Os números da doença são assustadores: existem aproximadamente 250 milhões de diabéticos no mundo e é provável que esse número quase duplique em 2030.
Contudo, este flagelo de saúde pública pode ser controlado e até travado. Porque a prevenção, na maior parte dos casos, é possível.
A diabetes é uma doença crónica que surge quando o organismo não consegue estabilizar os níveis de açúcar (glucose) no sangue. E é, também, cada vez mais, um dos flagelos de saúde pública do século XXI.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, no mundo, existam 250 milhões de pessoas diabéticas e outras 300 milhões tenham um risco elevado de desenvolver a doença. E os números tendem a piorar, sendo provável que o número de diabéticos quase duplique em 2030.
«Também em Portugal, a diabetes tem aumentado de forma muito preocupante», afirma o Presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), José Manuel Boavida. Divulgado este ano, o Estudo da Prevalência da Diabetes em Portugal indica que 11,7 por cento da população portuguesa entre os 20 e 79 anos é diabética e cerca de 23 por cento das pessoas entre essas idades tem pré-diabetes, isto é, tem um alto risco de vir a sofrer da doença.
Prevenir
Urge, assim, apostar na prevenção. Existem vários tipos de diabetes, mas, de longe, o mais frequente é a chamada diabetes de tipo 2. Representa entre 90 a 95 por cento dos casos e «está directamente relacionada com o sedentarismo e hábitos alimentares hipercalóricos», informa José Boavida.
O perfil dos indivíduos que desenvolvem diabetes de tipo 2 é o seguinte: «Quase sempre têm peso excessivo – sobretudo na barriga – e, em alguns casos, são mesmo obesos; fazem pouco exercício físico; e têm, com frequência, a tensão arterial e o colesterol elevados», adianta a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP).
A predisposição genética é, também, um factor de risco, mas não é determinante. O excesso de peso e a vida sedentária é que estão intimamente relacionados com a diabetes de tipo 2.
Porque, nesta variante da doença, o pâncreas é capaz de produzir insulina (a hormona responsável pela redução da glicemia) – ao contrário do que acontece com a diabetes de tipo 1, muito menos frequente –, mas a conjugação daqueles factores torna o organismo resistente à sua acção e obriga o pâncreas a trabalhar mais, surgindo a diabetes quando a insulina produzida deixa de ser suficiente.
Percebe-se, assim, que é possível prevenir a variante mais frequente da doença. O presidente da SPD é categórico: «A prevenção da diabetes de tipo 2 passa pela adopção de hábitos de vida mais saudáveis».
Ou seja, «passa pelo combate ao sedentarismo, à obesidade e pela implementação de uma alimentação mais saudável, em que se recomenda a diminuição do consumo de gorduras, fritos, doces e refrigerantes, e o aumento do consumo de frutas e produtos hortícolas».
No fundo, todos estes conselhos já nos são familiares. Mas é mesmo necessário começar a adoptá-los, se quisermos travar esta autêntica epidemia.
Claro que quando a diabetes já está instalada, há que conviver com ela o resto da vida. O presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia esclarece que «tanto a diabetes de tipo 1 como a de tipo 2 são doenças crónicas. Após o diagnóstico, a doença mantém-se ao longo de toda a vida». No entanto, a doença pode ser controlada e permitir uma vida saudável.
A terapêutica na diabetes de tipo 1 passa sempre pela administração de insulina (uma vez que esta falta, em absoluto, nos doentes); já a diabetes de tipo 2 é tratada habitualmente com comprimidos, «mas a insulina pode e deve ser utilizada sempre que necessário», esclarece José Boavida.
«O diabético deve ser o principal interveniente no controlo da sua doença», adverte o especialista. «Deve aderir a um plano de vida mais saudável, mais activo, com uma alimentação mais equilibrada, e adaptar o plano terapêutico ‘negociado’ com o seu médico de acordo com as suas necessidades.» Se o fizer, controlará a diabetes e evitará as complicações decorrentes da doença.
Falamos de complicações, porque, sendo a diabetes uma doença sistémica, (ou seja, que envolve todo o organismo), pode, se não for controlada prematuramente, levar ao desgaste dos vários órgãos, sobretudo daqueles «que são mais sensíveis à hiperglicémia, como os olhos, os rins, os nervos e os vasos sanguíneos».
Assim, podem surgir complicações tardias «como as doenças dos olhos, a insuficiência renal, as doenças dos pés, e as doenças cardiovasculares», esclarece o especialista.
Infelizmente, estas complicações não são incomuns. Por exemplo, em relação à doença ocular diabética, o Grupo Português de Retina-Vítreo da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) estima que «cerca da 25% dos diabéticos têm algum grau de retinopatia diabética».
Segundo a SPO, não há números precisos sobre a prevalência desta doença em Portugal, mas estima-se que atinja 250 mil diabéticos, dos quais 25 mil terão alguma deficiência visual e 13 mil estarão cegos. Aliás, retinopatia diabética é a principal causa de cegueira na idade activa.
«Um diabético tem 25 vezes mais probabilidades de cegar», sublinha a SPO.
Os especialistas afirmam que é «fundamental» – enquanto não ocorre a implementação de um programa de rastreio nacional, para a qual têm apelado – que todos os doentes diabéticos realizem «uma observação oftalmológica anual, de forma a detectar lesões precoces da retinopatia diabética antes do aparecimento de sintomatologia.»
O cuidado com os pés e a sua inspecção diária é, por isso, muito importante nos doentes diabéticos, nomeadamente nos que sofrem de neuropatia diabética (isto é, de lesões no sistema nervoso, devido aos altos índices glicémicos, que provocam perda de sensibilidade).
Além de estarem mais vulneráveis a ferimentos, «não têm percepção da dor: os doentes não percebem se têm os sapatos apertados, se têm um calo que magoe, ou uma unha encravada…» Por isso, «devem examinar os pés todos os dias, sozinhos ou com ajuda de um familiar».
Se houver alguma lesão, devem procurar ajuda, nomeadamente de um podologista. «Porque se conseguirmos intervir precocemente, é possível evitar graves complicações no pé diabético», afirma o especialista. É necessário, assim, que a pessoa com diabetes esteja atenta a todo o organismo. Mas não se pense que se trata, inevitavelmente, de uma doença que se vai agravando com o tempo.
Controlar a diabetes, não só através da terapêutica sugerida pelo médico assistente, como também adoptando uma dieta saudável, fazendo exercício físico moderado diariamente, controlando o peso, o açúcar no sangue, a tensão arterial e o colesterol, é possível, mantendo, assim, qualidade de vida.
Mas não são só os olhos que exigem cuidados. Também, por exemplo, «o pé diabético é um pé de risco», afirma o presidente da Associação Portuguesa de Podologia (APP), Manuel Azevedo Portela.
Doença silenciosa
«Um dos grandes problemas da diabetes de tipo 2 é que, muitas vezes, os seus sintomas passam despercebidos durante vários anos», nota o presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia.
Enquanto os sintomas da diabetes de tipo 1 (também conhecida por diabetes juvenil, cuja ocorrência não chega a dez por cento dos casos) são bastante manifestos – pois o organismo é incapaz de produzir insulina –, o mesmo já não acontece em relação à diabetes de tipo 2, «cuja evolução é muito mais insidiosa», esclarece o José Boavida.
Aliás, o estudo recentemente divulgado da Prevalência da Diabetes em Portugal apurou que, de cerca de um milhão de pessoas diabéticas em Portugal, quase metade não sabe que o é.
Por isso a realização de exames laboratoriais de rotina é fundamental. «A frequência com que estas análises se devem repetir é motivada pelos factores de risco individuais e, por isso, a mesma deve ser determinada de acordo com o parecer do médico de família», opina José Boavida.
De acordo com a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), tem maior risco de desenvolver diabetes:
- quem tem familiares próximos com a doença;
- as pessoas obesas ou com excesso de peso, sobretudo na barriga, e/ ou sedentárias;
- quem tem hipertensão arterial ou níveis elevados de colesterol;
- as mulheres que tiveram diabetes na gravidez ou filhos com peso à nascença igual ou superior a 4 kg;
- quem tem doenças do pâncreas ou doenças endócrinas;
- quem tem mais de 45 anos.
Por outro lado, ainda que a diabetes se trate de uma «doença silenciosa», é possível, de acordo com a APDP, atentar em alguns sintomas:
- Vontade de urinar em grande quantidade e mais vezes;
- Sede constante e intensa;
- Fome constante e difícil de saciar;
- Sensação de boca seca;
- Fadiga;
- Comichão no corpo (sobretudo nos órgãos genitais);
- Visão turva.
Já sabe: para prevenir a diabetes, adopte um estilo de vida saudável e as recomendações do seu médico. Por outro lado, faça exames de rotina, conheça os seus factores de risco e esteja atento(a) a eventuais sintomas, para, eventualmente, diagnosticar a doença numa fase precoce.
Porque cerca de metade das pessoas que sofrem da doença em Portugal não o sabe. E o desconhecimento é o que torna mais difícil o combate a este autêntico flagelo de saúde do século XXI.
Texto: Ana João Fernandes
Mais informações: www.apdp.pt
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