O sarampo volta a ser uma ameaça. Em entrevista à edição impressa da Prevenir, que resumimos de seguida, Jorge Atouguia, médico especialista em doenças infecciosas e em medicina tropical, presidente da Sociedade Portuguesa da Medicina do Viajante, explica como se manifesta a doença, quais as complicações mais graves que podem surgir e ainda explica o que podemos fazer nos podemos proteger da doença.

O que poderá estar na origem deste surto?

O surto [aparecimento de dois ou mais casos epidemiologicamente relacionados] de sarampo, não só em Portugal, como a nível mundial, está relacionado com o facto de a vacina não estar a ser feita por todas as pessoas. Isto acontece porque existem grupos que decidem não vacinar as suas crianças, assim como pessoas, atualmente com mais de 40 a 50 anos, que nasceram antes da vacina entrar para o Programa Nacional de Vacinação (PNV) [em 1974].

Pessoas que nunca tiveram sarampo, não estando, assim, imunizadas. Se todas as crianças estivessem vacinadas, visto serem o principal foco de infeção, não havia a transmissão do vírus. Como não estão, basta que haja um vírus a circular para que se dê a transmissão entre esses grupos que não estão imunizados.

Como se manifesta a doença?

Regra geral, esta doença manifesta-se com um quadro febril e exantemático, isto é, os doentes têm febre e surgem manchas na pele [na cara e no tronco], que podem provocar comichão, assim como lesões no interior da boca. O sarampo também ocorre, habitualmente, com conjuntivite, uma inflamação a nível dos olhos. Contudo, a doença pode ocorrer assintomática ou benigna, como no caso de adultos que tiveram contacto com o sarampo durante a infância sem o ter desenvolvido.

E pode trazer complicações mais graves?

A doença tende a ser mais perigosa quanto maior for a idade da pessoa. Em casos de maior gravidade, a doença pode levar a quadros de falência multiorgânica (renal e cardíaca, por exemplo), complicações respiratórias (mais frequentes em pessoas mais velhas que já não têm os órgãos a funcionar corretamente) e neurológicas (mais frequentes nas crianças), resultando em incapacidades permanentes ou morte.

Em 2017, o ex-diretor-geral da saúde, Francisco George, demonstrou preocupação por serem poucos os médicos que conhecem esta doença. Que consequências pode este facto ter no controlo do sarampo?

O sarampo foi uma doença que desapareceu durante muitos anos em Portugal e, portanto, os médicos deixaram de contactar com estes doentes, o que os levou a não associar os sintomas a um diagnóstico de sarampo, doença que por si só pode facilmente ser confundida com outras hipóteses de diagnóstico.

Ao deixamos escapar o diagnóstico de sarampo, não promovendo as medidas para evitar que haja contágio dentro da comunidade, há um maior risco de transmissão do vírus entre as pessoas que não estão imunizadas.

Como se dá o contágio?

O sarampo é muito contagioso por via aérea através das gotículas que as pessoas infetadas libertam, havendo maior facilidade de transmissão em ambientes fechados e com muitas pessoas, como as escolas, fazendo das crianças não vacinadas um grupo especialmente suscetível ao sarampo. A doença é particularmente contagiosa imediatamente antes do período febril e até este terminar.

Como nos podemos proteger da doença?

Não há nenhuma forma de proteção que seja comparável à eficácia da vacina. Todas as pessoas não vacinadas são consideradas um grupo de risco, a menos que já tenham tido sarampo. Só se pode ter uma vez na vida.

É aconselhável a vacinação suplementar em viagem?

Quando não sabemos se o viajante fez a vacinação de forma correta e, consequentemente, qual o seu nível de proteção é aconselhável que se faça a vacinação. O problema é que, em Portugal, não existe uma vacina única contra o sarampo, mas sim contra o sarampo, a papeira e a rubéola (VASPR), o que nos pode levar a vacinar desnecessariamente a pessoa contra todas estas doenças.  No entanto, é possível fazer um teste serológico de modo a verificar se a pessoa já tem anticorpos contra o sarampo, comprovando ou não a necessidade de fazer a vacina.

A vacinação é particularmente recomendável para algum destino em específico?

Apenas faz sentido fazer a vacina para os destinos onde estejam a ocorrer surtos epidémicos e não por rotina. Além disso, é importante ter em conta se o viajante irá ter muitos contactos interpessoais. Por exemplo, se vai trabalhar com crianças ou em hospitais, fator que poderá aumentar a recomendação para que se faça a vacina. A avaliação deve ser feita em função de cada viajante e destino e, como tal, as indicações não devem ser feitas por norma, sendo necessária avaliação e aconselhamento médico.

Qual é o tratamento previsto para este vírus?

O sarampo, normalmente, tem uma evolução de uma a duas semanas e, durante este período, é feito um tratamento sintomático, isto é, trata-se cada um dos sintomas, em função de cada situação clínica. Não há nenhum medicamento que permita atacar diretamente o vírus, o que pode dificultar o seu controlo.

Em certos casos, pode mesmo ser necessário internamento para tratar quadros de complicações do sarampo. Além disso, não é possível fazer a vacina durante a infeção porque esta é uma vacina viva e, portanto, estaríamos a colocar no doente mais vírus do sarampo.

Que medidas devem ser adotadas para que o sarampo volte a ser eliminado?

Primeiro, é necessário identificar os casos de sarampo e tratá-los. Neste momento, apenas estão a ser identificados casos de pessoas doentes, mas nós não sabemos quais são as pessoas que ainda têm o vírus a circular. Como tal, Portugal estará sujeito a um período de tempo até que a não existência de novos casos, incluindo pessoas que têm o vírus, mas não têm sintomas, nos leve a ter novamente o carimbo de eliminação.

Não sou a favor de que se vacine as pessoas contra todas as doenças que existem mas, sim, contra aquelas que são muito contagiosas e que podem provocar a morte, como é o caso das que estão contempladas pelo PNV.

Não é necessária vacinação contra as doenças que já estão eliminadas. Verdade ou mito?

Esta é uma ideia baseada na imunidade de grupo, segundo a qual, se o grupo está imunizado o vírus não circula. Esta teoria não tem em conta que uma pessoa vinda de fora pode entrar na comunidade e trazer consigo o vírus, espalhando-o.

O que fazer se suspeitar ter contraído a doença

Jorge Atouguia, médico especialista em doenças infecciosas, explica-lhe como agir caso desconfie ter sido infetado pelo vírus do sarampo:

-Ligue para a linha Saúde24 (808 24 24 24)

"Esta medida permite-lhe ser encaminhado para os hospitais que possam estar mais preparados para lidarcom a doença", assegura o especialista.

- Dirija-se às urgências

"Fale com os médicos do serviço de urgência e refira, à entrada, sintomas como a febre e as manchas no corpo", aconselha Jorge Atouguia.

- Evite o contacto com outras pessoas

"Uma vez que o contágio é feito por via de gotículas eliminadas através da tosse ou expetoração, por exemplo, o ideal seria que utilizasse alguma proteção, como uma máscara", esclarece o infecciologista.