior”, indica João Primo.
 
- A incidência global é idêntica entre homens e mulheres mas é mais frequente nos homens a partir dos 70 anos. Ainda assim, a partir dos 80 anos, são as mulheres a sofrer mais deste problema porque a esperança média de vida no sexo feminino é superior à dos homens.

- “A abordagem da fibrilhação auricular está sempre em evolução, quer na vertente de prevenção, quer na vertente de tratamento. Estamos a discutir também a questão da proximidade, ou seja, a possibilidade de um doente fazer o controlo do hipocoagulação oral no centro de saúde mais próximo em vez de o doente ter de se deslocar para um hospital central ou um laboratório de análises clínicas mais longínquos”, defende o presidente da APAPE.

Estudo FAMA ajuda a diagnosticar a doença

A falta de dados fiáveis sobre a prevalência de fibrilhação auricular no nosso país foi o motivo que levou ao arranque do estudo epidemiológico FAMA, a cargo do Instituto Português do Ritmo Cardíaco (IPRC) e da APAPE. O estudo avaliou 10.447 indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 40 anos residentes em 70 localidades de Portugal continental e ilhas, de forma aleatória.

As conclusões do projecto revelaram que 2,5 % dos portugueses com mais de 40 anos sofrem desta arritmia cardíaca e que se extrapolarmos estes dados para a população nacional nessa faixa etária, pode afirmar-se que são 121. 825 os portugueses que são afectados pela FA. A prevalência é contudo muito superior na população com mais de 70 anos, com 6,6% e ainda maior em pessoas com mais de 80 anos, 10,4%.

Apesar da fibrilhação auricular ser a arritmia mais frequente na prática clínica, o estudo FAMA veio mostrar que dos indivíduos com FA, só  62 por cento estava previamente diagnosticado, e destes só 74 por cento fazia qualquer medicação para esta arritmia. Há, por outro lado, uma prevalência superior de patologias como a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), a diabetes, a hipertensão e a dislipidemia nos indivíduos com FA, em comparação com a amostra global.

Texto: Cláudia Pinto

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