Os números nacionais de prevalência da diabetes de tipo 2 são alarmantes. Em Portugal, um milhão de pessoas entre os 20 e os 79 anos tem a doença, o que corresponde a cerca de 12,3 por cento da população nacional, sendo que 44 por cento dos casos ainda estão por diagnosticar.

As conclusões do relatório do Observatório Nacional da Diabetes 2010, revelam que, se não forem adotadas medidas, a situação pode assumir proporções ainda mais graves.

Sem possibilidade de cura imediata, devido à  complexidade genética envolvida, a comunidade médica aposta na prevenção, diagnóstico, controlo e tratamento. Como explica Luís Gardete Correia, endocrinologista, «a doença está ligada à obesidade, ao sedentarismo e aos excessos alimentares, fatores que contribuíram para a explosão da diabetes de tipo 2. Esta variante sempre existiu, mas numa percentagem muito reduzida, quase sempre em pessoas que herdavam essa suscetibilidade genética. Antigamente, quase ninguém tinha excesso de peso».

Homens versus mulheres

Mais importante do que a gordura subcutânea como fator de risco da doença é a localização do tecido adiposo. A investigadora Eugénia Carvalho, do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, revela que a doença  incide mais sobre as pessoas com tendência para acumular gordura abdominal.

«Por isso  é que se costuma dizer que se alguém tiver o formato corporal de uma pera não é  tão crítico. Depende onde está situada a sua massa gorda. Se for nas pernas não haverá tanto risco, na cintura poderá ser mais problemático. Normalmente, as mulheres tendem  a ser mais pesadas e gordas, mas são os homens que têm maior incidência de diabetes. Isto poderá dever-se ao facto de serem eles a acumular mais gordura a nível abdominal», explica.

«Talvez também seja pela questão de haver uma maior infiltração de gordura a nível do  fígado e do músculo, a chamada gordura ectópica. A gordura, numa percentagem de  mulheres obesas, pode incidir em lugares onde esta não seja tão prejudicial do ponto de vista metabólico», acrescenta a especialista.

As diferenças entre a diabetes tipo I e II

Ao contrário da influência do ambiente que nos rodeia e dos hábitos de vida,  determinantes na diabetes de tipo 2, na de tipo 1 que se manifesta sobretudo em  crianças e jovens, é consequência de um processo de autodestruição da célula beta, que produz a insulina.

«Na de tipo 1, não há insulina ou esta é destruída em mais 90 por cento. Na 2, há insulina, mas esta produz um défice ou defeito na sua ação periférica. É como se a insulina fosse uma espécie de chave que abre a porta das células para a produção de glicose», refere.

«Esta substância é o combustível que nos permite queimar e dar energia. Se a porta está defeituosa, se a insulina tem dificuldade em abrir a fechadura, é a diabetes de tipo 2. Se não existe insulina porque foi destruída, é diabetes de tipo 1», esclarece ainda Luís Gardete Correia.

Herança indesejada

Em ambas as tipologias da doença existe, no entanto, uma propensão genética. O também presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP) e coautor do livro «Viver com a Diabetes» lembra que «na de tipo 2 são necessários os tais fatores desencadeantes. Se a pessoa adotar hábitos de vida saudáveis, nunca chega a ter a diabetes de tipo 2. No caso da de tipo 1, é um fenómeno de autoimunidade».

«O nosso organismo possui defesas dos agentes exteriores, ou seja, se temos uma infeção existem anticorpos que nos protegem das bactérias. Estas pessoas herdam um erro e as armas de defesa viram-se contra elas. Acontece com os doentes renais crónicos, enfermidades no estômago, entre outros. Há vários fatores que desencadeiam esta deficiência, como é o caso dos vírus», afirma ainda o especialista.

Contrariar o genes

Um estudo realizado pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia, durante o qual foi observada uma população diabética do tipo 2 e os seus familiares diretos sem a doença e tendencialmente mais jovens, identificou características genéticas similares nos dois grupos observados.

Como descreve Eugénia Carvalho, que participou nesta pesquisa, «a investigação, tinha como objetivo principal delinear o papel das células do tecido adiposo nesta doença.

Descobriu-se que o substrato 1 do recetor da insulina está bastante diminuído não apenas nos diabéticos, mas também em 30 por cento dos seus familiares, pessoas 20 ou 30 anos mais novos, o que demonstra que existe, já nessa população mais jovem, uma pré-disposição para ter a doença». Conscientes deste facto, continua a investigadora, «estas pessoas podem mudar o seu estilo de vida e nunca virem a ser diabéticas, contrariando a carga genética».

Mudar de atitude

Adotar um estilo de vida saudável é essencial. «A doença é silenciosa. Uma pessoa não sente dores por ter diabetes; só poderá ter dores ou complicações muitos anos depois. Muitas vezes, as pessoas apenas descobrem que têm este problema quando se submetem a análises de rotina ou dão sangue.

Se tiverem presente a ideia de que a doença está a aumentar e se forem realizadas análises anuais ao sangue para medirem os valores de glicemia, a doença pode vir a ser diagnosticada mais cedo e, dessa forma, os pacientes serem acompanhados de modo a poderem manter-se sem as complicações normais da doença até aos 80 ou 100 anos», alerta a bioquímica.

No caso dos grupos de risco, em que existam já na família crianças ou adolescentes com tendência para o excesso de peso ou obesidade, Eugénia Carvalho aconselha «a fazer análises regulares, de acordo com a indicação do pediatra ou do médico de família. Em pessoas sem antecedentes da doença, este tipo de exames deve ser realizado, pelo menos, uma vez por ano».

Investigação precisa-se

A possibilidade de cura é ainda uma quimera. Eugénia Carvalho esclarece que «a nível mundial, há muito trabalho de investigação, mas pouco avanço no sentido da cura».

«É uma doença complicada e que envolve muitos genes. Embora tenham sido descobertos alguns dos que estão envolvidos, nada que possa conduzir a uma cura imediata», justifica a especialista. «O que se está a tentar fazer é ao nível do tratamento e da qualidade de vida dos pacientes, para evitar as complicações», acrescenta.

«No nosso laboratório, estamos a investigar os mecanismos moleculares da ferida diabética. Queremos saber como é que alguns doentes desenvolvem feridas ou úlceras diabéticas que ficam num estado crónico e que não curam praticamente para o resto da vida», sublinha Eugénia Carvalho.

Uma vez que ao longo dos anos as células que produzem insulina tendem a morrer, esta patologia pode gerar danos graves. «A diabetes é uma doença vascular; atinge os pequenos vasos e acelera a doença dos grandes vasos, que é a arteriosclerose. Onde há vasos podem existir lesões. No fundo do olho pode provocar cegueira; no rim pode gerar insuficiência hepática; nos grandes vasos pode causar problemas nos órgãos e levar a amputações. Existem mecanismos para evitar estas consequências, às vezes com sucesso», afirma o endocrinologista.

Avanços médicos

A bioquímica Eugénia Carvalho considera que, no futuro, a solução pode estar nas células estaminais. «Uma das principais probabilidades de cura não incide numa intervenção genética, porque é uma doença poligenética e o tratamento isolado de um gene não iria dar resposta a todas as questões, mas o que pode vir a influenciar é a terapia por células estaminais, mais a nível da secreção da insulina.

Estas pesquisas estão a decorrer e a ser testadas em animais com alguns resultados positivos, mas ainda não estão preparadas para ser implantadas de rotina em pacientes.» Como explica a investigadora, o objetivo é criar «uma terapêutica ao nível das células estaminais características do pâncreas ou das células beta, para que, a ocorrer a morte dessas células, haja outras maneiras de as fazer rejuvenescer, injetando novas células ou utilizando até células da própria pele. Por isso, com um estilo de vida saudável e um rejuvenescimento celular talvez haja uma resposta mais forte e a pessoa possa manter-se saudável por mais tempo».

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Luís Gardete Correia (endocrinologista) e Eugénia Carvalho (bioquímica)