As arritmias são doenças em que se verifica uma alteração do normal funcionamento do batimento cardíaco. Habitualmente percecionadas como palpitações, podem variar na sua organização, caracterizando-se por batidas esporádicas ou mantidas, na frequência, que pode ser lenta ou acelerada, e na duração, de segundos até semanas ou anos.

Outros sintomas incluem cansaço, dor torácica, intolerância ao exercício, tonturas e desmaios. Há ainda casos em que as arritmias são silenciosas, sendo detetadas em exames de rotina ou por dispositivos como smartwatches, com capacidade de análise de ritmo cardíaco.
Apesar da crescente sensibilização para esta doença, estima-se que 30% a 50% dos doentes com indicação para tratamento especializado não sejam referenciados para consulta de Arritmologia.

Entre as arritmias conhecidas, a fibrilhação auricular destaca-se pela elevada prevalência e riscos associados. É a arritmia mais comum a nível mundial, afetando, atualmente, 50 a 60 milhões de pessoas e prevendo-se vir a ultrapassar os 120 milhões, em 2050. Representa, ainda, uma das principais causas de acidente vascular cerebral (AVC), sendo responsável por cerca de um em cada quatro AVC isquémicos. Surge, geralmente, a partir dos 50 ou 60 anos, sendo os principais fatores de risco a idade, história familiar da doença, hipertensão, diabetes, obesidade, consumo excessivo de álcool e apneia do sono.

Mas como pode a fibrilhação auricular causar um AVC?

A fibrilhação auricular condiciona um ritmo cardíaco absolutamente descompassado. Se o ritmo normal é uma orquestra em harmonia, a fibrilhação auricular representa uma dessintonia completa entre as células das aurículas. A atividade elétrica desorganizada compromete a sua contração eficaz, favorecendo a estagnação do sangue e a formação de coágulos. Estes podem migrar para o cérebro, causando um AVC isquémico, ou para o coração, provocando um enfarte agudo do miocárdio.

Quando suspeitar de fibrilhação auricular?

A fibrilhação auricular manifesta-se, frequentemente, como episódios de palpitações rápidas e irregulares, com início súbito e duração variável, muitas vezes associados a cansaço, mal-estar geral ou tonturas. Nestes casos, é recomendado procurar ajuda médica urgente, sendo importante a realização de um eletrocardiograma, seguido de consulta de Arritmologia. Em idades mais avançadas, pode apresentar-se como cansaço ou perda de capacidade em realizar esforços até então tolerados. Ocasionalmente, pode ser assintomática, pelo que a pesquisa oportunista desta arritmia é essencial.

Como se trata esta doença?

A fibrilhação auricular é uma doença progressiva. Se não for tratada precocemente, os episódios tendem a tornar-se mais frequentes e prolongados, até se tornarem permanentes.

Dependendo do doente, a fibrilhação auricular pode ser tratada através de uma ablação - um procedimento minimamente invasivo -, controlada com medicamentos, ou uma combinação de ambos. A ablação é atualmente recomendada pela Sociedade Europeia de Cardiologia como terapêutica de primeira linha para doentes com fibrilhação auricular paroxística (não persistente), que se manifesta por episódios transitórios e de curta duração, permitindo reduzir sintomas, recorrências e a progressão da doença.

Em que consiste a ablação?

É feita através da introdução de cateteres muito finos numa veia da perna, que permitem estudar a atividade elétrica - fazendo o chamado estudo eletrofisiológico - e criar um mapa 3D do coração, através dos quais é possível detetar os tecidos afetados. Em seguida, aplica-se energia nesses mesmos tecidos, para isolar os focos da arritmia. Quando é realizado em centros especializados, este procedimento é seguro e eficaz, e requer apenas um curto internamento. A evolução tecnológica e técnica dos últimos anos permitiu melhorar significativamente os resultados do tratamento para os doentes, mesmo para os mais idosos.

Em suma, a fibrilhação auricular é a arritmia mais prevalente e uma das principais causas de AVC. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado, personalizado de acordo com o caso de cada doente, são fundamentais para travar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida.

Um artigo do médico João Mesquita, Cardiologista e Arritmologista no Hospital CUF Tejo.