A sua prevalência é de cerca de 2 casos em 1000 nado vivos, com o diagnóstico anual de 200 novos casos em Portugal.
A PC é uma perturbação do movimento e da postura, causada por uma lesão ou malformação num cérebro imaturo. Assim as causas da PC poderão ocorrer durante a gravidez, no parto ou nos primeiros 5 anos de vida. A sua gravidade vai depender da extensão e localização das lesões cerebrais, indo desde formas ligeiras a outras graves, com dependência parcial ou total de terceira pessoa.
Existem várias causas conhecidas para a ocorrência da PC e também estão identificados múltiplos fatores de risco. São causas de Paralisia Cerebral as malformações do desenvolvimento cerebral, muitas delas genéticas, outras adquiridas em fases precoces da gravidez; as infeções durante a gravidez, especialmente nos primeiros meses; acidentes vasculares cerebrais (isquémicos, hemorrágicos, tromboses venosas) , sobretudo na fase tardia da gravidez ou período peri-natal; a privação de oxigénio ao feto durante o trabalho de parto ou no nascimento (encefalopatia hipóxico-isquémica); infeções graves nos primeiros dias ou semanas de vida, como as meningites ou encefalites; lesões cerebrais ocorridas nos primeiros anos de vida secundárias a infeções, acidentes vasculares (AVC), afogamentos, acidentes rodoviários, traumatismos craneanos…
A ressonância magnética crâneo-encefálica (RMN CE) e os testes laboratoriais, nomeadamente genéticos, têm vindo a permitir identificar cada vez mais as causas de Paralisia Cerebral. Contudo existem ainda algumas crianças, em que após investigação exaustiva, não se encontra explicação para o quadro clínico de PC. Seguramente que os avanços da Genética nos irão dar a resposta para estes casos a curto /médio prazo.
A prematuridade, sobretudo se a gestação for abaixo das 28 semanas, é um fator de risco importante na PC, pela vulnerabilidade do cérebro do prematuro a eventuais complicações após o parto. Atualmente, nos países desenvolvidos, é o grupo dos prematuros que mais contribui para a ocorrência de PC, sendo o principal responsável pela não diminuição significativa da prevalência de PC nas últimas 3 décadas, dado que cada vez mais sobrevivem grandes prematuros. A idade materna de gravidez acima dos 40 anos, a concepção medicamente assistida e a gemelaridade são outros fatores de risco de PC.
A PC pode manifestar-se clinicamente por 3 tipos principais: espástica, a mais frequente, com grande aumento de tónus dos músculos; disquinética, com movimentos involuntários atípicos e tónus flutuante; atáxica que se carateriza por movimentos instáveis, tremor e perturbações no equilíbrio. A motricidade global (por exemplo capacidade de sentar, andar) duma criança com PC é atualmente avaliada, na maioria dos países, pela mesma escala, a “Gross Motor Function Classification System (GMFCS) ”. Compreende 5 níveis e quando aplicada aos 4-5 anos de idade já permite fazer um prognóstico da capacidade funcional ao longo da vida. Assim os níveis I e II são compatíveis com marcha autónoma; no III é possível a marcha com apoio podendo necessitar de cadeira de rodas para se deslocar na rua. As crianças nos níveis IV e V não têm possibilidade de marcha, mas podem deslocar-se autonomamente, em cadeira de rodas elétrica, ou ser conduzidas em cadeira manual por terceira pessoa.
Com alguma frequência a criança com PC pode apresentar um ou mais problemas (comorbilidades), associados à sua perturbação motora, também secundárias às lesões cerebrais e que em geral agravam o prognóstico global. Os mais frequentes são a epilepsia, o défice cognitivo, a subvisão e a surdez. Complicações como o refluxo gastro-esofágico, subnutrição com atraso estaturo-ponderal, obstipação, subluxação da anca, escoliose e osteoporose são também comuns nas formas mais graves e a sua prevenção deve ser incluída precocemente no plano de cuidados global para estas crianças.
Atualmente muitos progressos foram feitos no diagnóstico precoce e intervenção/terapêutica duma criança com PC. Aos 5 meses e meio de idade corrigida já é possível fazer um diagnóstico de certeza de PC, baseado no exame neurológico e nos resultados da RMN encefálica, possibilitando a intervenção precoce duma equipa multidisciplinar experiente em PC, de modo a rentabilizar a neuroplasticidade, para minorar as consequências das lesões cerebrais e prevenir as complicações. O uso cada vez mais precoce da toxina botulínica para a espasticidade, da bomba intra-tecal de baclofeno e da rizotomia para casos específicos de grande espasticidade, da estimulação cerebral profunda para controlo dos movimentos involuntários, da cirurgia da epilepsia em casos específicos resistentes aos medicamentos anti-epiléticos e da gastrostomia para assegurar uma nutrição eficaz nos casos mais graves, vieram permitir uma melhor qualidade de vida e maior sobrevivência à população com PC. O tratamento com células estaminais ainda não tem evidência científica comprovada, pelo que por ora deverá ser evitado, devido à possibilidade de efeitos secundários graves.
Uma das grandes apostas é a prevenção de novos casos de PC e muito tem sido feito na melhoria da qualidade de vigilância à grávida e dos cuidados peri-natais, na implementação de novas vacinas anti-bacterianas que impedem meningites na infância e na promoção de amplas campanhas de como prevenir acidentes infantis.
O grau de impacto do aparecimento duma criança com PC numa família depende de muitos factores, desde a gravidade da situação, á estruturação da família e á qualidade dos apoios recebidos. Em todas as decisões deve haver conciliação dos interesses da criança e da família, nunca esquecendo que cerca de 90% das crianças com PC entrarão na idade adulta e para isso têm de ser preparadas pois têm todo o direito, tal como os seus familiares, a uma vida digna e plena.
Um artigo da médica Eulália Calado, neurologista pediátrica, ex-presidente da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral e membro da Comissão Coordenadora do Programa de Vigilância Nacional de Paralisia Cerebral (PVNPC).
Comentários