Luísa Monteiro é directora do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Dona Estefânia. Como especialista em surdez infantil, tem vindo a alertar médicos (da sua especialidade, mas também pediatras e neurologistas), educadores, terapeutas da fala e encarregados de educação para o facto de algumas crianças poderem sofrer de distúrbios do processamento auditivo central. Muitos destes casos são, como sublinha, confundidos com défices de atenção, dificuldades de aprendizagem ou comportamentos de dislexia.
“Ao contrário do que se pensava até há algumas décadas”, adianta a especialista, “existem pessoas que, apesar de terem um órgão auditivo periférico e as vias auditivas normais, têm dificuldades em realizar o processamento de determinadas mensagens. Normalmente são pessoas que têm dificuldade em focalizar-se e perceber a mensagem sonora quando há um fundo de ruído ou quando há a competição de vários estímulos auditivos (várias conversas ao mesmo tempo).”
Os sintomas e a respectiva doença não atacam um perfil específico de doentes. Como nos diz Luísa Monteiro, podem tratar-se de crianças que, por exemplo, tiveram casos sucessivos de otites e que, mesmo depois de estas terem sido tratadas, continuam a apresentar dificuldades de percepção da mensagem auditiva; ou seja, o doente está a ouvir, mas não consegue atribuir o verdadeiro significado à mensagem recebida. Muitas crianças com dificuldades escolares, e mesmo adultos com casos recentes de AVC ou com doenças congénitas, podem, na opinião da especialista, sofrer deste tipo de patologia, tendo um ouvido interno completamente normal.
Desta forma, estas não são as perturbações mais clássicas de perda de audição, surdez sensorioneural ou otites que os especialistas em otorrinolaringologia estavam habituados a tratar; antes são casos de pacientes com um órgão periférico de audição normal, mas que apresentam perturbações neurológicas do córtex cerebral, do tálamo e do corpo caloso (as estruturas que fazem o processamento e a integração da audição, que é tratada nos hemisférios esquerdo e direito do cérebro): “Os seres humanos, para terem uma compreensão total da mensagem auditiva têm de integrar o chamado ‘envelope da fala’, ou seja, o timbre, o ritmo, a intensidade, as variações, o contexto e, por outro lado, os próprios fonemas um a um. Os dois hemisférios cerebrais encarregam-se de cada uma destas funções”, sublinha Luísa Monteiro.
Dificuldade no diagnóstico
O diagnóstico, adianta a especialista, não é fácil de realizar, uma vez que pressupõe a existência de laboratórios de audiologia e de reabilitação auditiva vocacionados para este tipo de problemas. Os exames que se deverão realizar são também muito específicos, para que se aborde e quantifique, por exemplo, a compreensão da fala em ambiente de ruído, a localização espacial da fonte sonora e a sucessão temporal dos estímulos sonoros.
Em Portugal, não existe ainda nenhum laboratório hospitalar com o equipamento necessário para a realização destes exames. No entanto, como nos adianta Luísa Monteiro, estes já se encontram em fase de preparação, em conjunto com acções de formação específicas para os técnicos de saúde que irão lidar com estes pacientes.
Na maioria dos casos, sublinha a especialista, estas dificuldades corrigem-se com práticas e exercícios adequados: “É necessário fazer um treino auditivo vocacionado para resolver o deficit que se encontrou nos testes. Há plasticidade no sistema nervoso central para recrutar, com treino, determinadas vias neuronais para substituir outras que não estão a ser suficientemente desenvolvidas.” Em tom optimista, a especialista conclui: “Estas perturbações têm tratamento. Existe esta janela de oportunidade para tratar algumas pessoas.”
Texto: Ana Catarina Pereira
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