O que se passa nas Urgências em Portugal nestes últimos 3 ou 4 anos é um acaso, o preço da falta de investimento em literacia em saúde, a polarização hospitalo-cêntrica, uma questão política, a incapacidade na gestão do SNS, a ausência de atitude do sistema face aos perfis de utilizadores abusivos, o resultado de anos de falta de estratégia e planeamento, um problema geracional entre os profissionais de saúde, o resultado de ciclos eleitorais sem definição de áreas públicas consolidadas ou errantes, a consequência de questões laborais inflamáveis ou até uma inevitabilidade apenas?

A resposta não é simples nem rápida.

Mas uma solução será ainda mais complexa e embrulhada e sobretudo demorará anos, qualquer que venha a ser, a tornar-se perceptível e consistente.

A temática do uso abusivo das “Urgências” é, pois, um assunto que deve ser discutido sob muitas perspectivas. Desde logo porque é igualmente uma responsabilidade para ser assumida globalmente pelo Estado e pelos decisores, pelos profissionais de saúde e pelos cidadãos, sejam ou não utentes dos serviços.

Sabemos que os Portugueses são dos europeus que mais recorrem às urgências hospitalares.

Os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), publicados no relatório Health at a Glance 2023 confirmam que o nosso País registava 63 consultas de urgência por cada cem pessoas, contra uma média europeia de 27 consultas.

Seguramente é preciso encontrar explicações e principalmente respostas… que todavia não “estraguem” outra das conclusões da OCDE – Portugal gasta menos em saúde, mas tem das maiores esperanças de vida entre as populações avaliadas!

Claro que o funcionamento ou até e mais a falta deste, tem causado preocupação ao País e forte perturbação no SNS, pese embora os recursos que consome e mobiliza, em boa parte alocados a pacientes que acorrem sem real necessidade dos seus serviços.

Existe uma “tradição” de criarmos documentos, livros brancos ou verdes ou de qualquer outra coloração, sempre como meio de atingir uma meta que, em regra, se não alcança.

Diria ser uma coisa tipo imaterial, intangível, destinado a entretenimento e desperdício de vontades e oportunidades, de tempos e dinheiro.

falo nisto porque os Planos Nacionais de Saúde (PNS), pelo nível de intervenientes que arregimentam e pela qualidade dos principais responsáveis envolvidos e contributos reunidos, deveriam analisar o estado e patamar de saúde da população, elencar problemas estruturais e identificar necessidades e propostas de atuação.

liás, no PNS de 2010, mais tarde prolongado até 2020, estavam mesmo sublinhadas as dimensões da “promoção da saúde, prevenção da doença, diagnóstico precoce, minimização e controlo da doença e reabilitação adequada.

O que teria sido importante e competente trabalhar como forma de compensar o envelhecimento populacional e desequilíbrio demográfico, com crescentes necessidades em saúde, ou o cenário das doenças crónicas pródigas em agudizações e re-internamentos hospitalares.

E igualmente fundamental para uma outra realidade exigindo atenção. É que a maioria dos utentes são idosos ou muito idosos, muitas vezes com défices cognitivos senão quadros demenciais, necessitando por isso de acompanhamento mais diferenciado e acompanhado para as quais as nossas Urgências não estão minimamente preparadas.

Creio que o assunto “Urgências” vai continuar nas aberturas dos telejornais.

Até se tornar cansativo, fastidioso, repetitivo e sem peso nas audiências.

É assim que em Portugal todos os grandes assuntos têm sido resolvidos. Com profundidade, competência e clarividência.

Ou com Comissões Parlamentares e amplos consensos…