As alterações climáticas apresentam essencialmente cinco tipos de impacto na saúde: o efeito do calor (ondas de calor); o efeito do frio (vagas de frio); potenciais pandemias devido às alterações nos ecossistemas; as doenças transmitidas pela água e a degradação da qualidade do ar.
Nas doenças cardiovasculares (as que apresentam maior prevalência na europa e mundo ocidental) terão maior impacto as oscilações extremas na temperatura e a degradação da qualidade do ar.
A qualidade do ar é já considerada a quarta causa de mortalidade global a nível mundial o que levou a que destacadas sociedades científicas tomassem posição no sentido de desenvolver “awareness” em relação a este problema.
“Taking a stand against air pollution” é um documento de consenso em que a várias organizações mundiais, entre as quais a Organização Mundial de Saúde (OMS), alertam sobre o impacto da poluição atmosférica nas doenças cardiovasculares.
De notar que, por ano, morrem 12,6 milhões de pessoas (24% de todas as mortes no mundo) devido a causas ambientais. Quase metade dos óbitos devido a causas ambientais deve-se à poluição atmosférica (cerca de 5 milhões de pessoas) sendo que 50% morrem por doença cardio ou cerebrovascular.
Temperatura inadequada (ou seja temperaturas extremas) foi recentemente considerada pela “Global Burden of Disease Study 2019” como uma causa importante de mortalidade global (responsável por 1,96 milhões de mortes no mundo). Tanto as altas como as baixas temperaturas estão associadas a aumento da mortalidade cardiovascular.
No passado, o frio era responsável pela maioria das mortes sobretudo por enfarte agudo do miocárdio. No entanto, com as alterações climáticas e aquecimento global, as ondas de calor tornaram-se mais frequentes na Europa e no mundo e tendem a tornar-se mais prevalentes que as vagas de frio.
São disso exemplo as ondas de calor que ocorreram recentemente nos Estados Unidos e Canada e têm estado atualmente a assolar a Europa. Representam uma ameaça aos doentes com doença cardiovascular e estima-se que só no Canadá tenham falecido cerca de 700 pessoas de morte súbita devido à onda de calor que fustigou o país.
O Registo Kora realizado na Alemanha (KORA Myocardial Infartion Registry) ilustra bem esta inversão no impacto das temperaturas extremas na doença cardiovascular. Neste registo, e no período entre 1987-2000 o enfarte de miocárdio era desencadeado exclusivamente por exposição ao frio. Em comparação, numa época mais recente de 2001 – 2014 o calor começa a aparecer como fator desencadeante e tem vindo progressivamente a aumentar preponderância.
Se juntarmos o efeito duma onda de calor à poluição atmosférica o impacto na mortalidade cardiovascular ainda é maior. Um estudo realizado em Itália mostrou que o efeito do calor na mortalidade cardiovascular triplica quando existem altas concentrações de partículas finas na atmosfera (por exemplo aquando dos incêndios). São sobretudo as pessoas mais frágeis, com múltiplas comorbilidades associadas e os idosos que mais sofrem com o impacto das alterações climáticas incluindo a poluição atmosférica.
A Sociedade Portuguesa Cardiologia (SPC) é uma sociedade cientifica atenta às mudanças da sociedade e do planeta e sobretudo atenta a potenciais ameaças da saúde cardiovascular. Nesse sentido, pretende criar consciencialização acerca do problema, de forma a permitir desenvolver estratégias de prevenção nos doentes com patologia cardiovascular tentando assim minimizar os riscos.
Um artigo da médica Fátima Franco, cardiologista e membro da Sociedade Portuguesa Cardiologia.
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