« “Dói-me a barriga” é uma queixa muito frequente nas crianças entre os dois e os cinco anos», refere o pediatra Mário Cordeiro. «Mas como a dor é algo de subjectivo, é sempre difícil aos pais conseguirem ter uma dimensão real da situação», explica.

Por isso, é importante aprender a identificar outros sintomas ou sinais associados, bem como a conhecer a própria “resistência” da criança à dor, de forma a perceber qual o motivo por trás da dor de barriga.

O que nunca deve fazer é ignorar essa queixa.

De acordo com Mário Cordeiro, «a dor na criança é um problema real e, apesar de muitas vezes ignorada pelos pais, não deve ser subestimada, porque até quando as crianças “inventam” dores estão a sofrer, pelo menos psicologicamente».

Por trás da dor de barriga

«Na maioria dos casos, as dores de barriga não traduzem nenhuma doença grave», explica Mário Cordeiro. Na verdade, algumas dores são fisiológicas, correspondendo a movimentos mais intensos do intestino, que funciona por contracções (movimentos peristálticos) que fazem com que o conteúdo fecal avance de uns segmentos para os outros. «Algumas crianças têm movimentos peristálticos fortes, que têm exclusivamente a ver com a maneira de funcionar do tubo digestivo», explica.

No entanto, «se a dor for forte, violenta, em jejum, se aparece em “ondas” de agravamento e relativa acalmia, com diarreia ou vómitos contínuos, febre alta, sangue nas fezes ou desidratação, quebra do estado geral e progressivo agravamento, há que levar a criança ao médico imediatamente», alerta o pediatra. Neste caso, a dor de barriga pode estar a ser provocada por um problema de saúde que requer tratamento imediato. As causas mais comuns são: apendicite, gastroenterite, infecção por helicobacter pylorie obstipação grave.

APENDICITE

O que é?

É uma inflamação, acompanhada frequentemente de infecção, que ocorre quando o interior do apêndice fica bloqueado por fezes mais duras ou por um corpo estranho, ou inflamado.

Quais os sintomas?

Os sintomas clássicos são dor abdominal, febre e vómitos. «A dor pode ser intensa e é, sobretudo, insistente e duradoura, causando mal-estar; o facto de começar antes das náuseas e dos vómitos ajuda a diferenciar a apendicite de uma vulgar gastroenterite», esclarece Mário Cordeiro.

O que fazer?

Não dar medicamentos que possam mascarar a situação, como analgésicos e  antibióticos, e levar a criança imediatamente ao médico ou a um serviço de urgência pediátrica hospitalar, para avaliar o caso.

«Se a apendicite não for tratada, o apêndice infectado pode perfurar ou abrir-se, causando a expansão da infecção ao resto do abdómen e provocando peritonite, uma complicação grave que pode ocorrer em 48 a 72 horas após o início dos sintomas», alerta Mário Cordeiro.

GASTROENTERITE

O que é?

Trata-se de uma infecção de origem viral (mais frequente), bacteriana ou parasitária causadora de diarreia aguda, isto é, aumento do número de dejecções e diminuição da sua consistência em relação ao que é normal para a criança.

Quais os sintomas?

A diarreia aguda é o sintoma mais evidente que, no caso da gastroenterite viral é precedida por vómitos e, frequentemente, acompanhada de febre; na gastroenterite bacteriana, pode haver muco, sangue e pus nas fezes, para além de febre e mal-estar geral. As cólicas e respectivas «dores de barriga», por sua vez, são uma consequência
natural das alterações que ocorrem a nível intestinal.

O que fazer?

O tratamento baseia-se fundamentalmente em re-hidratar (independentemente da causa, o maior problema da diarreia aguda é a desidratação devido à perda de líquidos) e re-alimentar precocemente (não é necessária uma pausa alimentar a não ser que haja grande quebra do estado geral, vómitos ou náuseas).

De acordo com Mário Cordeiro, «os medicamentos para os vómitos ou para as cólicas não têm geralmente qualquer indicação no tratamento da diarreia e da desidratação; e os antibióticos não deverão ser usados a não ser se houver prescrição do médico, pois atrasam a expulsão dos micróbios pelo tubo digestivo». Por outro lado, «os probióticos são eficazes porque ajudam a reparar a população enzimática e microbiológica “boa” do intestino, que vai na “enxurrada” diarreica e é necessária no “depois”, para a absorção correcta dos alimentos».

HELIOBACTER PYLORI

O que é?

É uma bactéria que pode causar doença digestiva, designadamente gastrite (inflamação ou infecção da parede do estômago) e úlcera gástrica no estômago ou no duodeno. «Há que pensar cada vez mais nela, no caso de dores abdominais na zona do estômago, insistentes e recorrentes, especialmente em pessoas que gerem mal o stress», alerta Mário Cordeiro.

Quais os sintomas?

De acordo com Mário Cordeiro, «os sinais de infecção por H. pylori são dores na região do estômago (que algumas crianças descrevem como queimadura), náuseas, azia e, mais raramente, vómitos e perda crónica de sangue nas fezes». Na maior parte dos casos, porém, a infecção por esta bactéria não dá qualquer sintoma; quando os sintomas se manifestam, já existem lesões.

O que fazer?

O «tratamento é feito com um medicamento que diminui a produção de ácido do estômago, dois antibióticos e dieta muito fraccionada e sem alimentos agressores do estômago», indica Mário Cordeiro.

OBSTIPAÇÃO

O que é?

Corresponde a um problema de trânsito intestinal lento, associado a fezes duras por absorção da água ou alimentação incorrecta. «A regressão afectiva pode ser causa de obstipação, por parar o trânsito, tal como acontecia no bebé antes de nascer», refere o pediatra.

Quais os sintomas?

Períodos prolongados sem defecar, fezes duras que podem provocar sangramentos e dores abdominais.

O que fazer?

Para além da dieta correcta, rica em fibra, e dos medicamentos que poderão ser receitados pelo médico-assistente, segundo Mário Cordeiro, «nas crianças até dois anos, «pode-se fazer uso da sonda de gases, um tubo de borracha que se insere no ânus e permite expelir os gases e ajudar a sair as fezes».

Paralelamente, «é essencial habituar a criança a comer alimentos ricos em fibra e cultivar hábitos regulares de ir à casa de banho (depois das refeições principais, com os pés apoiados, na posição de sentado e não “pendurado”)», recomenda o pediatra. «Se o caso for psicológico, há que não descurar este aspecto», acrescenta.

Não à gastroenterite causada pelo rotavírus

A vacina contra a diarreia

Está disponível em Portugal desde Outubro de 2006 uma vacina para a prevenção da gastroenterite provocada por rotavírus (que causa cerca de um quarto das gastroenterites na infância), indicada para crianças desde as seis semanas de vida.

Esta doença, que provoca diarreia e vómitos e pode levar a uma severa desidratação, é muito frequente (este agente é extremamente contagioso e resistente ao meio ambiente), pelo que praticamente todas as crianças, independentemente do estrato social, padecem dela em algum momento, mesmo em ambientes com boas condições sanitárias. Causa vómitos e diarreia intensa, com maior risco de desidratação.

Na União Europeia, estima-se que 3,6 milhões de crianças sofram anualmente de gastroentrite pediátrica, e cerca de 87.000 sejam hospitalizadas por esta causa.

Texto: Fernanda Soares
Revisão científica: Dr. Mário Cordeiro (médico pediatra, presidente da secção de Pediatria Social e Comunitária da Sociedade Portuguesa de Pediatria)