A Colangite Biliar Primária é uma doença rara do fígado que é causada por reações autoimunes que mantêm os pequenos canais biliares presentes no fígado com uma inflamação constante. A nível de progressão da doença esta pode gerar fibrose, cirrose ou mesmo cancro do fígado, assemelhando-se a sua evolução, nos casos mais graves, a outras doenças do fígado como as hepatites virais ou a doença alcoólica.
Esta evolução da CBP para doenças mais graves do fígado pode ter um impacto significativo nestes doentes uma vez que, em estadios já mais avançados, pode não existir a possibilidade de vir alguma vez a conseguir fazer a doença regredir, podendo mesmo levar à morte do doente ou à necessidade de transplante hepático.
Trata-se de uma doença multifatorial, com fatores genéticos e ambientais. Em relação aos genéticos, tende a haver um agrupamento nas famílias, e elevada taxa de concordância em gémeos iguais. Sabe-se também existem fatores ambientais predisponentes incluindo as infeções, como as infeções urinárias de repetição, os poluentes e alguns estilos de vida. Estes fatores podem levar a uma alteração do sistema imunitário, que predispõe para a doença.
Afeta mais mulheres
É de certa forma como se o fígado deixasse de ser reconhecido, sendo por isso agredido pelo sistema imunitário. Curiosamente é uma doença que afeta sobretudo mulheres, com uma frequência de 9-10 mulheres para 1 homem, entre os 51 a 59 anos de idade.
Estas mulheres podem mesmo viver anos com a doença em evolução, sem apresentar qualquer sintoma. Quando os apresentam as queixas são geralmente o prurido, a fadiga fora do habitual e a icterícia (cor amarelada da pele e dos olhos).
Apesar de não acontecer em todos os casos, em alguns verifica-se que passam muitos anos até que surja o diagnóstico de CBP, sendo que a doença está em constante progressão, danificando cada vez mais aquele que é um órgão vital, pelas substâncias fundamentais que produz e aquelas que filtra e elimina.
Em Portugal calcula-se que possam existir 500 a 1000 casos de CBP, sendo que o diagnóstico desta doença tem aumentado nos últimos 60 anos. Não se sabe, no entanto, se este aumento está relacionado com o aumento da incidência desta doença ou pelo facto de os médicos estarem mais despertos para a CBP.
A Colangite Biliar Primária sofreu, recentemente, uma alteração de nome por, erradamente, a associar à cirrose, que só surge em fases avançadas da doença e pode até nunca surgir. Esta alteração pretende também, de forma a se conseguir desmistificar esta doença rara, ainda muito pouco conhecida, junto da população.
A CBP, normalmente, é suspeitada pelo Médico de Família, que de uma forma geral encaminha os doentes para um especialista do fígado que realiza exames mais direcionados para este órgão.
Em casos extremos de evolução da doença é necessário proceder ao transplante de fígado, que é uma opção que envolve altos riscos para a vida do doente e que, no caso de correr bem, existe a dependência dos imunossupressores, para aceitação do novo órgão, durante toda a vida. A CBP é mesmo responsável por 9% dos transplantes de fígado realizados na Europa, por cirrose hepática.
A opção de transplante, para além de limitar a qualidade de vida do doente, acarreta também um grande investimento do doente e do Serviço Nacional de Saúde.
Este ano foi aprovado pela FDA um tratamento inovador para esta doença que permite dar a resposta a muitos doentes, sobretudo aos que não conseguiam melhorar com o tratamento existente até aqui (Ácido Urso-desoxicólico).
Esta evolução, que está ainda a ser alvo de estudos clínicos, poderá vir a representar uma alteração muito positiva e uma esperança na qualidade de vida dos doentes, sendo que há mais de 20 anos que não existiam novidades nesta área. O tratamento ainda não chegou a Portugal mas espera-se que existam novidades sobre este tema nos próximos tempos.
Mostrar o impacto da CBP na saúde do doente, bem-estar psicológico e social e o impacto da inovação terapêutica é fundamental para dar esperança aqueles que até agora se sentiam esquecidos por não existir um tratamento que tolerassem e que resultasse.
Estou certa de que, fazendo chegar mais informação à população e alertando a comunidade médica para a doença, esta poderá começar a ser tratada cada vez mais precocemente, conseguindo-se, assim, reduzir os riscos de complicações e morte precoce.
Um artigo de Helena Cortez-Pinto, Médica especialista em Gastrenterologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte/HSM e Professora da Faculdade de Medicina de Lisboa.
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