Esta inflamação do fígado pode ter inúmeras causas, como os vírus, o alcoolismo, a toxicidade de alguns medicamentos ou outros tóxicos, como são exemplo os cogumelos "venenosos".
As hepatites virais são porventura as mais conhecidas da população. Muitos recordam terem tido na infância uma hepatite, sem saberem exatamente dizer se foi a A, B, ou C. As hepatites virais têm algumas características em comum, mas algumas, relevantes, que as diferenciam umas das outras.
A mais benigna de todas
A hepatite A é a mais benigna das três, e a que era relativamente comum na infância e idade jovem, por ter uma transmissão chamada fecal-oral, que no fundo traduzia hábitos de higiene e sanidade pública ainda pobres (muitas casas sem água e esgotos, esgotos a descarregarem diretamente nas praias, etc).
Felizmente essa realidade já faz parte do passado, pelo que pessoas mais adultas que estiveram expostas ao vírus e o contraíram estão atualmente imunizadas, e as crianças e adultos jovens não estão tão expostos como antigamente.
Acresce ainda o facto de existir uma vacina contra a Hepatite A, pelo que é possível vacinar as pessoas eventualmente não imunizadas ou que viajem para países onde o vírus da Hepatite A ainda é muito prevalente.
A hepatite B
A hepatite B, por seu lado, sendo mais grave, pois pode nalguns casos (cerca de 20%) evoluir para uma hepatite crónica e em casos ainda mais raros (apenas 1%) evoluir para uma forma de hepatite fulminante (com elevada mortalidade, como o nome indica), tem a grande vantagem de dispor de uma vacina eficaz na sua prevenção e que está integrada no Plano Nacional de Vacinação desde o início dos anos 80 do século passado.
Quer isto dizer que todas as crianças e adultos jovens até aos 35-40 anos estão vacinados para a doença. Também todos os outros adultos que não receberam a vacinação enquanto crianças podem e devem-no fazer ao longo da vida. A hepatite B tem tratamento, que permite controlar a evolução da doença.
A hepatite para a qual não há vacina
Quanto à Hepatite C, sabemos que a maioria das pessoas que estão infetadas com o vírus da hepatite C (VHC) tem nenhuns ou apenas ligeiros sintomas, o que faz com que muitas pessoas desconheçam que têm a doença.
Com o passar do tempo, habitualmente anos, a infeção crónica por VHC pode levar a lesão grave do fígado, a que chamamos fibrose, que no seu estádio mais avançado é a cirrose hepática. Muitas das pessoas com hepatite por VHC não sabem como foram infetadas.
A principal via de contágio do VHC é através do sangue. Assim, a maioria das pessoas infetadas adquiriu o vírus através de:
- partilha de agulhas, seringas e outro material usado para consumo de drogas endovenosas;
- transfusões de sangue anteriores a 1990, quando o sangue ainda não era testado para este vírus;
- relações sexuais com uma pessoa infetada.
A transmissão do VHC de mãe para filho durante a gravidez é muito rara. A transmissão não se dá através de beijos e abraços, espirros ou tosse, partilha de copos, talheres e outros utensílios de uso comum.
Ao contrário das hepatites por vírus A e B, para a hepatite C não existe qualquer vacina.
Quando uma pessoa inicialmente se infeta com o VHC desenvolve o que se chama uma hepatite aguda que pode ou não dar sintomas. Algumas pessoas conseguem combater e resolver a infeção nesta fase e ficam curadas, mantendo presente no sangue o anticorpo para o VHC, que é como que uma “cicatriz” indicadora de que já estiveram em contacto com o vírus. Mas a grande maioria das pessoas, entre 60 a 80%, não tem essa capacidade, o que significa que o vírus fica ativo no organismo, embora silencioso, e desenvolve-se uma hepatite crónica. A hepatite crónica por VHC é relativamente comum, com uma prevalência que se estima em quase 3% da população mundial.
Sendo uma infeção crónica com poucos ou nenhuns sintomas (o mais frequente é o cansaço, muito inespecífico), o diagnóstico da hepatite por VHC é feito muitas vezes em análises de rotina, ou quando se detetam algumas alterações nas análises gerais relacionadas com o fígado.
Numa primeira fase faz-se a pesquisa no sangue do anticorpo contra o VHC; se este for positivo avança-se para uma análise mais elaborada em que se pesquisa a presença do próprio vírus (o RNA do vírus). Esta segunda análise pode vir negativa – o que significa que a pessoa está entre a minoria que conseguiu curar sozinha a infeção; ou vem positiva, sendo mandatório referenciar o doente a uma Consulta de Hospitalar (Gastroenterologia, Hepatologia, Infecciologia, Medicina Interna) de forma a se pesquisar qual o tipo de vírus C em causa (existem vários chamados genótipos, sendo o 1, 3 e 4 os mais frequentes em Portugal), avaliar o grau de lesão do fígado que já existe e propor o doente para tratamento.
A avaliação do grau de lesão ou fibrose do fígado faz-se hoje em dia por rotina através de meios não invasivos (em casos muito raros pode ainda recorrer-se a uma biopsia hepática).
O tratamento da hepatite por VHC teve uma evolução extraordinária nos últimos anos, sendo considerado uma das grandes revoluções da Medicina moderna. Até há poucos anos os tratamentos disponíveis incluíam injeções que o doente auto-administrava, eram difíceis de tolerar, com efeitos secundários muito significativos que levavam muitas vezes o doente a interromper o tratamento. Além disso, as taxas de sucesso do tratamento eram consideravelmente baixas, raramente atingindo os 50% de cura. Ou seja, com um tratamento longo e difícil de tolerar, por cada dois doentes tratados apenas um ficava curado.
Mais recentemente foram desenvolvidos e rapidamente introduzidos no mercado os chamados agentes antivirais de ação direta (AAD), sob a forma de comprimidos, muito bem tolerados (raros ou nenhuns efeitos secundários), e com taxas de sucesso terapêutico que rondam os 95-100%, dependendo do tipo de vírus, do grau de fibrose existente, e do historial terapêutico do doente. Estes medicamentos são de fornecimento exclusivo hospitalar.
Assim, e apesar de não existir uma vacina, com os tratamentos atualmente disponíveis, é possível ambicionar curar 100% da população infetada, o que significa que a hepatite crónica por VHC é uma doença potencialmente erradicável.
Se pensarmos que a vacinação contra a hepatite B é também uma forma de se atingir uma eventual erradicação do vírus, facilmente concluímos que o mais importante é diagnosticar! Seja em análises de rotina, seja através de testes rápidos disponibilizados em várias associações e organizações dispersas pelo país, testar para a presença de VHB ou VHC é sempre uma mais-valia:
- se o VHB for positivo, trata-se e controla-se; se for negativo, faz-se a vacina;
- se o VHC for positivo, trata-se e cura-se; se for negativo, é uma oportunidade para educar para a saúde e prevenção.
As explicações são da médica Inês Vaz Pinto, especialista de Medicina Interna no Hospital de Cascais.
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