Especialista teme que a crise afaste ainda mais as mulheres das consultas ginecológicas de rotina, fundamentais para a despistagem de doenças como o cancro da mama e do colo do útero. A boa notícia é que estes rastreios podem e devem ser feitos pelo médico de família.

Não é por medo, receio ou vergonha. As mulheres fogem das consultas ginecológicas de rotina porque “as atenções a que têm de fazer face são tão abrangentes que, muitas vezes, relegam para segundo plano os cuidados que têm consigo próprias”. Quem o diz é o ginecologista e director de serviço do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Coimbra. Daniel Pereira da Silva considera que “há vários factores que podem levar a que a mulher se coloque em lugar secundário na escala de prioridades”. E exemplifica: “poder económico, necessidades dos filhos e outros membros da família e disponibilidade em função dos seus compromissos”.

“Quando perguntamos a esse respeito, constatamos que a mulher conhece a importância da prevenção”, explica o especialista, considerando que “o problema está em saber encontrar disponibilidade para ir à consulta”. Ainda que esteja munida de conhecimento e saiba que tem de fazer consultas e exames de rotina, “a regularidade com a mulher portuguesa o faz é mais baixa que nos países europeus mais desenvolvidos”, salienta o especialista.

Médico de família

Em tempos de crise económica, o risco de as mulheres descurarem esta ferramenta importante para despistar várias doenças é maior. “As carências económicas ou outras, são factores perturbadores e por vezes impeditivos, da ida mulher à consulta”, alerta o ginecologista. E evidencia: “As prioridades alteram-se e os cuidados de saúde ficam relegados para segundo plano”. O responsável do IPO diz que “é normal que assim seja”, já que “compreende-se que o dinheiro possa não chegar para tudo”. No entanto, deixa um conselho: “Importa saber economizar onde é possível e não desvalorizar o que é essencial, nomeadamente a saúde”. E vai mais longe: “Não devemos deixar aos outros a parte que nos cabe em direitos e deveres. O direito à saúde é inalienável, não podemos, não devemos abdicar dele em circunstância alguma, mas temos o dever, a obrigação de sermos os principais agentes para o preservar”.

Daniel Pereira da Silva lembra que a crise não é desculpa para falhar os rastreios. "Não há ginecologistas nos centros de saúde, mas os médicos de família estão aptos a resolver um grande número de problemas”, explica. Adelaide Laranjeira, médica de família e directora clínica do agrupamento de Centros de Saúde (ACES) de Odivelas, confirma. “Os centros de saúde têm meios humanos e recursos materiais para fazerem os rastreios que podem e devem ser feitos ao nível dos cuidados primários”, afirma. Apesar disso, a clínica garante que as utentes tomam pouca iniciativa. “Normalmente é o médico de família que pergunta se a utente tem feito as citologias e o rastreio da mama e recomenda”, explica. E esclarece: “Quando é detectado um problema, as senhoras são reencaminhadas para a consulta da especialidade no Hospital”.

Adelaide Laranjeira lembra, contudo, que muitas pessoas não têm médico de família e para estas fica mais complicado. Só em Odivelas, onde há 169 mil utentes, 59 mil não têm médico de família, embora existam consultas de recurso, “que não chegam para dar resposta a todos os casos”. No entanto, a responsável está confiante que com a nova organização em Unidades de Saúde Familiar (USF) a situação melhore e garante que os clínicos gerais estão mais preparados e sensibilizados para estas questões.

Se ainda não está convencida de que tem de ser activa nesta matéria, deixe-se contagiar pelo incentivo do ginecologista Daniel Pereira da Silva: “A mulher tem de ser positivamente mais egoísta. Tem de encontrar e ocupar o seu espaço e os cuidados de saúde tem aí um lugar de destaque”.

Pergunta & Resposta
Daniel Pereira da Silva, ginecologista

Que doenças podem ser evitadas com a ida às consultas ginecológicas de rotina?
Doenças de transmissão sexual e mesmo outras infecções de menor impacto. Algumas perturbações nos ovários (quistos), no útero (pólipos, miomas, cancro e outros) ou nos seios (quistos, nódulos e cancro) podem ser evitados ou diagnosticados mais precocemente, o que pode fazer toda a diferença. As consequências da menopausa podem ser minimizadas. O uso de um método contraceptivo bem ajustado é fundamental para evitar uma gravidez indesejada e proporcionar a base para uma sexualidade satisfatória.

Qual a periodicidade com que estas consultas devem acontecer?
Uma consulta por ano. Nessa consulta devem ser avaliados todos os sinais e sintomas, deve ser feito um exame geral e ginecológico. A contracepção e a sexualidade não devem ser esquecidas. Os exames complementares devem feitos em função da idade e condições da mulher. A citologia, para prevenção do cancro do colo do útero, deve ser realizada a partir dos 25 anos, de 3 em 3, no máximo de 5 em 5 anos; a mamografia, para a prevenção do cancro da mama, deve ser feita no máximo de 2 em 2 anos, a partir dos 40-45 anos; os outros exames devem ser pedidos conforme os elementos colhidos na consulta.

Estudo demonstra que vacina contra 4 tipos de Papilomavírus Humano (HPV) permite salvar centenas de vidas e poupar milhões de euros

Quatro anos após a introdução em Portugal da vacina contra 4 tipos de HPV (Papiloma Vírus Humano) – e cerca de três anos depois de ter sido integrada no Programa Nacional de Vacinação (PNV) –, estima-se que o Estado poupe cerca de 114 milhões de euros em despesas de diagnóstico e tratamento de doenças associadas a este vírus, prevendo-se ainda que possam ser evitadas 422 mortes por cancro do colo do útero, 2.225 casos de cancro do colo do útero e 19.352 casos de verrugas ou condilomas genitais. Estas são as principais conclusões do estudo “Impacto da Vacinação com a Vacina Quadrivalente em Portugal: 2007-2011”, um trabalho científico realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública e apresentado este mês pelo Prof. Carlos Costa no Congresso EUROGIN 2011 que decorreu no Centro de Congresso de Lisboa.

O referido estudo, desenvolvido por uma equipa orientada pelo Prof. Carlos Costa, confirma a excelente efectividade da vacina (contra quatro tipos de HPV) escolhida pelas Autoridades de Saúde para integrar o PNV, demonstrando os elevados ganhos em saúde. A vacina contra 4 tipos de HPV é a única que confere protecção contra os subtipos 6 e 11, responsáveis por 90% dos casos de condilomas genitais.

Texto: Sandra Cardoso

A responsabilidade editorial e científica desta informação é do jornal