A diabetes é uma doença crónica, caracterizada pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue (hiperglicemia), que obriga a cuidados terapêuticos continuados para assegurar o funcionamento normal do organismo. Quando esse controlo não é feito corretamente, para além das descompensações agudas imediatas,  podem surgir complicações em diferentes órgãos (afetam 40% dos diabéticos), que evoluem progressiva e silenciosamente (sem sintomas).

Estas complicações podem ocorrer nos dois tipos de diabetes (tipo I e tipo II) e surgem fundamentalmente como resultado de um mau controlo metabólico, ainda que alguns fatores genéticos também possam estar na sua origem. Para preveni-las ou, pelo menos, minimizar os seus danos, é fundamental promover um controlo eficiente da glicemia, bem como de outros fatores de risco associados (hipertensão e colesterol, por exemplo), associado a uma vigilância periódica dos órgãos mais sensíveis.

As manifestações tardias da diabetes são causadas, na sua grande maioria, por lesões nos vasos sanguíneos (micro e macroangiopatia) e, com menor frequência, no sistema nervoso periférico (neuropatia diabética). Conheça as suas consequências e saiba como preveni-las:

- Lesões nos vasos sanguíneos

Resultam do aparecimento de alterações nas paredes dos vasos sanguíneos, tornando difícil a passagem do sangue e, por conseguinte, o transporte de oxigénio e nutrientes a determinados tecidos ou órgãos do corpo. Têm o nome genérico de angiopatia diabética e manifestam-se de forma diversa, consoante os vasos lesados. Nos pequenos vasos, fala-se em microangiopatia e, nos grandes, de macroangiopatia.

- Microangiopatia diabética

É uma complicação que apenas se manifesta nas pessoas diabéticas e afeta essencialmente os vasos da retina (retinopatia) e dos rins (nefropatia).

- Retinopatia diabética

A retina é uma fina camada no fundo do olho, rica em pequenos vasos sanguíneos e nervos, cujas lesões podem levar à cegueira em ambos os tipos de diabetes. «Na diabetes tipo I, nas fases iniciais da doença, não há, habitualmente, lesões, e estas desenvolvem-se sem sinais da evolução da doença. Na diabetes tipo II, as lesões podem estar presentes desde o diagnóstico e devem ser despistadas», descreve a endocrinologista Cristina Valadas.

As pessoas com diabetes tipo I devem começar a fazer observações oftalmológicas periódicas (anuais, no mínimo) a partir dos cinco anos de doença e os doentes tipo II, logo a partir do diagnóstico, uma vez que a descoberta precoce de fragilidades nestes vasos permite, através de fotocoagulação com radiações laser, impedir a sua progressão.

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- Nefropatia

Os rins são constituídos por milhões de pequenos vasos que transportam sangue com impurezas para serem eliminadas através da urina que aqui se forma. As alterações nos vasos dos rins prejudicam progressivamente este processo de filtragem, podendo levar à falência total de funções. O sinal mais precoce de nefropatia é a perda, acima de valores normais, de proteínas na urina (microalbuminúria), só detetável através de uma exame específico fácil de efetuar.

À medida que se caminha para a insuficiência renal, podem surgir sintomas de fadiga, cansaço e perda de apetite. Para prevenir, para além do controlo da diabetes, é importante manter a tensão arterial tão baixa quanto possível, moderar o consumo de proteínas de origem animal e não fumar. Para o diagnóstico precoce da nefropatia é necessária a pesquisa de microalbuminúria. Esta análise é obrigatória em todos os diabéticos, devendo ser feita, pelo menos, três vezes por ano, de forma a detetar a nefropatia numa fase ainda reversível.

- Macroangiopatia diabética

Resulta da acumulação progressiva de placas de gordura (aterosclerose) nas paredes das grandes artérias (cerebrais, coronárias e dos membros inferiores) e é, sobretudo, uma complicação da diabetes tipo II (a que decorre de má alimentação e sedentarismo).

- Aterosclerose cerebral

As suas consequências podem ir desde sinais de envelhecimento com faltas de memória à dificuldade em conduzir um raciocínio. Em situações mais graves, pode conduzir a acidentes vasculares cerebrais (AVC), que podem levar à morte. «A prevenção da doença vascular cerebral passa pelo bom controlo da diabetes, associado ao controlo dos outros fatores de risco, dos quais se destaca pela sua complicação a hipertensão arterial muito frequente em Portugal e que faz com que sejamos um dos países com maior número de mortes por AVC», explica Cristina Valadas.

- Aterosclerose coronária

Quando as lesões nas artérias do coração (coronárias) comprometem de forma significativa a passagem do sangue, pode surgir uma angina de peito; se as obstruírem por completo, dá-se um ataque cardíaco (enfarte do miocárdio), uma situação muito grave cujo prognóstico é bastante menos favorável do que nos não diabéticos, podendo levar à morte.

Tenha em mente que na diabetes nem sempre o sofrimento do músculo cardíaco se faz acompanhar de dor no peito. Assim, cansaço anormal, falta de ar, sensação de vómito ou desmaio podem ser os primeiros indícios. O risco de doença coronária aumenta substancialmente quando à diabetes se associam outros fatores de risco como as gorduras no sangue (colesterol e triglicéridos) elevadas, a hipertensão arterial (é duas vezes mais comum em diabéticos), a obesidade e o tabaco, pelo que é essencial controlar estes fatores.

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- Aterosclerose dos membros inferiores

Faz com que os membros inferiores passem a ser mal irrigados, situação a que se dá o nome de isquemia. Começa por provocar dores na barriga das pernas ao caminhar e, pouco a pouco, vai produzindo lesões tróficas. Nesses casos, os pelos das pernas caem, a pele torna-se fina e frágil e surgem feridas ao mínimo traumatismo. Nas fases mais avançadas, culmina em gangrena.

Esta situação acaba por afetar um ou mais dedos do pé ou até de toda a perna, o que obriga à amputação (a diabetes é responsável por 40 a 60% de todas as amputações feitas por causas não traumáticas). Este problema (denominado de pé diabético) é agravado, ainda, por outras manifestações tardias da diabetes, nomeadamente neuropatia, em que a lesão dos nervos provoca perda da sensibilidade térmica e dolorosa, pelo que o doente pode ferir-se ou queimar-se sem dar por isso.

Outra manifestação tardia prende-se com uma maior susceptibilidade às infeções associada à dificuldade de cicatrização. O cuidado (aplicar creme hidratante) e a vigilância dos pés devem ser diários (mesmo as fendas já existentes podem não doer). O calçado não pode ser apertado nem ter nada dentro que possa ferir os pés, e as meias não devem ter costuras.

- Neuropatia diabética

Resulta de lesões no sistema nervoso periférico, através do qual passam informações sensitivas (perceção da dor, da forma e da temperatura, por exemplo) e ordens do cérebro para diferentes órgãos do corpo. Começa por produzir, de forma progressiva, alterações da sensibilidade (as queimaduras sem que o doente se dê conta são frequentes) e queixas dolorosas. Posteriormente, surgem alterações motoras, com parésias (incapacidade dos músculos funcionarem devidamente) e paralisias, que são mais frequentes nos membros inferiores, mas podem envolver nervos dos músculos da face.

A neuropatia pode ainda atingir o aparelho digestivo (provocando atraso no trânsito alimentar, obstipação, diarreia), o coração e a bexiga e, até, provocar disfunção sexual. A melhor prevenção passa pelo controlo de todos os fatores de risco já descritos, mas essencialmente pela obtenção de um bom controlo das glicemias.

Texto: Fernanda Soares com revisão científica de Cristina Valadas (endocrinologista na APDP, Associação Protectora dos Diabéticos Portugueses)