Incorporado na hemoglobina, é conhecida a sua importância no transporte de oxigénio, mas desempenha igualmente uma função central no metabolismo energético celular, para além de outras funções no controlo do ciclo celular, bem como, o armazenamento e fonte de oxigénio durante a função muscular.

Necessidades de ferro

As necessidades de ferro variam ao longo da vida em situações fisiológicas e patológicas: fisiológicas - gravidez, infância, adolescência, menstruações e outras; patológicas - hemorragias de causas diversas, tumores e outras. Aumentam significativamente durante a gravidez, porque ocorre um aumento fisiológico de cerca de 35% da massa de glóbulos vermelhos (eritrócitos) e um aumento de 40% a 50% do volume plasmático.

O sangue fica fisiologicamente mais diluído e com redução relativa da hemoglobina e hematócrito. Verifica-se, ao mesmo tempo, um aumento progressivo das necessidades de ferro durante o 2º e 3º trimestres da gravidez, devido ao desenvolvimento fetoplacentar e tecidular materno. O organismo tem de responder com a manutenção de um maior número de eritrócitos e também com um volume sanguíneo superior, assim como, fazer face às necessidades de ferro no fígado do feto em desenvolvimento. Deverá, por outro lado, estar preparado para responder com eficácia às perdas normais de sangue e à hemorragia durante o parto.  A presença de anemia durante a gravidez provoca alterações importantes no desenvolvimento cognitivo do bebé e associa-se a desfechos perinatais desfavoráveis.

Há também necessidades acrescidas de ferro durante a infância e, sobretudo, durante a adolescência, particularmente nas raparigas com o aparecimento da menstruação. Outro grupo de necessidades acrescidas são aqueles que praticam desporto com regularidade.

A quantidade de ferro que o organismo necessita é diferente entre mulheres e homens: cerca de 300 mg nas mulheres e de 1.000 mg nos homens. As perdas de ferro verificam-se através da urina, fezes, suor e descamação da pele. Em homens saudáveis são, em média, de 1mg/dia; nas mulheres, a perda é por volta de 1,5mg/dia.

É fundamental que haja estabilidade no conteúdo de ferro no organismo. Tem de existir um equilíbrio constante entre a ingestão e eliminação, que depende da composição da dieta, da absorção do ferro, da degradação dos glóbulos vermelhos e perdas fisiológicas.

A quantidade diária de ferro de uma dieta normal deve conter 12 mg a 18 mg de ferro por dia, sendo que dessa quantidade apenas 5 mg são absorvidos. Uma fonte orgânica de ferro muito importante é obtida através da reciclagem de eritrócitos senescentes.

Ferro heme e não heme

Os alimentos são fonte de dois tipos de ferro, o ferro heme presente nos derivados animais, como a carne vermelha, marisco e o peixe, e o ferro não heme presente nos vegetais verdes, feijões, cereais e ovos.

O ferro heme é melhor absorvido e de forma mais rápida e, a sua absorção, é pouco influenciada pela composição da dieta e, apenas, é afetada pelo tipo de proteína animal ingerida e pela presença de cálcio.

O ferro não heme é influenciado pela dieta, pela quantidade de ferro presente, por elementos facilitadores e inibidores e pelo estado de saúde e nutricional do individuo. A quantidade de ferro não heme, não absorvido, é a principal causa dos efeitos adversos observados quando são utilizados na suplementação de ferro por via oral, o que acontece com elevada frequência (70% dos casos): náuseas, vómitos, dores no estômago, desconforto abdominal, diarreia e obstipação.

O ferro heme tem melhor solubilidade, melhor absorção e melhor biodisponibilidade, não sendo afetado pelo pH gástrico e medicamentos que o modificam, como é o caso dos protetores gástricos frequentemente utilizados. A absorção do ferro tem lugar no duodeno e parte proximal do intestino delgado e varia, sobretudo, com o tipo de ferro e relação entre as frações de ferro heme e não heme. A absorção do ferro heme é de cerca de 20% a 30% em comparação com a absorção do ferro não heme que é de apenas  2% a 10%. A ingestão conjunta de ferro heme e não heme é importante e a sua associação pode ser mais relevante que a quantidade de ferro total ingerida.

Sinais de sintomas da carência de ferro

A carência de ferro pode instalar-se de forma incipiente com sintomatologia ligeira, por adaptação orgânica, como acontece quando a ingestão de ferro é insuficiente (dieta inadequada, vegetariana ou vegan) e, por último, situações patológicas em que existe uma absorção diminuída (deficiência de vitamina C, doença intestinal, redução gástrica e perdas sanguíneas ligeiras). Quando a anemia está instalada os sintomas são: palidez, fraqueza generalizada, cansaço fácil, intolerância ao esforço, letargia ou falta de concentração, queda de cabelo e obstipação. Naturalmente que, em todas as situações clínicas em que há perdas sanguíneas agudas e abundantes, a anemia súbita acarreta sintomas de grande gravidade e urgência, que pode levar à morte.

O diagnóstico da carência de ferro e anemia, fundamenta-se em critérios bem estabelecidos dos valores da hemoglobina e ferritina, que variam em função de condições específicas, nomeadamente a gravidez e tempo de gestação.

Prevalência da carência de ferro

A carência de ferro é a causa mais importante de anemia e corresponde a 90% de todas as causas de anemia. Trata-se de uma situação muito frequente em todo o mundo, particularmente nos países mais pobres, mas é um problema de saúde pública, mesmo nos países desenvolvidos e com bons rendimentos per capita.

Em Portugal, num estudo realizado em 2020, foi verificado que a prevalência de carência de ferro em mulheres não grávidas, em idade fértil, estava presente em 72,9% dos casos e em mulheres grávidas em 94,8%. As gestantes, no segundo e terceiro trimestres, apresentaram prevalência de deficiência de ferro acima de 90%, independente da sua faixa etária.

A prevalência de anemia por género foi maior em mulheres, com uma prevalência de 33,3% em homens e, de 50,0% em mulheres não grávidas. Em comparação com os homens, as mulheres não grávidas foram associadas também a um maior risco de anemia. A prevalência de anemia na população geral portuguesa foi de 20%, particularmente em mulheres (21%), mulheres grávidas (54%) e adultos com idade superior a 65 anos (21%).

A carência de ferro não é um problema dos outros, é um problema nosso, com particular relevância para os jovens e mulheres.

Correção da carência de ferro – suplementação com ferro

Os estados de carência de ferro obrigam à identificação da sua etiologia e respetiva correção, se for o caso.

A correção do deficit de ferro deve obedecer a dois princípios complementares: dieta e suplementação com ferro. Privilegiar os alimentos ricos em ferro heme deve ser recomendado (ver acima os alimentos referenciados) e associar a suplementação de ferro oral.

Os sais de ferro são amplamente utilizados, devendo ser administrados sempre que a ferritina é inferior a 50ng/ml. Estes sais de ferro devem ser administrados com o estômago vazio e a dose recomendada diária varia entre os 100 mg e os 200 mg de ferro por dia, em comprimidos. Como referi atrás existem várias interações com alimentos e medicamentos. A absorção de ferro diminui com leite, fitatos, taninos, polifenóis, cálcio, magnésio e protetores gástricos. Os efeitos adversos gastrointestinais são muito frequentes. Dependem da quantidade de ferro não heme ingerido e da tolerância individual. Existem outras formulações através de soluções orais de complexos de ferro que são um pouco mais bem tolerados, mas com as mesmas interações alimentares e medicamentosas.

A suplementação de ferro heme por via oral é uma possibilidade mais recente. Apresenta maior biodisponibilidade e melhor adesão à terapêutica porque tem menos efeitos adversos que estão relacionados com a menor quantidade de ferro elementar associada às formulações de ferro heme. A evidência da utilização de ferro heme na gravidez é positiva, demostrando um melhor cumprimento do tratamento e eficácia semelhante à suplementação com ferro endovenoso.

Na doença renal crónica a evidência, obtida por estudos randomizados, da utilização do ferro heme conclui existir uma similitude no que se refere à eficácia do ferro heme versus ferro endovenoso na manutenção de hemoglobina, em doentes com doença renal crónica não dialisados, sem diferença nos efeitos adversos aos 6 meses, ou seja, muito bem tolerado.

Os estudos de vida real sugerem que o ferro heme é eficiente em mulheres grávidas e não grávidas com anemia por deficiência de ferro, com boa tolerância e melhoria dos parâmetros hematológicos.

Nos Estados Unidos e no Canadá, no que diz respeito à suplementação oral, o ferro heme é a suplementação de escolha a seguir à administração de sais de ferro.

Conclusões

A carência de ferro é um problema muito frequente e de extrema importância. As situações fisiológicas de aumento de necessidade de ferro devem ser vigiadas e devidamente tratadas, com destaque para infância, adolescência e gravidez, onde o défice pode ter consequências muito graves. Existem atualmente inúmeras armas terapêutica para a suplementação com ferro. O uso do ferro heme é uma mais-valia, porque permite aumentar a adesão ao tratamento e encurtar a sua duração.

Um artigo do médico Daniel Pereira da Silva, ginecologista no Instituto Médico de Coimbra.