Um sensor desenvolvido por cientistas das universidades de São Paulo (USP) e Federal de Viçosa (UFV) pode facilitar a vida de pacientes que necessitam monitorizar com frequência biomarcadores na urina – por exemplo, aqueles que sofrem de gota e têm de controlar os níveis de ácido úrico. O dispositivo é capaz de fornecer essas informações de forma rápida e em casa, bastando ligá-lo ao smartphone, mostra um estudo publicado no Chemical Engineering Journal.
Com custo de produção inferior a 0,50 reais (cerca de 0,10 cêntimos de euro), o equipamento contém uma tira de sensor flexível com eletrodos que, integrada a um analisador portátil, mede um amplo espectro de biomarcadores moleculares em três minutos, após receber gotas de urina humana, sem a necessidade de passar a amostra por etapas prévias de pré-tratamento. A análise é exibida num dispositivo móvel (smartphone, laptop ou tablet) através de comunicação sem fio (bluetooth).
Os testes feitos durante o estudo, que contou com apoio da FAPESP (projetos 20/09587-8, 23/07686-7, 19/01777-5, 22/02164-0, 16/01919-6 e 23/00850-6), analisaram níveis de ácido úrico e dopamina na urina. O primeiro tem sido considerado um biomarcador para várias doenças, incluindo hiperuricemia, síndrome de Fanconi, gota, cancro, síndrome de Lesch-Nyhan e disfunção renal, além de stress físico e riscos elevados de diabetes tipo 2 com alta gravidade e complicações.
Já a dopamina é um importante neuromodulador com funções vitais nos sistemas nervoso central, renal, hormonal e cardiovascular. Níveis anormais podem indicar distúrbios neurológicos e psiquiátricos, incluindo esquizofrenia, depressão, vício, doença de Alzheimer e Parkinson.
O desempenho analítico do sensor foi considerado comparável ao método padrão-ouro (kit usado em laboratórios de análises clínicas).
“A integração de sensores químicos eletrónicos com dispositivos portáteis permite monitorizar continuamente e remotamente os principais sinais vitais, níveis de metabólitos e biomarcadores dos pacientes em tempo real para apoiar a saúde e o bem-estar”, diz Paulo Augusto Raymundo-Pereira, investigador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP). “A ideia é que nosso dispositivo seja utilizado para fornecer informações sobre um estado de saúde individual em níveis moleculares, abrindo caminho para uma ampla gama de monitoramento personalizado, análise descentralizada, aplicações diagnósticas e terapêuticas, potencial que ficou claro com a popularização dos autotestes de COVID-19 durante a pandemia.”
Foco em sustentabilidade
Outro destaque importante do novo sensor é que, ao contrário de dispositivos eletrónicos portáteis de deteção já existentes, feitos de plásticos convencionais à base de petróleo, este foi desenvolvido com filmes biodegradáveis de poliácido lático (PLA), contribuindo para atender aos requisitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Agenda 2030.
“O PLA é um poliéster biodegradável, reciclável, compostável, de base biológica derivado do ácido láctico e produzido a partir de recursos naturais renováveis por fermentação de polissacarídeos ou açúcares extraídos do milho, trigo, batata, cana-de-açúcar, arroz e beterraba sacarina”, explica Raymundo-Pereira. “Foi escolhido por nós devido às características intrínsecas e desejáveis, incluindo propriedades químicas, físicas, mecânicas, térmicas, alta resistência, elasticidade e rigidez.”
Nos Estados Unidos, o material já tem aprovação da Food and Drug Administration (FDA, agência de vigilância sanitária norte-americana) para aplicações biomédicas, incluindo stents, placas e parafusos ortopédicos, suturas absorvíveis, veículos de administração de medicamentos, filmes de prevenção de adesão, engenharia de tecidos, dispositivos implantáveis e contacto direto com fluidos biológicos.
“Até onde sabemos, o bioplástico de PLA ainda não tinha sido usado como substrato ou suporte para fabricação de sensores e biossensores descartáveis. O nosso estudo demonstrou o primeiro exemplo de uma tira de sensor sustentável integrada com analisador sem fio portátil para autoteste rápido”, afirma Raymundo-Pereira.
O artigo Flexible and sustainable printed sensor strips for on-site, fast decentralized self-testing of urinary biomarkers integrated with a portable wireless analyzer pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1385894723035064.
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