Introdução

Portugal tem-se destacado como um destino de excelência no setor da saúde, atraindo pacientes de todo o mundo em busca de tratamentos de ponta, inovação tecnológica e cuidados humanizados. Este fenómeno, conhecido como turismo médico, posiciona o país como referência em várias especialidades, como saúde auditiva, cardiologia e oncologia. Contudo, surge uma questão fundamental: como conciliar o crescente interesse internacional com a garantia de acesso igualitário aos cidadãos nacionais e àqueles que, vindos de países em desenvolvimento, enfrentam barreiras de acesso à saúde?

O tema transcende uma mera discussão sobre turismo médico; trata-se de redefinir os princípios do acesso à saúde num mundo globalizado. Devemos limitar ou condicionar o acesso com base na origem dos pacientes, ou será possível uma abordagem ética e sustentável que integre todas as realidades?

Desenvolvimento

  1. 1. O Crescimento do Turismo Médico em Portugal

Portugal tem vindo a atrair pacientes internacionais pela sua qualidade médica, preços competitivos e serviços de excelência. Segundo estudos recentes, áreas como a saúde auditiva, com clínicas e especialistas reconhecidos mundialmente, colocam o país no mapa global da inovação e da vanguarda médica. Essa procura reflete não apenas a competência dos profissionais de saúde portugueses, mas também a confiança no sistema.

No entanto, essa atratividade levanta preocupações sobre o impacto no acesso dos residentes ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), já pressionado por longas filas e escassez de recursos. Como assegurar que o turismo médico não comprometa o direito fundamental dos portugueses a cuidados de saúde de qualidade e em tempo útil?

  1. 2. Quem Deve Ter Acesso?

Não é ético limitar o acesso à saúde com base em critérios meramente culturais ou económicos. Casos emergenciais, como acidentes ou diagnósticos que requerem tratamentos inovadores, devem ser tratados com prioridade. No entanto, consultas de rotina ou tratamentos prolongados para pacientes que vêm exclusivamente por motivos de turismo colocam um dilema ético e logístico.

Os PALOPs (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), por exemplo, têm uma relação histórica e cultural com Portugal, mas os seus cidadãos enfrentam, muitas vezes, dificuldades em aceder a cuidados especializados por razões logísticas, burocráticas ou financeiras. Como diferenciar quem deve ter prioridade sem comprometer o equilíbrio do SNS?

  1. 3. A Necessidade de uma Saúde Global

A resposta pode residir num modelo de saúde global mais estruturado e inclusivo. Propõe-se a criação de um Fundo Mundial de Saúde, coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Este fundo seria alimentado por contribuições proporcionais ao número de cidadãos de cada país, servindo para apoiar sistemas de saúde, públicos ou privados, de acordo com a política de gestão de cada nação.

Esse mecanismo poderia financiar o acesso a cuidados de saúde para pacientes estrangeiros, aliviando a pressão sobre os sistemas locais. Tal abordagem permitiria que Portugal continuasse a ser um polo de atração médica sem comprometer os seus recursos internos, promovendo, simultaneamente, um acesso mais equitativo à saúde a nível global.

  1. 4. O Exemplo da Saúde Auditiva e Outras Áreas de Excelência

Portugal tem provado ser líder em áreas como a saúde auditiva, com clínicas que acolhem pacientes de várias partes do mundo para tratamentos inovadores e de reabilitação. Este exemplo ilustra como a expertise acumulada pode ser utilizada para beneficiar tanto os cidadãos nacionais quanto os estrangeiros.

No entanto, o mesmo princípio aplica-se a outras especialidades, como oncologia e transplantes, onde a colaboração internacional já é uma realidade. A implementação de quotas ou parcerias com sistemas globais poderia ser um passo rumo a uma saúde mais inclusiva.

  1. 5. A Sustentabilidade do SNS em Tempos de Globalização

O turismo médico não deve ser visto apenas como uma oportunidade económica, mas como um desafio que exige estratégias claras de regulação. O SNS, sendo um dos pilares da democracia portuguesa, deve ser protegido, assegurando que o acesso universal permaneça prioritário. Políticas que incentivem parcerias público-privadas e investimentos em infraestruturas podem ajudar a acomodar esta crescente procura.

Conclusão

Portugal tem o privilégio e a responsabilidade de liderar o debate sobre turismo médico e acesso à saúde numa era globalizada. Se, por um lado, é inegável o orgulho de sermos referência mundial em várias áreas da medicina, por outro, cabe-nos garantir que a qualidade e o acesso não sejam comprometidos para os que mais necessitam.

A criação de um sistema de saúde global, apoiado por fundos internacionais, seria um passo ousado, mas necessário, para equilibrar estas dinâmicas. Saúde com os nossos, mas também para além de nós. Afinal, a saúde não deve conhecer fronteiras — apenas ética, equidade e humanidade.